A Revolução que
distribuiu flores faz 30 anos
Entrevista com o historiador Luís Eduardo Mergulhão, por Claudia Santiago, abril de 2004
Boletim NPC. A maior parte dos capitães lutou nas guerras coloniais e viu o que era a guerra. Isso influiu na formação do Movimento das Forças Armadas (MFA)? Luís Eduardo Mergulhão. O motivo fundamental que levou à formação do chamado MFA, o movimento dos capitães, foi a continuidade das guerras coloniais, altamente custosas e desgastantes em todos os sentidos, pelo governo Marcelo Caetano, sucessor do ditador Antônio Oliveira Salazar, que tinha algumas semelhanças do ponto de vista organizativo com o fascismo. Isto, embora Marcelo Caetano tentasse apresentar um ar menos intolerante, chegando até a dividir a oposição que esperava uma liberalização gradual do regime. Boletim NPC. A população rejeitava o governo de Salazar? Mergulhão. Havia um sentimento de oposição ao fascismo pela maioria dos portugueses que era causado também pela crise econômica, e até alguns movimentos mais radicalizados contra o governo incluindo a sabotagem militar, mas este aparentemente, se mantinha firme. A presença dos militares nas ruas tendo com o objetivo afastar Caetano acende as massas e, no decorrer do processo, cresce a participação popular com a ocupação de terras, fábricas, etc. Boletim do NPC. O que queriam os capitães? Mergulhão. O Movimento dos Capitães tinha uma proposta democrática, de construção de uma sociedade mais justa e, é claro, queria o fim das guerras coloniais. Daí os acordos que levam à independência de Angola, Moçambique, etc. Apesar do programa ser genérico e a composição do movimento heterogênea, havia um componente de esquerda importante. Vasco Gonçalves, que em 1975 chefiará o governo provisório, era declaradamente marxista. O Partido Comunista Português (PCP), não esqueçamos, era o único partido realmente organizado, apesar da repressão, incluindo um forte trabalho nas forças armadas. Eu tenho uma fita na qual o Mário Soares, na volta do exílio, presta uma homenagem ao PCP e a Álvaro Cunhal. Boletim do NPC. No decorrer do processo, no restante de 74 e por todo 75 há um crescimento enorme do movimento popular e, simultaneamente, uma forte disputa ideológica. Mergulhão. Para você ver, o general Antônio Spínola, susbtituto do Caetano designado como um nome da unidade, mas claramente direitista, é derrubado e vai para a Espanha. A esquerda cresce e a direita, além do capitalismo internacional, começa a pressionar os governos que vão caindo um após outro, havendo assim uma instabilidade política. Boletim NPC. Muita gente diz que o PCP "segurou" as massas. Mergulhão.
Será? Em novembro de 75 há um movimento organizado pela direita
que congela, de alguma maneira, o processo de mudanças. Mesmo assim,
na constituição aprovada em 1976 havia a referência
a um objetivo socialista e importantes avanços sociais. O PS, do
Mário Soares, prefere se aliar com os setores à direita,
inclusive antigos salazaristas, a fechar uma aliança com o PCP e
implantar medidas mais avançadas. Sempre a social democracia, não
é mesmo? Contudo, é verdade que os setores mais à
esquerda também fizeram muita besteira. O professor Luís
Fernandes conta um fato interessante que ele presenciou: Um maoísta
dizia a altos brados: “Viva a Ditadura do Proletariado!!!” Uma senhora
passou ao lado e disse: Ora, acabamos de nos livrar de uma ditadura e você
quer nos meter em outra? Não deixa de ser uma prova da nossa insensibilidade.
(Luís
Eduardo Mergulhão é mestre em história
.
e professor da Rede Pública do Rio de Janeiro) Núcleo Piratininga de Comunicação — Voltar |