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Boletim do NPCNº 80Especial 11º Curso Anual do NPC
Para jornalistas, dirigentes, militantes
e assessores sindicais e dos Movimentos Sociais


11º Curso do NPC: um curso atual e útil
De 30 de novembro a 3 de dezembro foi realizado, no Rio, o 11º Curso Anual do NPC. O local foi o tradicional, o Sindipetro/RJ, e a estrutura foi a dos outros anos. O que o diferenciou foi o número de expositores, o número de inscrições e o temário que a tempo todo chamava para o Brasil de hoje.


Cátia (jornalista do Sindipetro-RJ) e
Davi (Dir. de Imprensa do Seeb-MA)

O tema geral já deixava claro desde o começo qual seria o enfoque deste ano. A ênfase era dada à comunicação de esquerda na conjuntura atual.

Os responsáveis pelo NPC estavam conscientes, antes do curso, da crise de identidade da esquerda, de seu esfacelamento e das divisões acontecidas nos últimos tempos. O centro, o específico do NPC, era e deveria continuar sendo a comunicação como instrumento para disputar a hegemonia. Não se poderia deixar que o curso se transformasse  numa arena política. Não poderíamos fazer um curso com jeito de congresso com votações, maioria e minoria e deliberações finais.

Ao mesmo tempo, não se podia imaginar um encontro realizado longe do Brasil atual, do Brasil concreto. Por isso, optamos por acentuar os desafios da comunicação de esquerda no Brasil de hoje.

Ao lançar o curso, em agosto, muito companheiros pensavam que, no quadro de crise conhecida, poucos se interessariam em participar. Ao contrário, a procura foi muito superior aos outros anos. A sede de uma discussão arejada, livre e plural encantou a muitos.



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Salão cheio nos três dias

Seja qual fosse o posicionamento de cada um no atual quadro político, os temas propostos na programação se mostravam úteis e necessários para todo mundo. E foi esta sede que manteve o salão do Sindipetro-RJ constantemente cheio.

Os números do 11º Curso Anual


Participaram 150 pessoas. Houve gente de quase todos os estados, menos Amazônia, Roraima, Amapá e Piauí. Os três estados com mais participantes foram Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Houve um recorde de expositores, 27 pessoas, entre jornalistas, especialistas em comunicação e professores universitários de várias áreas. Os palestrantes vinham de São Paulo, com o maior contingente, seguidos do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, Brasília, Ceará e Paraná.

As horas anunciadas de trabalho foram estouradas regularmente. Este fato foi julgado negativo por muitos. Mesmo com esta maratona quase a totalidade dos inscritos permanecia... na sala de tortura!

Dos 150 participantes, 76 eram dirigentes sindicais, em sua maioria responsáveis do departamento de comunicação em seus sindicatos. Jornalistas foram 61. Os demais eram estudantes, assessores sindicais, políticos ou parlamentares e professores de comunicação.

Ao todo participaram 28 sindicatos, prefeituras e várias ONGs especializadas em comunicação e movimentos populares como o MST. Participaram oito jornalistas da Rede Nacional de Jornalistas Populares (Renajorp) e praticamente toda a equipe do jornal Repórter da Terra.

Partidos políticos? Os de esquerda: PT, PCdoB, PCB, PSTU, Psol, PDT e PSB.

Primeira idéia central:
a necessidade da esquerda ter sua própria comunicação
A primeira idéia-chave do 11º Curso se baseou na necessidade de perder as ilusões que a classe dominante, a burguesia, vai nos fazer concessões em seus veículos de comunicação. Qualquer espaço de democratização deverá ser conquistado com a luta dos trabalhadores, com milhares e um dia milhões de pessoas nas ruas e praças das nossas cidades. Nada virá de graça. A mídia “deles” está na dela. Ela tem lado. E esse lado não é o nosso. Ao contrário é o lado dos nossos inimigos de classe. Por isso, nenhuma ilusão sobre a pretensa democracia deles sobre sua  neutralidade, imparcialidade, objetividade e outras ilusões. Se os trabalhadores quiserem noticiar suas ações, seus sonhos e seus planos de luta só o poderão com seus instrumentos próprios. Por isso... vamos criar e aperfeiçoar sempre nossa comunicação.

Exemplos históricos e questionamentos atuais foram fornecidos por quase todos os expositores. Falou-se dos dois jornais diários dos anarquistas, no começo do século XX, do semanário Movimento Comunista de 1922, antes mesmo da criação do Partido. Falou-se da Imprensa Alternativa da época da Ditadura e do papel importantíssimo da imprensa sindical na oposição ao projeto neoliberal, durante a década de 1990. E, finalmente, uma pergunta sobre a realidade atual que não quis calar-se: porque, nestes últimos 25 anos o PT não criou seus órgãos de comunicação de massa?

O refrão final de toda intervenção parecia ensaiado: “vamos construir e potencializar nossa comunicação alternativa à sociedade que aí está.”

A segunda idéia central:
nossa pauta deve tratar de toda a vida do trabalhador
e de seus interesses imediatos e históricos.

Durante o curso foi repetido por quase todos os palestrantes que nossa pauta tem que ser ampla. Deve falar das preocupações da vida das pessoas “normais”: emprego, violência, filhos, amor, escola, televisão, enfim, de todos os aspectos da vida. Nossa imprensa e nossos vários instrumentos de mídia não podem se restringir a falar só da luta reivindicatória típica da atividade sindical. Devemos ir além dos temas corporativos. É preciso falar dos problemas da cidade, da saúde, da educação, dos transportes, da vida cultural e suas variadas expressões, do bumba meu boi ao rap.

Nessa floresta de assuntos e de temas que tocam a vida do povo, fazer a disputa de hegemonia com a classe hoje dominante.

Estas duas idéias permearam todas as exposições como se tivesse uma mão orquestrando os vários conteúdos. Na verdade esta confluência aconteceu pela escolha combinada dos expositores e por sua sensibilidade parecida frente a um público sedento de uma luz no fim do túnel para avançar na luta contra-hegemônica contra um inimigo poderoso, mas não invencível. O exemplo do povo venezuelano em sua resistência contra o poder midiático da burguesia do seu país foi citado várias vezes. Na foto, Claudia Santiago.

O primeiro dia do 11º Curso anual: OFICINAS

O primeiro dia foram só oficinas optativas. Os organizadores do curso foram surpreendidos pelo alto interesse que despertaram. Praticamente todos os inscritos participaram desde o primeiro dia, enquanto era esperado um número menor de pessoas. Afinal, elas eram optativas. Estas verteram sobre aspectos práticos e concretos da comunicação sindical e comunitária. As quatro oficinas, realizadas, todas por membros do NPC, foram sobre os seguintes temas:

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Oficina ‘A cidade e a Imprensa Sindical’..
1 – A presença da cidade nas páginas de jornais sindicais. A conclusão ficou evidente através da análise de vários materiais. Infelizmente a cidade com seus problemas (transporte, escolas, serviços de saúde, lazer, equipamentos comunitários, violência, etc.) está pouco presente na imprensa sindical. Era o começo da discussão de qual deve ser a nossa pauta.
 

2 – Uma linguagem que comunique: compreensão das palavras e construção das frases.
A linguagem pode ser uma muralha que impede que milhares e milhões possam dialogar sobre nossa pauta. Exemplos não faltaram, de qualquer sindicato ou movimento social que produza seu boletim o jornal.


Mário na Oficina de Linguagem
.

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Marcelo na Oficina de Diagramação..
3 – Uma diagramação agradável para cativar os leitores.
Depois de ter repetido que o ponto de partida da comunicação contra-hegemônica é o conteúdo ou seja a política, esta oficina tratou da forma dos nossos jornais. A idéia básica é que tão importante quanto o conteúdo é a forma. Se um material não for agradável, convidativo, não será lido. Foram dadas algumas dicas a respeito.
 

4 – A diagramação do século XXI: os infográficos.
Sempre uma boa diagramação foi necessária. Hoje é preciso incorporar novas técnicas e estilos próprios da comunicação visual características da  comunicação da televisão e mais ainda da Internet. Os infográficos, fruto desta revolução artística do visual, são uma arte a ser assimilada na nossa comunicação. Sem isso nossos jornais e revistas continuarão antigos e superados.


Vito Giannotti, durante oficina

Dia 1, 2 e 3: maratona de EXPOSIÇÕES E DEBATES

Os três dias foram uma overdose de idéias e novas perspectivas. Os expositores se sucederam com mínimos intervalos para esfriar a cuca.

O Curso oficial começou com uma flauta tocando A Internacional, o hino tradicional de toda a esquerda, cantado por anarquistas, socialistas e comunistas durante um século. O título geral do 11º Curso que tratava de uma comunicação de esquerda já dava o tom da música da abertura. Assim, os 150 participantes acompanharam a voz do maestro Flávio e a flauta do seu aluno (foto abaixo) enquanto imagens de lutas de ontem e de hoje apareciam no telão.


Maestro Flávio em companhia de flautista

Em seguida, 13 mesas se sucederam, correndo contra o tempo, procurando dar conta do recado para a platéia que não arredava o pé.

Em uma simples cerimônia de encerramento, o NPC homenageou Maria Dalva (foto), mãe de Tiago, um dos jovens assassinados na chacina do Borel, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, em abril de 2003. Foram exibidas cenas em que Dalva aparece no documentário Entre Muros e Favelas, de Márcio Jerônimo, Suzanne Dzeik e Kirsten Wagenschen. O filme trata da exclusão de pobres e negros, focando a violência policial no Rio de Janeiro. Este é um dos temas que mexem com a vida de milhões de pessoas e que nossa comunicação precisa tratar. (Informações sobre o documentário com a Rede Nacional de Jornalistas Populares: renajorp@gmail.com).

Nossos agradecimentos

Neste número especial do nosso boletim queremos agradecer a todos os participantes do curso. Alguns nos acompanham desde o primeiro curso realizado num colégio religioso, no bairro da Liberdade, em São Paulo. Agradecer a todos os que proferiram palestras dando o melhor de si para ajudar nesta batalha por uma comunicação popular, alternativa e de esquerda. Agradecemos sinceramente a Marcelo Freixo (Justiça Global) e Carlos Eduardo (Reggen) que atenderam nosso pedido de última hora para substituir palestrantes. Agradecemos aos jornalistas que estão nos enviando as entrevistas feitas durante o curso para serem disponibilizadas em nossa página. E ao fotógrafo Eduardo Nunes que tornou eternas as imagens deste 11º curso.

Gostaríamos de comunicar as novas participações no grupo que toca o NPC. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Timóteo (MG) e estudante de jornalismo, Kleber William de Souza; a estudante de comunicação Renata Souza e a jornalista Ana Manuella Soares, as duas do Rio de Janeiro.

Junto com esta edição vocês vão receber as entrevistas feitas por Kleber William, com João Pedro Stédile; Bruno Zornitta e Renata Souza com Joaquim Palhares e a de Gustavo Codas, concedida a Rosângela Ribeiro Gil.

Nos próximos dias entrarão em nossa página entrevistas com Carlos Nelson Coutinho, Venício Lima, Raimundo Pereira e outras, realizadas durante o curso, que nos forem enviadas.

No início de 2006 todas as falas serão colocadas em nossa página e sua reprodução é livre.

Até lá, desejamos a todos Boas Festas, com muitas alegrias, e um ano novo cheio de notícias boas para a classe trabalhadora.

É isso aí amigos. Até 2006.

Forte abraço
 

Vito Giannotti
Claudia Santiago
Augusto César
Eduardo Nunes
Reginaldo Moraes
Sérgio Domingues
Mário Camargo
Kátia Marko
Rosangela Ribeiro Gil
Najla Passos
Márcia Andreola
Marcelo Souza
Virgínia Fontes
Leon Diniz
Cristina Braga
Guilherme Marques Soninho
Gustavo Barreto
Eliane do Amaral
Kleber William
Ana Manuela Soares
Renata Souza


Algumas frases pinçadas durante o 11º Curso por seus participantes e enviadas ao Boletim-NPC.

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Carlos Nelson Coutinho..
“Uma das lutas mais importantes que se trava é pela socialização dos meios de comunicação. O que não significa estatização, mas  a possibilidade de que a sociedade civil controle os grandes meios de comunicação.”

“Com o surgimento da televisão, a dificuldade de se travar uma luta política nos meios de comunicação se acentuou, provocando um desequilíbrio nesta batalha. Mas não devemos partir do princípio, falso a meu ver, de que estamos diante de um sistema de manipulação impermeável a nossa ação.”

 “Tirando o período de 1945 a 1947, quando havia diários comunistas em várias capitais brasileiras, os partidos de esquerda nunca tiveram imprensa diária. Nós tivemos um partido de esquerda de massa por muitos anos que não foi capaz de ter um jornal diário. Teve o Brasil Agora, jornal semanal”

Carlos Nelson Coutinho
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Virgínia Fontes..
“O problema é que muitas vezes fazemos lutas pontuais que, embora legítimas, muitas vezes apagam a luta de classes e fazem com que voltemos para um nível de consciência CORPORATIVO. Perde-se de vista que essa construção social  é uma construção de classes e torna-se apenas a defensora de um grupinho incapaz de ver além de si mesma.”
Virgínia Fontes
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Joaquim Palhares..
“O marketing político transformou o Lula numa caricatura. Comunicação não é marketing. As pessoas que comandaram a comunicação no governo Lula transformaram o PT e o governo numa grande agência de comunicação. Marketing político transforma a política em nada e o PT em algo inútil”
Joaquim Palhares
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Carla Silva..
“Entre 1989 e 2002 a Veja teve duas funções: apontar o programa de governo – e ela fez isso o tempo todo – e acalmar as crises politicas conjunturais. Quando a revista tem que legitimar o que ela tem a dizer, age como uma intelectual concreta.. Ela organiza, formula, indica caminhos e cobra sistematicamente.”

“A Veja, ao falar da crise política deste ano, mantém uma linha de coerência ao longo do tempo o que significa apoio ao programa econômico do governo. Neste sentido adota uma campanha sistemática contra os radicais. Ser radical é uma coisa que vai mudando ao longo do tempo. Ser radical em 89 era ser do PT. Em 94, era só uma parte. Em 98 era uma parte menor ainda. Em 2005, ela diz, não com estas palavras, que o José Dirceu é radical porque critica a política monetarista do governo”

Carla Silva
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Marcelo Freixo..
“Quem está preso é jovem, homens, em sua maioria, e pobres – 93% dependem da defensoria pública para ter atendimento judicial. Quase todos negros ou não-brancos e de baixíssima escolaridade. Oitenta por cento têm o primeiro grau incompleto. Na prática, sabem escrever o próprio nome. Eu tenho dito que a prisão não é um instrumento de exclusão social, pois consolida um processo de exclusão, que é anterior a ela. Representa a pena de morte social”

“Em 1998, esses conflitos causaram a morte de 397 civis e 99 policiais. No ano seguinte foram 289 civis e 99 policiais. Em 2000, 427 civis e 106 policiais. Em 2001, 592 civis  e 91 policiais. Em 2002, os números chegaram a 900 civis e 170 policiais. Em 2003, mais 1195 civis e 45 policiais mortos. Em 2004 ficou na faixa de 1.100 civis mortos. Em 2005, esse número vai ser recorde, vai passar de 2.200”

Marcelo Freixo
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Sérgio Domingues..
“A maioria da esquerda socialista dos últimos 20 anos jamais organizou uma imprensa alternativa capaz de fazer a disputa hegemônica com a burguesia. Preferiu abrir espaços na grande mídia burguesa, onde só falam aqueles que os proprietários da grande mídia permitem. Temos que romper com isso.”

“Para uma disputa a hegemonia visando acabar com a exploração, é preciso combinar as lutas contra a exploração e a opressão num mesmo combate.  Apresentar um projeto socialista junto às forças sociais exploradas e dominadas capaz de disputar com o projeto conservador que os poderosos vivem a lhes oferecer. Estamos falando de disputa de hegemonia. Não se trata apenas de combater a exploração, nem de só fazer a luta teórica e ideológica. Trata-se de vencer a luta por outros valores. De conquistar as almas dos explorados. Para ter chance de ser alcançado, esse objetivo deve ser parte da ação de milhões de pessoas das camadas inferiores da população. Deve acontecer de baixo para cima.”

Sérgio Domingues
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Stédile com Adriana, assessora..
de Formação do Sindipetro-RJ..
“Passados 15 anos da adoção do modelo neoliberal, existem no Brasil 12 milhões de trabalhadores adultos desempregados, 16,9% da população economicamente ativa, segundo cálculos do DIEESE. Outros 15 milhões estão no mercado informal, fora do processo produtivo. Não figuram nem nas estatísticas de desemprego. São 27 milhões de brasileiros. Anotem, pois quase não tenho visto isso na imprensa”.

“Vocês se deram conta de como a imprensa burguesa não se interessa pelo debate sobre o salário mínimo? Pra eles, tanto faz se for 300, 400, 500 reais, eles não reagem, ninguém critica. Por que? Porque o capital internacional não está nem aí pro valor do salário mínimo. A esfera de acumulação deles não depende mais do salário mínimo. Agora, eles acompanham minuto a minuto as variações da taxa de juros, o comportamento do Banco Central e o comportamento da Bolsa de Valores.”

João Pedro Stédile – Dirigente Nacional do MST
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José Arbex Jr. e Claudia Santiago..
“Somos educados dentro de uma tradição que coloca o jornalismo como alicerce da democracia. Por isso, é tão difícil para nós identificar a mídia com o que realmente ela é”.

“Quando lemos a grande imprensa, procuramos contrabando dentro do caminhão. O problema é que o contrabando é o próprio caminhão”.

José Arbex Jr.
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Claudia, Renata e Kátia..
“No nosso caso, é preciso mais do que a luta imediata. Nós fazemos uma luta política. A gente quer virar esse globo de cabeça para baixo. Para um outro mundo ser possível, uma outra pauta é necessária. A pauta do jornal sindical está centrada na categoria mas tem que ter um horizonte amplo o mundo. Por que? Porque a luta política não pode prescindir da comunicação porque é através da comunicação e da cultura que é feita a luta de idéias. Agora, essa ampliação da nossa pauta tem ser feita com muito jeito porque a gente sabe quais são os interesses imediatos dos trabalhadores. O que eles espontaneamente querem é  salário, ações na justiça, convênios. Mas, nós, para mudar este mundo sabemos que é preciso introduzir a discussão de outros temas que atingem a vida do trabalhador e sobre os quais só ouvem as mensagens da burguesia.

Precisamos mostrar, do ponto de vista dos trabalhadores, toda a violência a qual o povo é submetido. Inclusive a violência policial nos morros e periferias, a violência do machismo e do racismo.”

Claudia Santiago - Editora do Boletim do NPC



Novas entrevistas em nossa página

JOAQUIM PALHARES:
Informação não é mercadoria, é um bem social

Joaquim Palhares é formado em direito, apesar de ter estudado economia e história. Já advogado, tornou-se um dos re-fundadores da Teoria do Direito Alternativo, no Rio Grande do Sul, e criou o boletim impresso Carta Maior para difundir suas idéias. Com isso, ganhou da revista Veja, certa vez, o título de "inimigo público número um do sistema financeiro". Por ocasião do primeiro Fórum Social Mundial, pressentindo que a mídia comercial não cobriria o evento, transformou o boletim em uma agência de notícias na Internet, a Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br). Nessa entrevista, concedida após palestra ministrada no 11º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), ele fala sobre o surgimento da Carta Maior e o governo Lula.

Entrevista concedida a Bruno Zornitta e Renata Souza, da Rede Nacional de Jornalistas PopularesRenajorp, e gentilmente cedida ao Fazendo Media.

Bruno Zornitta. Você é idealizador da Carta Maior. Conte para nós como surgiu essa agência.

Palhares. A Carta Maior, na verdade, era um boletim jurídico, onde eu fazia o enfrentamento com o sistema financeiro. Acabei me transformando em um autor de teses jurídicas contra o sistema financeiro. E a revista Veja, numa ocasião, publicou uma matéria me chamando de inimigo público número um do sistema financeiro.

Bruno Zornitta. Quanta honra, não?

Palhares. É, como se aquilo pudesse me causar algum problema. Pelo contrário, né? Passei a usar aquilo como bandeira. Aí eu achei que aquilo estava esgotado, o PT começou a dar mostras de que poderia influenciar na vida brasileira, e eu ingressei no partido em 86. Passei a ajudar. Nunca tive nenhum cargo no partido. E aí, em 94, crio o boletim jurídico, que durou até 2000.

Bruno Zornitta. Circulava pela Internet?

Palhares. Não, era uma publicação como um pequeno jornal. Começou com quatro páginas e daqui a pouco já estava com oito páginas. Começou mensal e virou quinzenal. Durou sete anos. Foi uma coisa importante, mexeu com as estruturas jurídicas do país. Porque eu sou um dos re-fundadores da teoria do Direito Alternativo, que foi re-fundado lá no Rio Grande do Sul. E foi a Carta Maior, no papel, que espalhou pelo Brasil essa teoria, do Direito Alternativo.

Bruno Zornitta. E o que é o Direito Alternativo?

Palhares. É o uso alternativo do Direito. A norma penal, para que tenha possibilidade de atingir alguém, ela não tem que ser analisada enquanto lei. Tem que ser analisada enquanto fato social. A pessoa que deve para alguém, para uma instituição bancária, primeiro têm que ser analisados os aspectos sociais que levaram ela a dever. Ela perdeu o emprego? Ela perdeu renda? Ela teve alguma doença? Quer dizer, em que medida o Estado tem responsabilidade por isso? Essa é uma tese até hoje utilizada nos países nórdicos, que têm um alto desenvolvimento social. O maior IDH está lá. E lá eles têm esse tipo de norma. Alto desenvolvimento social, alta renda, qualidade de vida fantástica e tem um troço desses.

Bruno Zornitta. Mas como é que o boletim virou a Agência Carta Maior?

Palhares. Por causa do Fórum Social Mundial. Eu identifiquei que a imprensa não ia dar repercussão ao Fórum. Ia ser contra, criar um monte de dificuldades. Então eu vi que ia precisar de alguma coisa. E também, o partido estava maduro, pronto pra fazer uma disputa concreta pelo poder. E não tinham veículo alternativos. Os que têm hoje não existiam. Então eu achei que isso ajudaria a disputa. Abandonei a idéia do boletim e a Internet se apresentou como um instrumento importante. Hoje não existe nenhum jornal do mundo que não tenha um site. Todos têm um poderoso site. Eu participei, em Washington, uns 30 dias atrás, de um debate sobre mídia e Internet. Eu vim de lá estupefato. A mídia de Internet, nos EUA, já fatura mais do que a mídia televisão. É um negócio estonteante. E nós aqui não damos o devido valor a isso. Por exemplo, Seattle só foi possível graças à Internet. Gênova também. Assim como o FSM. Essa luta contra a globalização, contra o neoliberalismo só é possível tendo em vista a Internet.

Renata Souza. Qual a importância da Carta Maior pra comunicação de esquerda no Brasil?

Palhares. Sou suspeito pra falar, mas o que eu tenho ouvido de alguns intelectuais e as cartas que a gente recebe dizem que só foi possível entender a crise tendo em vista a Carta Maior.

Renata Souza. Vocês estão disputando uma concessão de TV digital, né? Como está essa história?

Palhares. Vai depender do governo Lula. Ou ele quer ter uma política de inclusão ou ele vai fazer a política de exclusão. Ou ele vai pro lado da Globo ou ele vai pro lado do povo. Então, ele tem que aplicar no Brasil um modelo de TV digital europeu, não o norte-americano. Com o norte-americano, vai prevalecer a Globo, ela vai ser dona de tudo. Com o europeu, num fio, vamos chamar assim, vai caber uma infinidade de canais. Se prevalecer a política do Palocci, nós estamos encrencados.
 

Bruno Zornitta. Em sua palestra, você criticou o fato de o governo Lula ter transformado a comunicação em marketing político. Como deveria ser o projeto de comunicação do governo?

Palhares. Comunicação em um governo popular teria que ser, antes de mais nada, democrática, plural e destinar verbas públicas pra que possa se desenvolver. Senão, nós temos o seguinte quadro: eu não tenho verbas pra produzir.

“Essa luta contra a globalização, contra o neoliberalismo, só é possível com a Internet”
.Se eu não consigo produzir, não tenho anúncio. Se eu não tenho anúncio, não terei dinheiro. Aí fica nesse ciclo vicioso. A gente tem que entender que a informação popular e democrática não é uma mercadoria, ela é um bem social. Se ela é um bem social, cabe ao Estado provê-la, tal como a educação, a saúde a segurança e assim por diante. O direito à comunicação está garantido na Constituição, só que eles não respeitam! Eles se preocuparam em salvar a Globo. O Palocci criou a comunicação dele e o governo não. Quem tem comunicação é o Palocci, que é feita pela Globo.

Bruno Zornitta. Outra crítica que você fez em sua palestra foi sobre a mercantilização da notícia. Quais têm sido as conseqüências desse processo?

Palhares. distorção, a manipulação, as mentiras, a utilização de fontes anônimas. Como é que você vai fazer um jornalismo sem fontes? Então eles abrem aspas e deitam e rolam. E a fonte? Como é que faz?

Renata Souza. Você também falou da espetacularização da crise. O que os donos da mídia ganham com isso?

Palhares. que está em disputa é aquilo que a gente aprendeu lá atrás com Marx, que é a luta de classes. Então, se eles, fazendo essa luta de classes, ganharem dinheiro, melhor ainda, né? A informação vai chegando na população em camadas. Tem uma camada que se informa de uma determinada maneira e quando vai chegando na base da pirâmide, pra atingir essa camada, eles começam a ter a necessidade de transformar isso num show. Num Faustão, numa Ana Maria Braga, que passaram a ser críticos. Boris Casoy é um crítico... Quem é Boris Casoy? Que conteúdo político tem essa pessoa. Os arautos da moralidade pública. Quem é essa gente? O show está ligado a isso, é a última camada de inserção na cabeça das pessoas, é transformar aquilo num show. É o Casseta e Planeta, o Jô Soares. Por que a crise demorou, por que os números demoraram a cair? Porque a onda de informação não é imediata, ela vai ampliando e se solidificando. Agora chegou a informação. E a resistência não é nem a política econômica, porque está claro, está dado que a política econômica independe do Palocci; só o Lula não se deu conta disso. O próximo passo é derrubar o Lula. Eles derrubaram o Zé, agora vão derrubar o Lula.

Renata Souza. Você disse que José Dirceu errou politicamente. Quais foram esses erros?

Palhares. Foram tantos, mas dá pra resumir em um erro: os métodos que ele adotou no Partido dos Trabalhadores. Os métodos da hegemonia do grupo político que ele liderou. Esse foi o grande erro que nos trouxe a esse patamar. Acabou o militante do coração. Acabou, não tem mais.

Bruno Zornitta. Poderia explicar esses métodos?

Palhares. É o método da não-discussão, do não-debate, da interdição do debate. Interdita o debate com a justificativa de "Não, nós temos que ganhar. Pra ganhar, temos que fazer alianças".

Bruno Zornitta. Como anda o Observatório Brasileiro de Mídia?

Palhares. Parado, não tem dinheiro. O governo não tem perspectivas. Esse é o problema.

GUSTAVO CODAS:
Imprensa sindical tem abordagem pobre sobre o mundo

Gustavo Codas, jornalista e assessor de Relações Internacionais da CUT nacional, participou, pela primeira vez, do curso anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, cujo tema, neste ano, foi “Os desafios da comunicação de esquerda no Brasil de hoje”. Codas fez parte da mesa de discussão “Uma Comunicação na América Latina na realidade de hoje”, juntamente com os jornalistas Beto Almeida (diretor da TV SUR) e Gilberto Maringoni (autor do livro “A Venezuela que se inventa”).

Gustavo Codas, na sua participação, falou da importância de construirmos uma comunicação independente na América Latina. “O primeiro a lançar essa idéia foi o general Perón, nos anos 50, na Argentina”, lembrou.

Nessa entrevista dada ao Boletim NPC, Gustavo Codas avalia a imprensa sindical sob a perspectiva de um movimento sindical mais internacionalista. Nesse sentido, ele é taxativo: a imprensa que os sindicatos fazem hoje é “pobre” na abordagem de temas internacionais, e mesmo nos nacionais.

Boletim NPC. Como você vê a abordagem do mundo pela imprensa sindical?

Gustavo Codas. Em geral podemos dizer que a imprensa sindical tem uma abordagem bastante restrita a temas puramente dedicados ao imediatismo das categorias. E desse ponto de vista, como regra geral, eu não descarto que tem exceção, é uma abordagem bastante pobre do que são os temas da conjuntura nacional e mais ainda da conjuntura internacional, e mesmo os temas do mundo do trabalho que não sejam exclusivamente aqueles que dizem respeito às questões imediatas que uma categoria está passando.

Agora, a minha impressão, é que o problema da abordagem é menos um problema dos jornalistas da área dos sindicatos ou dos responsáveis de comunicação e mais um problema político mais amplo que o sindicalismo enfrenta que é justamente de termos um cem números de boletins sindicais de categoria, que em conseqüência retiram, digamos, capacidade de produção de um material com mais fôlego, já que cada sindicato tem um público restrito e tem menos condições financeiras do que se várias categorias de uma cidade fizessem um boletim intersindical, um jornal dos trabalhadores da cidade, etc.

Então, eu acho que a imprensa sindical, vamos dizer assim, é vítima das condições nas quais deve operar. E me dá a impressão que para alterar isso, para alterar essa limitação que a imprensa sindical expressa, somente a gente alterando as condições nas quais a imprensa sindical se desenvolve. E isso significaria, na verdade, os sindicatos mudarem as suas políticas de comunicação a partir de uma mudança mais geral da política dos sindicatos. Eu acredito que os sindicatos colocarão sua comunicação em processo de trabalho mais conjunto com outras entidades quando sua perspectiva política também for essa.

Boletim NPC. Você vê isso também dentro da CUT?

Gustavo Codas. Sim. Eu diria que também no caso da CUT, em todos os níveis e instâncias, você vai ver que em geral há uma abordagem basicamente que diz respeito à agenda sindical imediata. Do que eu conheço, o que está fugindo, digamos, gradativamente desse padrão é a página web da CUT Nacional, onde há por parte da secretaria de comunicação e da equipe de jornalistas um esforço para ir além do que exclusivamente a agenda da sua executiva. Então, eu tenho visto que no último período você pode entrar na página e encontrar material trabalhado, não é apenas reprodução de outros meios de comunicação sobre tantas questões internacionais como nacionais e mais a pauta exclusiva da CUT nacional.

Boletim NPC. Como assessora de relações internacionais da CUT quais os temas que você gostaria de ver abordados na imprensa dos trabalhadores?

Gustavo Codas. Eu acho que a imprensa sindical poderia suprir uma falta de informação hoje existente que se deve basicamente que as fontes que a gente tem são exclusivamente, ou quase exclusivamente, da imprensa burguesa. E como o Chico Buarque diz numa de suas músicas: “a dor da gente não sai no jornal”. Então, os temas do mundo do trabalho para saírem normalmente num jornal da grande imprensa burguesa é uma exceção. Eu entendo que nós temos hoje por intermédio da internet condições, com muito baixo custo, de uma divulgação mais intensa no Brasil de informações sobre lutas que estão ocorrendo em outros países, lutas sindicais, lutas populares, e que seriam a sua divulgação muito importante porque daria para os trabalhadores no Brasil essa noção de uma luta internacional, um processo de mobilização que não é exclusivamente de sua categoria, da sua cidade, mas um processo internacional que efetivamente está ocorrendo.

Boletim NPC. E a utilização das rádios comunitárias pelo movimento sindical?

Gustavo Codas. As rádios comunitárias poderíamos dizer que foram a primeira tentativa do movimento popular de furar o bloqueio da comunicação massiva. Então, novamente no caso das rádios comunitárias eu acho que, primeiro, o grande desafio é vencer a repressão que continua em cima das rádios comunitárias. Dois, vinculá-las de maneira que elas também tenham capacidade de divulgar não somente as questões locais, mas também de forma mais viva e intensa o noticiário nacional e internacional.

Boletim NPC. Existe alguma experiência diferente no mundo, em termos de imprensa sindical, do que se faz aqui no Brasil?

Gustavo Codas. Do que eu conheço é pouco que tenha uma imprensa sindical com padrão diferente. Mas eu acho que isso tenha a ver com o recuo que houve do sindicalismo sob a pressão do neoliberalismo, do desemprego, da desestruturação das categorias, etc. Agora o que nós devemos ficar atentos é que essa fase muito defensiva em relação ao neoliberalismo está mudando, há um processo de desestruturação da hegemonia neoliberal. Então é um bom momento que as direções sindicais e as categorias se coloquem na perspectiva de buscar na área da comunicação de implementar políticas diferentes, políticas mais ofensivas, porque acho que vai ter audiência junto ao povo e aos trabalhadores.

JOÃO PEDRO STÉDILE:
Movimentos sociais não conseguem falar com o povo

João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), participou do 11.º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicações, realizado entre os dias 30 de novembro a 3 de dezembro de 2005, no Rio de Janeiro.

Stédile falou ao público presente, jornalistas e dirigentes sindicais, sobre o Brasil que a imprensa sindical precisa mostrar. Ele concedeu entrevista ao Boletim NPC, onde fala do relatório da CPI da Terra, que Stédile classifica como "mero discurso ideológico", da imprensa burguesa e da deficiência dos movimentos sociais em criar os seus meios de informação com o povo ("Estamos muito atrasados nesse sentido").

Boletim NPC. Como está a relação do governo Lula com as ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra?

João Pedro Stédile. Primeiro aspecto é a questão da Reforma Agrária em si, mais do que as ações do MST. O MST tem uma relação de autonomia com o governo, que nos permite elogiar no que é bom e criticar no que é ruim. Mas, no tema da reforma agrária, infelizmente o governo Lula está em dívida com os camponeses porque ele não conseguiu colocar em prática nem o seu próprio plano nacional de reforma agrária. Nem no sentido da concepção do programa que tinha uma visão de fortalecer a agricultura familiar e camponesa, nem no sentido de alcançar as metas previstas em assentar 400 mil famílias nos 4 anos e até agora o governo assentou em torno de 180 mil famílias, então, o governo tá em dívida. Nós fizemos uma marcha a Brasília em maio, no final da marcha fizemos um acordo de sete pontos.

De novo, até agora o governo não honrou com seu compromisso de resolver aqueles sete pontos. Em especial no item que diz respeito na mudança de critérios para classificar se uma propriedade é produtiva ou não. Que é fundamental para você ampliar as desapropriações que é o que se chama de o índice de produtividade das áreas. Isto é o governo que decreta por portaria e até agora o governo não teve a coragem de assinar uma portaria que o ministério de Desenvolvimento Agrário preparou desde junho de 2004. De maneiras que: Atenção Sr. Lula, o sr. Está em dívida com o MST.

Boletim NPC. O MST reconhece alguma legalidade no relatório da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Terra? A aprovação do relatório provocará mudanças nas ações do movimento?

Stédile. A direita parlamentar usou desde o início a CPMI como um mero palanque ideológico para tentar desgastar o governo, desgastar a idéia da reforma agrária e deixar o MST na defensiva. Por isso eles foram prolongando a CPMI. Acho que é a CPMI mais antiga da história. Ela durou 2 anos e meio. Ela foi convocada em agosto de 2003 e funcionou em novembro de 2005. Então, nós não tínhamos ilusões que a CPMI era uma coisa séria para discutir os problemas da reforma agrária. Ela sempre foi usada pela direita para nos fustigar. E lá na direita sempre tiveram religiosamente 13 parlamentares de diversos partidos políticos vinculados a UDR, chamada de bancada dos ruralistas. E do nosso lado do MST e das forças progressistas eram apenas 8 deputados. Mas, felizmente o relator final era o João Alfredo, ele sempre foi a favor da reforma agrária em sua vida inteira.

O que a direita fez foi não aprovar o relatório oficial e aprovar o substitutivo, que é um mero discurso ideológico. Não tem valor nenhum.

A idiotice dos ruralistas foi tão grande, usando propostas como esta de que invasão de terras é crime hediondo e tentando indiciar os dirigentes do MST, que a própria imprensa burguesa se deu conta que eles avançaram o sinal e vocês devem ter percebido que a imprensa burguesa não valorizou o relatório da UDR, de certa forma, até  desqualificaram também, então as conseqüências políticas do relatório da UDR não vai ter eficácia nenhuma. E nós, evidentemente, vamos pegar o relatório oficial do João Alfredo e procurar dar divulgação e inclusive pegar assinaturas de deputados. Eu duvido que os ruralistas consigam muito mais assinaturas do que as 13 que votaram lá no dia.

Então. Ele é um relatório completamente manipulado. Insignificante. E não representa nem as forças que estão no parlamento.

Boletim NPC. Qual a relação possível com a imprensa que aí está?

Stédile. Tem muita gente que se ilude. Eu mesmo de vez em quando publico artigos na imprensa burguesa: Folha de São Paulo, O Globo. Mas isso não representa que a imprensa seja democrática ou que nós podemos nos iludir. Aqui no Brasil, talvez seja o país do mundo em que ta mais claro como a burguesia usa os seus meios de comunicação. Primeiro lugar, eles usam para ganhar dinheiro. É apenas uma fonte de lucro. Em segundo lugar, a imprensa no Brasil é articulada de forma oligopólica pra controlar o que o povo deve assistir e ler.

Em terceiro lugar, como dizia Gramsci, nos países periféricos a burguesia não usa partidos políticos institucionais pra fazer a luta ideológica. Os partidos institucionais servem apenas para ascensão a cargos públicos.

A verdadeira luta ideológica nos países periféricos eles fazem através da imprensa. Então a imprensa brasileira burguesa cumpre o papel de partido ideológico da classe dominante, pra orientar a sua militância e para fazer o debate ideológico na sociedade. É assim que nós vemos a imprensa burguesa. Ela faz uma manipulação que atinge as massas mais despolitizadas, que acreditam no que vêem na Globo.

A imprensa burguesa sempre usa a palavra invasão. Porque invasão é classificado pelo código penal como esbulho possessório. Tomo um bem que é teu, em proveito próprio. E o que nós fazemos chama-se ocupação. E o conceito para ocupação é quando você mobiliza um contingente de trabalhadores, homens, mulheres e crianças, ocupam uma área, para que o governo cumpra a lei. Nós não tomamos a propriedade de ninguém. Eles criaram esse senso comum de que o MST faz invasão, como forma de instigar.

Boletim NPC. Os movimentos sociais, populares e os partidos políticos de esquerda estão se comunicando como devem, com a sociedade brasileira?

Stédile. De jeito nenhum. É uma tristeza. É uma lástima. A esquerda é incompetente para fazer meios de comunicação de massa. Não é pedagógica. Não sabe fazer.

Nós estamos muitos atrasados na forma de nos comunicar com o povo. Eu estou falando como autocrítica, porque o MST também tem os seus meios de comunicação. Temos o jornal Brasil de Fato.

A esquerda ao longo das últimas décadas desenvolveu mais experiência de comunicação com a sua militância. Com a militância nós somos melhores. Fazemos cartilhas, jornais impressos, revistas.

Agora, de comunicação de massa, aí nós estamos muito mal, porque temos um refluxo dos movimentos de massa. Há toda uma geração que não pegou esta experiência concreta de como, no calor das lutas, temos que nos comunicar rapidamente, e aí envolve sobretudo o rádio, a televisão e um instrumento que é pouco referenciado pelos jornalistas, porque não é da profissão deles, que é a que chamamos de pedagogia de massas.

A melhor forma de você se comunicar com as massas é fazer formas de lutas e fatos que levam a massa a entender a luta de classes. Então vou dar um exemplo. Recentemente, ficamos 5 anos tentando fazer o debate sobre a transposição do Rio São Francisco. Publicamos no jornalzinho, na CPT (comissão Pastoral da Terra),e ninguém leu. Bastou um bispo resolver fazer 8 dias de greve de fome, aí pronto! O debate aflorou, todo mundo quis saber o que era. Isto é pedagogia de massas. Então, no tema do Rio São Francisco, quem foi o maior comunicador de massas? O bispo Dom Luiz Flávio Cappi. Ele pode não entender nada de comunicação, mas fez a melhor comunicação para o povo brasileiro. É isto que a esquerda tem que aprender a dominar. Formas de comunicar com as massas.

Bom Ano Novo!


Venicio A. Lima, especialista em Comunicação; Vito Giannotti, coordenador do NPC.


Beto Almeida, da Telesul, ao microfone; DJ Jorge Luis anima o encontro;
e Eduardo, pronto para registrar o momento.


Cristina e Rosângela observam; À esquerda, o eficiente Augusto



Boletim do Núcleo Piratininga de Comunicação

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Edição e redação: Claudia Santiago (MTB.14.915)
Fotos: Eduardo Nunes e Mário Camargo.
Web-designer: Gustavo Barreto e Cris Fernandes.
Colaboraram nesta edição: Ana Manuella Soares (RJ), Bruno Zornitta (RJ), Kleber William (MG), Najla Passos (MT), Renata Souza (RJ), Rosangela Ribeiro Gil (SP) e Vito Giannotti (RJ). [voltar]


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ÍNDICE
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Especial 11º Curso Anual do NPC
Um curso atual e útil para todos
Confira os registros fotográficos do curso
Os números do 11º Curso Anual
A necessidade da esquerda ter sua própria comunicação
Nossa pauta deve tratar de toda a vida do trabalhador 
e de seus interesses imediatos e históricos
O primeiro dia do 11º Curso anual: OFICINAS
Dia 1, 2 e 3: maratona de EXPOSIÇÕES E DEBATES
Nossos agradecimentos
Algumas frases pinçadas durante o 11º Curso por seus participantes e enviadas ao Boletim-NPC
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