Os principais
problemas da mídia brasileira não estão ligados ao
exercício profissional
Para o pesquisador Venício A. de Lima, estrutura historicamente concentrada dos meios de comunicação — que permite a propriedade cruzada — deveria receber atenção. Por Ana Manuella Soares, agosto de 2004.
Venício Lima. Na impossibilidade - que parece ser legal - da fiscalização ser exercida pelos próprios sindicatos de jornalistas, sou a favor da criação de um espaço institucional independente, não autárquico, composto também por outros setores da sociedade que sirva de instância institucionalizada para a fiscalização ética do exercício profissional. Acredito que, tendo em vista as características específicas da profissão de jornalista, justifica-se plenamente a presença de outros segmentos da sociedade, a exemplo, aliás, do que já ocorre em alguns países. NPC. Como avalia a disposição do governo Lula de criar o Conselho Federal de Jornalismo? Venício Lima. O governo atende a uma reivindicação da FENAJ que acredita ser a entidade representativa da maioria dos jornalistas. Os principais problemas da mídia brasileira, no entanto, não estão ligados ao exercício profissional dos jornalistas mas à estrutura historicamente concentrada que permite, inclusive, a propriedade cruzada. NPC. Como vê a crítica da oposição e dos representantes das empresas privadas de mídia à criação da autarquia? Venício Lima. As empresas privadas de comunicação são contra qualquer iniciativa que seja percebida como uma forma de controle das suas atividades. Elas imediatamente rotulam a iniciativa de censura e invocam, sem mais, a liberdade de imprensa como uma extensão da liberdade de expressão. Na verdade, contrariamente a qualquer outra atividade econômica, a mídia no Brasil acredita que ela deve funcionar sem responder a nada ou a ninguém. Neste sentido elas sempre tentam mobilizar a opinião pública contra qualquer possibilidade de mudança. Não é por outra razão que existe um limbo legal na área de comunicações cujo principal emblema é o Código Brasileiro de Comunicações de 1962, ainda em vigor. Quanto à oposição, ela usa o projeto do CFJ para combater o governo fingindo-se de defensora das liberdades civis. Para quem tem memória não é difícil recordar que alguns dos que agora estão preocupados com a liberdade dos donos de jornais e revistas são os mesmos que deram sustentação aos 21 anos de regime autoritário no Brasil. NPC. Em recente artigo publicado na Folha de S. Paulo, o presidente da Fenaj, Sérgio Murillo, e o primeiro-secretário da entidade, Aloísio Lopes, afirmam que não abrem mão de fiscalizar a profissão de jornalista e que "Não pretende o CFJ fiscalizar as empresas (...) tampouco interferir na linha editorial dos veículos de comunicação". Estas afirmativas dos dirigentes da Federação não constituem uma contradição em relação a justificativas desta mesma entidade de que o conselho protegeria o profissional contra "posturas inadequadas dos donos da mídia"? Venício Lima.
O texto da FSP não deixa nenhuma dúvida quanto a essa contradição.
Venício Lima. Os jornalistas que conseguem trabalhar são, na sua imensa maioria, assalariados. NPC. Como vê a atuação dos sindicatos de jornalistas no Brasil? Venício Lima. Os sindicatos precisam ser fortalecidos sobretudo com a sindicalização dos milhares de novos jornalistas que saem dos cursos de jornalismo e não encontram emprego. Isso precisa ser feito simultaneamente à implementação de uma política pública que valorize a mídia alternativa e os sistemas estatal e público. É bom lembrar que nos países onde existem Conselhos de Jornalistas os sindicatos foram enfraquecidos. NPC. Você acha que a sociedade, leitores e telespectadores, estão devidamente informados sobre o direito à informação e à comunicação social no Brasil? Venício Lima. Claro que não. A mídia privada não discute o seu papel na sociedade. Na verdade, os veículos mais importantes omitem o papel político de legitimação do regime militar por eles desempenhado. Mais ainda, tentam re-escrever a história, falseando sua participação em momentos críticos da luta pela redemocratização do país. NPC. Na sua opinião, a Ética do fazer jornalístico é um código que diz respeito apenas aos profissionais ou a toda a população? Venício Lima. Não. Como já afirmei acima, a ética jornalística certamente interessa a toda a sociedade. NPC. Como analisa o projeto da Fenaj em relação à prática da imprensa sindical e popular? Venício Lima.
Não creio que os autores do projeto tivessem em mente a imprensa
sindical e popular. Mas, independentemente disso, claro que qualquer jornal
ficaria sujeito à fiscalização do CFJ.
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