Brasil
de Fato: uma conquista da esquerda social
Entrevista com Nilton Viana. Por Rosângela Gil, de Santos, março de 2004
Boletim NPC - Nesta época, no ano passado, vivíamos ainda o entusiasmo do lançamento do jornal, em Porto Alegre, no mesmo período do III Fórum Social Mundial, ao mesmo tempo vivíamos a euforia dos primeiros dias do governo Lula. Como foram os primeiros passos do jornal levando em conta esse quadro? O que sobrou daquele entusiasmo do lançamento? Nilton Viana - Realmente, quando lançamos o Brasil de Fato, em janeiro do ano passado, vivíamos um momento muito importante no país com a eleição do Lula presidente. Vivíamos um cenário de euforia e grande esperança de todo o povo brasileiro de que finalmente o país entraria no rumo certo, e que o companheiro Lula iria conduzir o Brasil para as mudanças tão necessárias (e prometidas em sua campanha eleitorial). Nesse cenário, tínhamos a expectativa de que um veículo como o Brasil de Fato teria boa inserção junto a sociedade e que dialogaria e seria um importante instrumento para auxiliar os militantes sociais nos trabalhos de conscientização do povo. A avaliação que fazemos hoje é que o jornal tem tido uma boa receptividade política. É claro que o clima de desesperança e apatia que começa a tomar conta do povo, inclusive de grande parte da militância e dirigentes de esquerda, não nos é favorável. Para um jornal como o Brasil de Fato, com o atual cenário político, devido à conjuntura política da esquerda, encontra dificuldades de se firmar. Mas estamos conscientes da importância que o jornal tem para fazer o debate sobre a necessidade de um novo projeto. Como subsídio para a militância social e como estimulador do reascenso do movimento de massas. Boletim NPC - O projeto de ser um "porta-voz" dos movimentos sociais e populares do Brasil, principalmente, se sustenta passado um ano? Nilton Viana - Claro que se sustenta. Na luta por uma sociedade justa e fraterna, a democratização dos meios de comunicação é fundamental. E é com essa concepção que o jornal Brasil de Fato foi criado, para ser um jornal político, de circulação nacional, para contribuir no debate de idéias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país. O Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas, artistas etc. E os companheiros que integram o conselho editorial do jornal têm viajado por todo Brasil e há um ânimo muito grande. Em todo país, o jornal aglutina milhares de corações e mentes, que estão torcendo por sua continuidade e que têm esperança, que ainda teremos um jornal que seja lido pela grande maioria do povo. Contam com nossos esforços e responsabilidade. Temos consciência de que a construção do jornal Brasil de Fato é um verdadeiro movimento político, e que somente se viabilizará se for uma obra coletiva. Se for uma obra dos que acreditam que é necessário elevar o nível de consciência política de nosso povo. Portanto, temos a responsabilidade de garantir, através do nosso jornal, subsídios políticos, teóricos e informativos para toda nossa militância social. Boletim NPC - Quais foram os principais problemas enfrentados pelo jornal nos seus primeiros dias de vida? E quais são os problemas atuais? Nilton Viana - Depois desse enorme esforço, de lançar um jornal de circulação nacional, infelizmente tivemos que enfrentar problemas que dificultaram muito. Boicote das distribuidoras em banca, problemas operacionais com as assinaturas, um certo "boicote" na publicidade em função de nossa linha política independente. Além disso, também tivemos a participação reduzida da rede de colaboradores, que deveriam se aglutinar através dos comitês de apoio ao jornal nos estados. Enfim, passamos por muitas dificuldades que estamos superando com o esforço de muita gente. Chegamos a 1 ano de vida de vida. Uma odisséia! Boletim NPC - O jornal Brasil de Fato teve de fazer mudanças na sua linha editorial e política nesses pouco mais de 360 dias de vida? Nilton Viana - Não tivemos de fazer mudança editorial. O que aconteceu foi que, como o jornal está profundamente comprometido com os movimentos sociais, editorialmente, o jornal passou cada vez mais a representar a perspectiva dos movimentos sociais. Agora, fizemos mudança no projeto gráfico do jornal. E todos avaliamos que tivemos uma sensível melhora desde as primeiras edições. Boletim NPC - Na sua opinião, quais foram os acertos e os erros do jornal nesse um ano de existência? Nilton Viana - O Brasil de Fato é como uma criança. Nasceu, sobreviveu ao período da mortalidade infantil e já está engatinhando. É claro que neste período tivemos erros, como os citados acima... mas também tivemos muitos acertos. Eu penso que o maior acerto foi termos lançado o Brasil de Fato. Aglutinamos em torno do projeto do jornal milhares de militantes dos mais variados setores organizados da sociedade. E, termos sobrevivido um ano já é um fato histórico para a imprensa de esquerda desse país. O Brasil de Fato é uma conquista da esquerda social e deve ser um patrimônio da classe trabalhadora e de um projeto político alternativo para o país. Boletim NPC - Como o jornal vê o socorro do governo federal à chamada grande imprensa do país, batizado por alguns como o "Proer" da mídia? Nilton Viana - Isso é escandaloso. Eu penso que este seria o momento histórico – governo novo, com um presidente que em toda sua trajetória foi vítima dessa mesma mídia, sempre munida de recursos públicos para uma linha editorial antidemocrática e violadora da Constituição – para lançar o debate sobre a necessidade de um novo modelo de comunicação social no Brasil. Na gestão anterior do BNDES, na era FHC, foi feito um aporte de capitais no valor de R$ 268 milhões, para uma empresa de TV paga. Ou seja, dinheiro do FAT, dos trabalhadores, para sustentar uma televisão de ricos e classe média alta, com menos de 3,5 milhões de assinaturas, em crise crônica porque este é um país com maioria pobre. Além disso, a programação do serviço de TV paga é majoritariamente estrangeira, veiculando predominantemente valores antinacionais. A prioridade para a atuação do BNDES em um setor cronicamente em crise, visando a soberania audiovisual e o não-desperdício de recursos públicos em alternativas já fracassadas, é apoiar o fortalecimento da mídia estatal, pública, universitária, comunitária, cooperativa e regional. É incentivar a produção audiovisual nacional, expandindo o mercado de trabalho, dinamizando a indústria de equipamentos, desconcentrando e regionalizando a produção jornalística, artística e cultural, como determina a Constituição. A única contrapartida realmente capaz de garantir que os recursos públicos não sejam usados em vão num setor em crise sistêmica é que o BNDES, a quem se solicita ajuda financeira, possa também assumir parte do controle acionário das empresas a serem ajudadas. Se os recursos públicos são indispensáveis para solução financeira, também é essencial a participação parcial do Estado, zelando para que esses recursos não sejam aplicados sem observância à legislação e ao direito do cidadão à informação de qualidade. Isso, evidentemente, implicaria numa rigorosa alteração dos conteúdos da programação, que passaria a atender objetivos muito mais nobres e inadiáveis do que esse deletério e degradante "vale-tudo" pela audiência. Boletim NPC - Como você avalia a mídia no Brasil e na América Latina hoje? Nilton Viana - No Brasil, o setor de comunicação é altamente oligopolizado e ainda formado por empresas familiares nacionais. A chamada grande mídia se transforma em verdadeiros partidos da direita e extrema direita. Na América Latina, o perfil é similar, mas já há, em alguns países, como a Venezuela, o predomínio de megacorporações internacionais ou de capital misto. Boletim NPC - Como se informa, e bem, a sociedade? Nilton Viana - Para informar
bem a sociedade, é preciso investir em jornalismo investigativo,
apurar o que acontece no País real. As pautas oficiosas explicam
apenas uma parcela da realidade. O problema não é se a imprensa
é de direita ou de esquerda. O problema é quando ela presta
um desserviço a sociedade, mentindo e manipulando os fatos e a informação.
Isso tem ocontecido com frequência na imprensa burguesa, e na Venezuela
isso tem se tornado rotina.
Rosângela Gil
|