TV: uma "janela" perigosa
Por Rosângela Gil, de Santos, junho de 2004
Formada em pedagogia e doutora em Ciência da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e professora nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade Santa Cecília de Pindamonhangaba, Verônica Rezende faz um outro alerta: a maioria desses jovens assistem a TV sozinhos e não discutem o conteúdo com pais e professores. As preocupações da professora sobre comunicação, educação e cidadania estão no livro "Telejornalismo e Educação para a Cidadania", lançado no dia 4 de junho, em Santos (litoral paulista). Nesta entrevista ao Boletim
NPC, Verônica Rezende fala sobre o livro, Educomunicação,
linguagem e das lacunas da informação hoje apresentada pela
mídia. A professora mantém um portal na internet: www.veronicaweb.com.br
"Telejornalismo e Educação para a Cidadania" é um alerta? Verônica Rezende — Sim. Pode-se dizer que é um alerta para que os educadores prestem atenção ao fato de que as crianças e jovens assistem mais de 3 horas de TV por dia, o que é mais tempo do que ficam na escola, considerando que nos finais de semana não há aula nas escolas e as TV ficam mais tempo ainda ligadas. No levantamento de audiência
que fiz em Pindamonhangaba com 480 pré-adolescentes de 9 a 14 anos,
contatei que 78% assistem a programas telejornalísticos, de preferência
os que apresentam um alto índice de violência, como Cidade
Alerta, Ratinho e Linha Direta. Também constatamos que a maioria
assistem TV sozinhos e não comentam o que vêm com seus pais
e professores. Nesse estudo estamos propondo que a escola assuma o papel
de mediadora entre os jovens e a TV, discutindo com os alunos o conteúdo
dos telejornais para a formação de telespectadores críticos.
Além disso possibilitamos que professores e alunos produzissem telejornais
através de uma tríplice parceria entre um emissora de TV
aberta, 12 escolas públicas e a universidade.
Verônica Rezende — Atualmente, tanto a TV comercial como a TV pública estão preocupadas com a cidadania. Procuram inserir em sua programação reportagens mostrando iniciativas de grupos que promovem a cidadnia através de projetos sociais. Porém, educação para a cidadania só se faz com diálogo e análise critíca, o que exige uma interatividade que a TV ainda não possibilita. De qualquer modo, o que a TV comercial precisa fazer é melhorar a qualidade do conteúdo da sua programação como um todo, priorizando os interesses da comunidade e não só os interesses comerciais. Por outro lado, a TV pública precisa adequar a sua linguagem a um público mais abrangente, pois atualmente sua programação, muito intelectualizada, não é compreensível para a maioria da população. Qual a relação telejornalismo e educação para a cidadania? Verônica Rezende — O telejornalismo se propõe a informar sobre a realidade. Porém o faz de modo truncado, muitas vezes mostrando apenas um lado das questões e se omitindo em relação a muitos fatos que interessam a maioria da população. Priorizam desastres, ocorrências policiais, guerras, escândalos e corrupção em detrimento de eventos positivos. O telejornalismo que vemos na TV brasileira deixa de lado o jornalismo de serviço voltado para a cidadania. Ainda assim, devido ao fato da audiência a esse tipo de telejornalismo ser grande, cabe aos educadores a reflexão sobre a influência disso na formação da cidadania, pois a linguagem fragmentada do telejornalismo não é adequada para crianças e jovens que acabam por assimilá-lo de forma distorcida. No livro Telejornalismo e Educação para a Cidadania estamos propondo uma aproximação da Educação com a Comunicação através da Educomunicação. O que é "Educomunicação"? Verônica Rezende — Educação e Comunicação nunca estiveram tão próximos. A Educomunicação, nova área acadêmica, surge visando à aproximação entre os profissionais de ambos os campos, buscando a formação para a cidadania e a abertura de espaço, na mídia, para a expressão dos jovens. Em minha tese de doutorado defendida na Escola de Comunicação e Artes da USP, sintematizo a discussão em torno do tema, tratando-o em duas partes. Na primeira parte procuro elucidar a questão da Educomunicação como um novo campo de estudo e trabalho. A nova área, surgida na Universidade de São Paulo, onde conta com curso de pós-graduação, é direcionada ou a profissionais de Comunicação que se preocupam com a Educação ou a educadores que refletem sobre a influência da mídia na formação especialmente dos jovens para o exercício da cidadania. Na segunda parte eu proponho um conceito de trabalho democrático e integrado numa “tríplice parceria”, em que escola, meios de comunicação e universidade atuem conjuntamente para melhorar a formação dos jovens. Eu acredito que, para se compreender a mídia de uma forma efetiva, é necessário haver mais diálogo. Nessa parceria, o papel da universidade é o de mediador, para facilitar o intercâmbio entre professores e comunicadores. Nesta função de mediador surge um novo profissional: o Educomunicador. Você fala em linguagem fragmentada do telejornalismo. Ela fragmenta a realidade também? Verônica Rezende — A linguagem fragmentada dos telejornais é inerente à estrutura do próprio telejornal, onde os assuntos se superpõem em abordagens muito curtas que dão um resumo da notícias. A forma como são feitos esses resumos mostra a opção do editor por uma ou mais funções do jornalismo entre informar, entreter e integrar na sociedade. Geralmente as TVs comerciais, por pressões econômicas e políticas, acabam priorizando a função entretenimento para aumentar audiência. Com isso se amplia o espaço nos telejornais para assuntos como crimes, corrupção, guerras, escândalos com prodominância da violência. São poucos os telejornais que aliam, a essa, também a função "integradora da sociedade", acrescentado entrevistas e análises das causas desses fatos e indicação de possíveis soluções. As lacunas de informação que circundam a abordagem sensacionalista dos fatos, provoca uma assimilação deformada da realidade principalmente entre crianças e jovens, porque eles carecem de vivência e conhecimentos que lhes permitam questionar e refletir sobre o sentido das notícias. Isso tem se agravado nos últimos anos, pois a redução dos espaços de lazer e convivência nos centros urbanos e a falta de segurança nas ruas têm provocado uma espécie de "confinamento" das crianças e jovens, aumentando o tempo diante da TV. Com isso costumamos dizer que eles conhecem o mundo através da janela da TV. É evidente que o ideal seria que as emissoras de TV assumissem o seu papel social com responsabilidade, procurando equilibrar as três funções do jornalismo que citei acima. E isso não é incompatível com os interesses econômicos. Temos presenciado nos últimos anos um movimento no meio empresarial em direção à Ética, Cidadania e Responsabilidade Social. Muitas vezes essa tendência se mostra equivocada na direção do assistencialismo, mas em muitos casos tem se mostrado realmente cidadã, promovendo projetos de inserção social e auto-gestão em comunidades marginalizadas. A Educomunicação
vem para ajudar a fazer a ponte entre esses interesses. O que estamos propondo
é a que a escola assuma o papel de interlocutora entre as crianças
e jovens e a TV. Os debates feitos na escola com os professores sobre o
conteúdo dos telejornais pode melhorar a compreensão da realidade
e o espaço aberto para que os jovens se expressem através
dos meios de comunicação agrega responsablidade a esses jovens.
Porém, sabemos que são poucos os professores que estão
preparados para essa função. É então necessário
pensar na formação dos professores para isso.
Verônica Rezende — Com certeza o movimento da sociedade em direção à Ética e Cidadania influencia os meios de comunicação. Porém os interesses econômicos não serão anulados, pois eles é que viabilizam a TV comercial. Por outro lado a TV Pública deveria ter condições de exercer a função cidadã de forma isenta, mas para isso precisaria de verbas suficientes do Estado, o que nem sempre acontece. Além disso, a TV Pública precisa se adequar a uma linguagem mais abrangente, pois a maioria dos programas ditos de "alto padrão cultural" são incompreensíveis para a maioria da população brasileira. Para ter um bom padrão de qualidade em conteúdo, uma programação não precisa ser monótona e de difícil compreensão.
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