A Revolução que distribuiu flores faz 30 anos
Entrevista com o historiador Luís Eduardo Mergulhão, por Claudia Santiago, abril de 2004


Em 25 de Abril de 1974, em Portugal, a Revolução dos Cravos derrubou a ditadura de Salazar que já estava no seu 48º ano. Ela ganhou esse nome por causa da distribuição de cravos vermelhos aos capitães rebeldes. Ela abriu caminho para independência de colônias portuguesas na África, como Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe. “Foi bonita a festa, pá”.

Boletim NPC. A maior parte dos capitães lutou nas guerras coloniais e viu o que era a guerra. Isso influiu na formação do Movimento das Forças Armadas (MFA)?

Luís Eduardo Mergulhão. O motivo fundamental que levou à formação do chamado MFA, o movimento dos capitães, foi a continuidade das guerras coloniais, altamente custosas e desgastantes em todos os sentidos, pelo governo Marcelo Caetano, sucessor do ditador Antônio Oliveira Salazar, que tinha algumas semelhanças do ponto de vista organizativo com o fascismo. Isto, embora Marcelo Caetano tentasse apresentar um ar menos intolerante, chegando até a dividir a oposição que esperava uma liberalização gradual do regime.

Boletim NPC. A população rejeitava o governo de Salazar?

Mergulhão. Havia um sentimento de oposição ao fascismo pela maioria dos portugueses que era causado também pela crise econômica, e até alguns movimentos mais radicalizados contra o governo incluindo a sabotagem militar, mas este aparentemente, se mantinha firme. A presença dos militares nas ruas tendo com o objetivo afastar Caetano acende as massas e, no decorrer do processo, cresce a participação popular com a ocupação de terras, fábricas, etc.

Boletim do NPC. O que queriam os capitães?

Mergulhão. O Movimento dos Capitães tinha uma proposta  democrática, de construção de uma sociedade mais justa e, é claro, queria o fim das guerras coloniais. Daí os acordos que levam à independência de Angola, Moçambique, etc.

Apesar do programa ser genérico e a composição do movimento heterogênea, havia um componente de esquerda importante.

Vasco Gonçalves, que em 1975 chefiará o governo provisório, era declaradamente marxista. O Partido Comunista Português (PCP), não esqueçamos, era o único partido realmente organizado, apesar da repressão, incluindo um forte trabalho nas forças armadas. Eu tenho uma fita na qual o Mário Soares, na volta do exílio, presta uma homenagem ao PCP e a Álvaro Cunhal.

Boletim do NPC. No decorrer do processo, no restante de 74 e por todo 75 há um crescimento enorme do movimento popular e, simultaneamente, uma forte disputa ideológica.

Mergulhão. Para você ver, o general Antônio Spínola, susbtituto do Caetano designado como um nome da unidade, mas claramente direitista, é derrubado e vai para a Espanha. A esquerda cresce e a direita, além do capitalismo internacional, começa a pressionar os governos que vão caindo um após outro, havendo assim uma instabilidade política.

Boletim NPC. Muita gente diz que o PCP "segurou" as massas. 

Mergulhão. Será? Em novembro de 75 há um movimento organizado pela direita que congela, de alguma maneira, o processo de mudanças. Mesmo assim, na constituição aprovada em 1976 havia a referência a um objetivo socialista e importantes avanços sociais. O PS, do Mário Soares, prefere se aliar com os setores à direita, inclusive antigos salazaristas, a fechar uma aliança com o PCP e implantar medidas mais avançadas. Sempre a social democracia, não é mesmo? Contudo, é verdade que os setores mais à esquerda também fizeram muita besteira. O professor Luís Fernandes conta um fato interessante que ele presenciou: Um maoísta dizia a altos brados: “Viva a Ditadura do Proletariado!!!” Uma senhora passou ao lado e disse: Ora, acabamos de nos livrar de uma ditadura e você quer nos meter em outra? Não deixa de ser uma prova da nossa insensibilidade.
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(Luís Eduardo Mergulhão é mestre em história
e professor da Rede Pública do Rio de Janeiro)
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