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Histria
Justiça para Luiz Eduardo Merlino

Nesta terça, 19 de agosto, o desembargador Hamilton Elliot Akel, do Tribunal de Justiça de São Paulo, se pronuncia sobre o recurso dos advogados do coronel Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi paulista, contra a ação que visa responsabilizar o militar pelas torturas e assassinato do jornalista Luiz Eduardo Merlino, ocorrido em 19 de julho de 1971. Os outros dois desembargadores afeitos ao caso já externaram suas decisões: Luiz Antonio de Godoy manifestou-se favorável a Ustra e Carlos Augusto de Santi Ribeiro, contra.

Antes, ao acolher a ação movida por Regina Merlino e a historiadora Ângela Mendes de Almeida, respectivamente, irmã e ex-companheira do jornalista, o juiz Carlos Henrique Abrão considerou que "o assunto não trata de privilégio decorrente da lei de anistia, mas disciplina ação de natureza imprescritível".

Ao morrer, Merlino tinha 23 anos incompletos. Apesar da juventude, devido ao seu talento, já era muito conhecido no meio jornalístico de São Paulo. Trabalhou na Folha da Tarde, no Jornal da Tarde, esteve entre os fundadores do Amanhã, um dos criativos e democráticos jornais dirigidos por Raimundo Rodrigues Pereira.

Luiz Eduardo, quando ainda secundarista, já começara a se interessar por política e participara do Centro Popular de Cultura (CPC) animado pela UNE. Ao ser preso, era militante do Partido Operário Comunista (POC), um pequeno agrupamento integrante da resistência democrática ao regime ditatorial.

O massacre de Merlino: “Ou cortavam suas pernas ou morria. Deixa morrer”
Merlino foi capturado sem ordem judicial - claro, na ditadura inexistiam quaisquer garantias individuais e legais, ainda mais nos anos de chumbo de Médici - na casa de sua mãe, em Santos, no dia 15 de julho de 1971, quando já passava das 21h. A mãe, a irmã Regina e uma tia assistiram à prisão. Dali foi levado para a capital do estado, rumo ao inferno da Rua Tutóia, sede do DOI-Codi paulista, comandado pelo então major Ustra, que escondia sua identidade dos prisioneiros e se apresentava como o “major Tibiriçá” para não ser identificado.

Segundo o registro do livro “Direito à Memória e à Verdade”, editado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Presidência da República, Merlino recebeu logo o tratamento.habitual do DOI-Codi: “foi barbaramente torturado por 24 horas ininterruptas e abandonado numa solitária, a chamada cela forte, ou xis-zero”. Havia três turmas de tortura na rotina do DOI-Codi, elas se revezavam a cada 8 horas para garantir a permanência das torturas durante todo o dia.e toda a noite.

Guido Rocha, um preso político também estraçalhado fisicamente pelas torturas, já se encontrava na “cela forte” quando jogaram Merlino lá. Uma das últimas pessoas a vê-lo com vida, Guido deu depoimento gravado ao jornalista Bernardo Kucinski a respeito do que presenciou:

“Eu também estava arrebentado, então eles não se importaram comigo e trouxeram ele para minha cela para fazer o teste de reflexo. Vieram, fizeram o teste de reflexo no joelho e não tinha resposta nenhuma.”

“Depois que fecharam a porta Merlino começou a piorar muito, logo em seguida. À noite começou a se sentir mal, estava bem pior. Eu não me lembro dele ter comido nem uma vez... porque ele tentava comer e vomitava sangue. Aí ele começou a mudar, a ficar nervoso, falou que estava piorando... vomitou sangue outra vez. Eu tentei acalmá-lo. Ele pediu que eu o colocasse sentado. Merlino nunca ficou em pé desde o primeiro dia. Para ir a privada precisava carregar ele. Eu e um guarda. Bem, eu tentei acalmá-lo, comecei a dizer a ele para respirar fundo, fazer a respiração de ioga, manter um pouco de calma. Mas ele ficou muito nervoso e falou: ‘chama o enfermeiro rápido que eu estou muito mal, a dormência está subindo, está nas duas pernas e nos braços também’. Aí eu bati na porta com força e gritei e vieram o enfermeiro e alguns torturadores, policiais, os mesmos que já haviam me torturado e torturado a ele também. Vieram e o levaram”.

“Nunca mais eu vi ele”.

Guido Rocha tempos depois iria para o Presídio de Linhares. “Eu dei o nome a minha cela de Luiz Eduardo Merlino; era hábito nosso, os presos políticos, dar o nome à sua cela de um companheiro que tinha sido assassinado pela repressão”, ele conta.

A herança de Merlino
O escritor, historiador e professor Joel Rufino dos Santos, ex-preso político, amigo de Merlino, relata outro fato terrível:

“1973. Um torturador da Operação Bandeirante [organismo da repressão que antecedeu o DOI-Codi, também comandado por Brilhante Ustra], Oberdan, cismou de falar comigo sobre Merlino. Não morreu como vocês pensam. Foi para o hospital passando mal. Telefonaram de lá para dizer que ou cortavam suas pernas ou morria. Fizemos uma votação. Ganhou deixar morrer. Eu era contra. Estou contando porque sei que vocês eram amigos”.

Um dos livros de Joel Rufino é dedicado à memória de Merlino.

O escritor e jornalista Renato Pompeu recorda, além da inteligência, a “inusitada” maturidade política de Merlino para alguém tão jovem.

Michael Löwy, um intelectual de grande reconhecimento internacional, foi companheiro de Merlino. Dá um testemunho emocionado sobre ele: “É destas pessoas que ficam para sempre gravadas na memória de quem as conheceu, por mais que passem os anos. O que o levou a tomar a decisão que tomou, e lhe custou a vida, foi simplesmente um sentimento de dever, uma ética, um compromisso com os companheiros de luta. É por isto que a memória dele continua tão viva e presente, não só no Brasil, mas também na França e em outros países em que se conheceu sua história. A herança que ele nos deixa é a de seguir lutando, para que nunca mais o Brasil conheça a opressão, a violência policial, a tortura”.

A crueldade contra Merlino se estendeu à sua família. O DOI-Codi inventou um suicídio fantasioso, historinha costumeira dos torturadores, relatado à sua mãe, Iracema. O prisioneiro teria se jogado embaixo de um carro, na BR-116, em Jacupiranga. Dois médicos legistas a serviço da ditadura, Isaac Abramovitc e Abeylard Orsini, assinaram o laudo para tentar justificar a farsa. A família não acreditou em nenhum momento.

A sobrinha de Merlino, a jornalista Tatiana Merlino, descreveu em artigo recente, no Brasil de Fato, como os fatos se passaram:

“Como o corpo não foi entregue, dois tios e o cunhado de Merlino, Adalberto Dias de Almeida, então delegado de polícia, foram ao IML de São Paulo. O diretor do Instituto negou que o corpo estivesse ali, mas usando do fato de ser delegado, o cunhado burlou a vigilância e foi em busca do corpo de Merlino. Encontrou-o com marcas de tortura em uma gaveta sem identificação. O corpo do jornalista foi entregue à família num caixão fechado".

Jornalistas amigos de Merlino foram até Jacupiranga e não encontraram nenhum sinal do suposto atropelamento ou outro acidente de trânsito ocorrido naquele ponto, no dia indicado. O veículo que o teria atropelado nunca foi identificado nem foi feita ocorrência no local do fato.

Reparação é para o Brasil

Impedida de noticiar a morte de Merlino, somente mais de um mês depois, o jornal O Estado de S.Paulo publicou um anúncio fúnebre: ‘Os amigos e parentes do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino convidam os jornalistas brasileiros e o povo em geral para a missa de trigésimo dia de seu falecimento a realizar-se sábado próximo, 28 de agosto, às 18:30 horas, na Catedral da Sé, em São Paulo’. Cerca de 770 jornalistas compareceram à missa. Na cerimônia, os mesmos três homens que buscaram Merlino, em Santos, compareceram para dar ‘os pêsames’ à sua mãe e irmã”.

Brilhante Ustra, o “major Tibiriçá”, com o mesmo cinismo que diz não passarem de “lorotas” as denúncias de tortura no DOI-Codi da Rua Tutóia, afirma na sua defesa que o laudo “foi firmado por dois legistas, tem fé pública”.

Quanto à ficção de suicídio, os advogados da família Merlino, Fábio Konder Comparato e Aníbal Castro de Sousa, declaram: “o réu não inovou, pois já há muito tempo é de conhecimento público que, infelizmente, os órgãos de repressão detinham absoluto controle do IML (Instituto Médico Legal) e ‘construíam’ versões absurdas para a causa mortis de suas vítimas. A história está a confirmar que a alegação de suicídio era a farsa preferida pela repressão, vide o caso emblemático do jornalista Vladimir Herzog”.

A necessidade de que se faça justiça não é só da família de Merlino. Corresponde aos interesses dos brasileiros e do fortalecimento da democracia. Tatiana Merlino, na sua matéria já citada, mostrou o que está em jogo:

“O objetivo da iniciativa é o reconhecimento por parte da Justiça da responsabilidade de Ustra na tortura e morte de meu irmão, afirma Regina. Estou movendo essa ação por mim e pela minha mãe, que faleceu, em 1995, sem que a verdade viesse à tona, explica.

De acordo com Angela, o fim da impunidade começa com a memória e o restabelecimento da verdade. A tortura na ditadura era uma política do Estado brasileiro, mas seus executores têm nome, salienta”.

* Antônio Augusto é jornalista


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