Venezuela: o escândalo
da mídia
Entrevista com Emir Sader. Por Rosângela Gil, de Santos, abril de 2004
Para o professor da USP e da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj, Emir Sader, estamos presenciando um dos maiores escândalos históricos da mídia mundial. "No golpe de abril de 2002, a mídia venezuela finjiu que o golpe era popular e quando não podia mentir mais, simplesmente fez a notícia desaparecer do ar". Perto de completar dois
anos do golpe -- quando, em 11 de abril de 2002, e por 47 horas, tiraram
Hugo Chávez e colocaram um "boneco" estadunidense, Pedro Carmona
Estanga, do setor empresarial, na Presidência da República
--, as elites e a mídia venezuelanas, bem capitaneadas pelo governo
dos EUA, voltam a carga. É sobre esse "cheiro" de golpe no ar que
o professor fala para o Boletim do Núcleo Piratininga de Comunicação.
Emir
Sader - A grande mentira é a de que o povo venezuelano
estaria sendo impedido de manifestar sua vontade. A realidade mesmo é
que a nova Constituição do país, votada em plebiscito
popular, possibilita que a oposição após obter um
certo número de assinaturas convoque, no meio do mandato presidencial,
um plebiscito para decidir se o presidente deve continuar o seu mandato
ou não. Exercício democrático que não existe
em nenhum outro país do nosso Continente.
Emir Sader - A oposição, depois de participar de um golpe para tentar derrubar o presidente Hugo Chávez, apresentou um número de assinaturas que, no entanto, por própria confissão de um deles, numa gravação que foi feita e depois difundida na televisão venezuelana, e que ninguém no Brasil difundiu, disse expressamente que não tinham conseguido as duas milhões e 400 mil assinaturas e tinham apenas um milhão e 900 mil. Ainda assim, uma quantidade razoável, cerca de 600 mil assinaturas, apareciam como sendo feitas pelas mesmas pessoas. O CNE não invalidou as assinaturas, simplesmente questionou e deu um prazo para que as pessoas que estão ali configuradas como tendo solicitado o plebiscito, comparecessem e confirmassem ou não a assintura. Portanto, é um procedimento de verificação, de confirmação de assinturas, não é de inviabilização. Acontece que a oposição
sabe que não tem condições de ganhar esse plebiscito
e, se eventualmente chegasse a ganhar, não conseguiria eleger um
outro presidente. É uma atitude claramente de desestabilização.
Tentando repetir depois de 40 anos do golpe no Brasil e 30 anos do golpe
no Chile, alguma coisa similar na Venezuela.
Emir
Sader - Em geral, na América Latina, os Estados Unidos
têm interesse em manter governos subservientes. No caso da Venezuela,
tem o problema também não só de ser um governo nacionalista,
tem ainda o interesse pelo petróleo. Além do mais, a Venezuela
é um país que faz fronteira com a Colômbia, país
em que os EUA estão envolvidos muito diretamente. Tem ainda os acordos
bilaterais e de solidariedade e apoio mútuo com Cuba. Por tudo isso,
a Venezuela é um alvo estratégico fundamental que os EUA
estão tentando liqüidar.
Emir Sader - Esse é um dos maiores escândalos da história da mídia mundial. A mídia venezuelana, grande mídia monopólica, forjou o golpe militar, participou ativamente, finjiu que o golpe era popular, finjiu que aquele presidente golpista continuava no governo. Quando isso não se configurou como verdade nem mesmo para a CNN, a mídia venezuelana simplesmente tirou a informação do ar. Não deu mais notícia para o povo venezuelano. Boletim NPC - E como seguem as agências de notícias internacionais? Emir
Sader - A cobertura delas é totalmente com viés
norte-americano. Tanto as agências diretamente norte-americanas como
as outras são escandalosamente a favor do ponto de vista opositor
ao presidente Hugo Chávez. Além do mais, existe o interesse
corporativo, quer dizer, essa idéia de que a mídia está
em perigo, essa concepção estreita liberal que considera
que liberdade de imprensa é imprensa privada. E manipula totalmente
as informações. Eu acho um escândalo. Inclusive a própria
imprensa brasileira, salvo aqueles meios alternativos, como as revistas
Carta Capital, Reportagem e Caros Amigos, o jornal Brasil de Fato e a Agência
Carta Maior, também faz uma cobertura ruim. E quando mandam alguém
para a Venezuela, repetem exatamente as mesmas coisas, não revelam
nada de novo que não seja já noticiado pelas agências
de notícias internacionais.
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