Por Gizele Martins, estudante de jornalismo e editora do jornal O Cidadão, da Maré
Em meio ao subdesenvolvimento e consequentemente às diferenças sociais vividas
pela maioria da população brasileira e mundial, nos deparamos com uma sociedade
que só enxerga e trata o outro de forma excludente. O que não é por acaso. Segundo
a sociedade capitalista, imperialista, é preciso que uns tenham mais acesso,
oportunidades e direitos do que outros. Isso significa, em termos práticos, que
muito poucos – se considerarmos a proporção de ricos e pobres no mundo – serão
aqueles que terão acesso irrestrito a bens e serviços. E é exatamente este
restrito grupo que comandará as coisas, como acontece desde a fundação do
capitalismo no mundo.
E os meios de comunicação são os grandes apoiadores dessa sociedade do capital,
pois é por meio deles também que se aliena. É por meio deles que se influencia
toda a sociedade, seja na vida política, na vida pessoal, etc. O seu papel é o
de mostrar sempre a versão do capital, estar sempre contra os trabalhadores, os
movimentos sociais e o desenvolvimento equilibrado e justo do país. Ela é uma
comunicação que favorece e sempre favorecerá a minoria rica.
Eu, como moradora
de favela, vejo esta exclusão midiática de perto. Quantas vezes a mídia fala o
que realmente existe nas favelas? Quantas vezes mostrou, ou mostra, que ali
existem pessoas trabalhadoras, estudantes, gente que quer apenas seu direito de
viver? A mídia quando entra na favela é só para cobrir assuntos ligados à
violência, isso quando relata a verdade do que ocorreu. E isso nada mais é
do que mais uma forma de influenciar a população. Assim, as pessoas acabam
reproduzindo preconceitos sobre o morador de comunidade. Os que
moram fora dizem que somos vagabundos, sujos, violentos, entre outras coisas
mais. Há uma generalização, todos os meninos são vistos como bandidos, e todas
as meninas são vistas como vagabundas, além de relatarem que todos os moradores
de favela são preguiçosos, que só não conseguem estudar, trabalhar e etc.
porque não são interessados.
Isto não é verdade! Seguramente mais de 90% dos moradores de favelas nada
mais fazem do que trabalharem, do que tentarem sobreviver todos os dias. Tudo
isso, toda essa reprodução de conceitos que são mostrados nos meios de
comunicação fazem com que a maioria das pessoas não respeite o que realmente somos.
Muitos moradores não assumem morar em comunidades por conta do preconceito
existente e disseminado na sociedade. Exemplo disso é na hora da procura por
emprego. É difícil nessas horas você dizer que é morador de comunidade. Pois
muitas das vezes, você nem recebe o telefonema de confirmação de currículo.
Nossos governantes, aqueles que votamos de quatro em quatro anos, não nos
atendem. Todos sabem que dentro das favelas há diversos problemas, seja o de habitação,
de saúde, de educação, de saneamento básico, e aquele que é considerado o mais
grave: a violência. Mas eles nada fazem para resolver estes problemas. Pelo
contrário, o que se percebe é que por suas atitudes excludentes, reproduzem o
que toda a sociedade acha.
Põem caveirão – veículo blindado usado pela polícia nas incursões em
favelas - para “resolver” o problema de segurança. Põem Postos de Saúde, sem
nenhum preparo de atendimento. Nos oferecem escolas precárias. As faculdades
públicas deveriam estar lotadas de estudantes de classe baixa, mas estão cheias
de pessoas que podem pagar a instituições particulares. Além disso, o Estado
apóia ainda a entrada de Ong’s nas favelas, com o discurso de salvar mais um
pobrezinho, mais um favelado.
Até quando vamos ter que agüentar isso, até quando vamos tapar nos olhos
para isso tudo, até quando vamos aceitar essas injustiças, até quando vamos ter
que clamar pelo direito à vida?
Outro exemplo da injusta segurança e da desonesta mídia que temos é o
caso de Matheus Rodrigues, menino de 8 anos, que há um mês foi assassinado pela
Polícia Militar na porta de sua casa, no Complexo da Maré, uma das maiores
favelas do Rio de Janeiro. E isso não aconteceu apenas com o Matheus não. Todos
os dias ocorre isso em nossas comunidades, todos os dias nos deparamos com
esta dura e cruel realidade. Há três anos morreu Renan Rodrigues, de 3 anos. Há
aproximadamente quatro anos morreu Carlos Henrique, de 11 anos, todos eles
crianças e inocentes, também moradores da Maré. Eram meninos que queriam apenas
ter o dinheiro de brincar, de sorrir, de estudar, de sonhar com o seu futuro. Mas
os seus desejos, os seus sorrisos, foram todos covardemente enterrados.
Isso por causa do precário policiamento que temos, por causa do massacre
que é cada vez mais claro em todas as favelas da nossa cidade, do nosso país. Esse
extermínio é cada vez mais claro quando se trata do pobre, do negro e do favelado,
seja em que lugar ele for, ou esteja. E estes nunca fugirão disso, sempre
carregarão no peito as marcas cruéis e preconceituosas da sociedade. E como eu já
disse, preconceitos estes que, na maioria das vezes, são produzidos e lançados pela
grande mídia.