http://www.piratininga.org.br
Boletim do NPC
— Nº 80
— Especial 11º Curso Anual
do NPC
Para
jornalistas, dirigentes, militantes
e
assessores sindicais e dos Movimentos Sociais
11º
Curso do NPC: um curso atual e útil
De 30
de novembro a 3 de dezembro foi realizado, no Rio, o 11º Curso Anual
do NPC. O local foi o tradicional, o Sindipetro/RJ, e a estrutura foi a
dos outros anos. O que o diferenciou foi o número de expositores,
o número de inscrições e o temário que a tempo
todo chamava para o Brasil de hoje.
Cátia
(jornalista do Sindipetro-RJ) e
Davi (Dir.
de Imprensa do Seeb-MA)
O tema
geral já deixava claro desde o começo qual seria o enfoque
deste ano. A ênfase era dada à comunicação de
esquerda na conjuntura atual.
Os responsáveis
pelo NPC estavam conscientes, antes do curso, da crise de identidade da
esquerda, de seu esfacelamento e das divisões acontecidas nos últimos
tempos. O centro, o específico do NPC, era e deveria continuar sendo
a comunicação como instrumento para disputar a hegemonia.
Não se poderia deixar que o curso se transformasse numa arena
política. Não poderíamos fazer um curso com jeito
de congresso com votações, maioria e minoria e deliberações
finais.
Ao mesmo
tempo, não se podia imaginar um encontro realizado longe do Brasil
atual, do Brasil concreto. Por isso, optamos por acentuar os desafios da
comunicação de esquerda no Brasil de hoje.
Ao lançar
o curso, em agosto, muito companheiros pensavam que, no quadro de crise
conhecida, poucos se interessariam em participar. Ao contrário,
a procura foi muito superior aos outros anos. A sede de uma discussão
arejada, livre e plural encantou a muitos.
______________________________
Salão
cheio nos três dias
Seja qual
fosse o posicionamento de cada um no atual quadro político, os temas
propostos na programação se mostravam úteis e necessários
para todo mundo. E foi esta sede que manteve o salão do Sindipetro-RJ
constantemente cheio.
Os
números do 11º Curso Anual
Participaram
150 pessoas. Houve gente de quase todos os estados, menos Amazônia,
Roraima, Amapá e Piauí. Os três estados com mais participantes
foram Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Houve
um recorde de expositores, 27 pessoas, entre jornalistas, especialistas
em comunicação e professores universitários de várias
áreas. Os palestrantes vinham de São Paulo, com o maior contingente,
seguidos do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, Brasília, Ceará
e Paraná.
As horas
anunciadas de trabalho foram estouradas regularmente. Este fato foi julgado
negativo por muitos. Mesmo com esta maratona quase a totalidade dos inscritos
permanecia... na sala de tortura!
Dos 150
participantes, 76 eram dirigentes sindicais, em sua maioria responsáveis
do departamento de comunicação em seus sindicatos. Jornalistas
foram 61. Os demais eram estudantes, assessores sindicais, políticos
ou parlamentares e professores de comunicação.
Ao todo
participaram 28 sindicatos, prefeituras e várias ONGs especializadas
em comunicação e movimentos populares como o MST. Participaram
oito jornalistas da Rede Nacional de Jornalistas Populares (Renajorp) e
praticamente toda a equipe do jornal Repórter da Terra.
Partidos
políticos? Os de esquerda: PT, PCdoB, PCB, PSTU, Psol, PDT e PSB.
Primeira
idéia central:
a necessidade da
esquerda ter sua própria comunicação
A primeira
idéia-chave do 11º Curso se baseou na necessidade de
perder as ilusões que a classe dominante, a burguesia, vai nos fazer
concessões em seus veículos de comunicação.
Qualquer espaço de democratização deverá ser
conquistado com a luta dos trabalhadores, com milhares e um dia milhões
de pessoas nas ruas e praças das nossas cidades. Nada virá
de graça. A mídia “deles” está na dela. Ela tem lado.
E esse lado não é o nosso. Ao contrário é o
lado dos nossos inimigos de classe. Por isso, nenhuma ilusão sobre
a pretensa democracia deles sobre sua neutralidade, imparcialidade,
objetividade e outras ilusões. Se os trabalhadores quiserem noticiar
suas ações, seus sonhos e seus planos de luta só o
poderão com seus instrumentos próprios. Por isso... vamos
criar e aperfeiçoar sempre nossa comunicação.
Exemplos
históricos e questionamentos atuais foram fornecidos por quase todos
os expositores. Falou-se dos dois jornais diários dos anarquistas,
no começo do século XX, do semanário Movimento Comunista
de 1922, antes mesmo da criação do Partido. Falou-se da Imprensa
Alternativa da época da Ditadura e do papel importantíssimo
da imprensa sindical na oposição ao projeto neoliberal, durante
a década de 1990. E, finalmente, uma pergunta sobre a realidade
atual que não quis calar-se: porque, nestes últimos 25 anos
o PT não criou seus órgãos de comunicação
de massa?
O refrão
final de toda intervenção parecia ensaiado: “vamos construir
e potencializar nossa comunicação alternativa à sociedade
que aí está.”
A
segunda idéia central:
nossa pauta deve
tratar de toda a vida do trabalhador
e de seus interesses
imediatos e históricos.
Durante
o curso foi repetido por quase todos os palestrantes que nossa pauta tem
que ser ampla. Deve falar das preocupações da vida das pessoas
“normais”: emprego, violência, filhos, amor, escola, televisão,
enfim, de todos os aspectos da vida. Nossa imprensa e nossos vários
instrumentos de mídia não podem se restringir a falar só
da luta reivindicatória típica da atividade sindical. Devemos
ir além dos temas corporativos. É preciso falar dos problemas
da cidade, da saúde, da educação, dos transportes,
da vida cultural e suas variadas expressões, do bumba meu boi ao
rap.
Nessa
floresta de assuntos e de temas que tocam a vida do povo, fazer a disputa
de hegemonia com a classe hoje dominante.
Estas
duas idéias permearam todas as exposições como se
tivesse uma mão orquestrando os vários conteúdos.
Na verdade esta confluência aconteceu pela escolha combinada dos
expositores e por sua sensibilidade parecida frente a um público
sedento de uma luz no fim do túnel para avançar na luta contra-hegemônica
contra um inimigo poderoso, mas não invencível. O exemplo
do povo venezuelano em sua resistência contra o poder midiático
da burguesia do seu país foi citado várias vezes. Na foto,
Claudia Santiago.
O
primeiro dia do 11º Curso anual: OFICINAS
O primeiro
dia foram só oficinas optativas. Os organizadores do curso foram
surpreendidos pelo alto interesse que despertaram. Praticamente todos os
inscritos participaram desde o primeiro dia, enquanto era esperado um número
menor de pessoas. Afinal, elas eram optativas. Estas verteram sobre aspectos
práticos e concretos da comunicação sindical e comunitária.
As quatro oficinas, realizadas, todas por membros do NPC, foram sobre os
seguintes temas:
____________________________________..
Oficina
‘A cidade e a Imprensa Sindical’..
1
– A presença da cidade nas páginas de jornais sindicais.
A conclusão ficou evidente através da análise de vários
materiais. Infelizmente a cidade com seus problemas (transporte, escolas,
serviços de saúde, lazer, equipamentos comunitários,
violência, etc.) está pouco presente na imprensa sindical.
Era o começo da discussão de qual deve ser a nossa pauta.
2 –
Uma linguagem que comunique: compreensão das palavras e construção
das frases.
A linguagem
pode ser uma muralha que impede que milhares e milhões possam dialogar
sobre nossa pauta. Exemplos não faltaram, de qualquer sindicato
ou movimento social que produza seu boletim o jornal.
Mário
na Oficina de Linguagem
.
____________________________________..
Marcelo
na Oficina de Diagramação..
3
– Uma diagramação agradável para cativar os leitores.
Depois
de ter repetido que o ponto de partida da comunicação contra-hegemônica
é o conteúdo ou seja a política, esta oficina tratou
da forma dos nossos jornais. A idéia básica é que
tão importante quanto o conteúdo é a forma. Se um
material não for agradável, convidativo, não será
lido. Foram dadas algumas dicas a respeito.
4 –
A diagramação do século XXI: os infográficos.
Sempre
uma boa diagramação foi necessária. Hoje é
preciso incorporar novas técnicas e estilos próprios da comunicação
visual características da comunicação da televisão
e mais ainda da Internet. Os infográficos, fruto desta revolução
artística do visual, são uma arte a ser assimilada na nossa
comunicação. Sem isso nossos jornais e revistas continuarão
antigos e superados.
Vito Giannotti,
durante oficina
Dia
1, 2 e 3: maratona de EXPOSIÇÕES E DEBATES
Os
três dias foram uma overdose de idéias e novas perspectivas.
Os expositores se sucederam com mínimos intervalos para esfriar
a cuca.
O Curso
oficial começou com uma flauta tocando A Internacional, o
hino tradicional de toda a esquerda, cantado por anarquistas, socialistas
e comunistas durante um século. O título geral do 11º
Curso que tratava de uma comunicação de esquerda já
dava o tom da música da abertura. Assim, os 150 participantes acompanharam
a voz do maestro Flávio e a flauta do seu aluno (foto abaixo)
enquanto imagens de lutas de ontem e de hoje apareciam no telão.
Maestro
Flávio em companhia de flautista
Em seguida,
13 mesas se sucederam, correndo contra o tempo, procurando dar conta do
recado para a platéia que não arredava o pé.
Em
uma simples cerimônia de encerramento, o NPC homenageou Maria Dalva
(foto), mãe de Tiago, um dos jovens assassinados na chacina
do Borel, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, em abril de 2003. Foram
exibidas cenas em que Dalva aparece no documentário Entre Muros
e Favelas, de Márcio Jerônimo, Suzanne Dzeik e Kirsten
Wagenschen. O filme trata da exclusão de pobres e negros, focando
a violência policial no Rio de Janeiro. Este é um dos temas
que mexem com a vida de milhões de pessoas e que nossa comunicação
precisa tratar. (Informações sobre o documentário
com a Rede Nacional de Jornalistas Populares: renajorp@gmail.com).
Nossos agradecimentos
Neste
número especial do nosso boletim queremos agradecer a todos os participantes
do curso. Alguns nos acompanham desde o primeiro curso realizado num colégio
religioso, no bairro da Liberdade, em São Paulo. Agradecer a todos
os que proferiram palestras dando o melhor de si para ajudar nesta batalha
por uma comunicação popular, alternativa e de esquerda. Agradecemos
sinceramente a Marcelo Freixo (Justiça Global) e Carlos Eduardo
(Reggen) que atenderam nosso pedido de última hora para substituir
palestrantes. Agradecemos aos jornalistas que estão nos enviando
as entrevistas feitas durante o curso para serem disponibilizadas em nossa
página. E ao fotógrafo Eduardo Nunes que tornou eternas as
imagens deste 11º curso.
Gostaríamos
de comunicar as novas participações no grupo que toca o NPC.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Timóteo (MG)
e estudante de jornalismo, Kleber William de Souza; a estudante de comunicação
Renata Souza e a jornalista Ana Manuella Soares, as duas do Rio de Janeiro.
Junto
com esta edição vocês vão receber as entrevistas
feitas por Kleber William, com João Pedro Stédile; Bruno
Zornitta e Renata Souza com Joaquim Palhares e a de Gustavo Codas, concedida
a Rosângela Ribeiro Gil.
Nos próximos
dias entrarão em nossa página entrevistas com Carlos Nelson
Coutinho, Venício Lima, Raimundo Pereira e outras, realizadas durante
o curso, que nos forem enviadas.
No início
de 2006 todas as falas serão colocadas em nossa página e
sua reprodução é livre.
Até
lá, desejamos a todos Boas Festas, com muitas alegrias, e um ano
novo cheio de notícias boas para a classe trabalhadora.
É
isso aí amigos. Até 2006.
Forte
abraço
Vito
Giannotti
Claudia
Santiago
Augusto
César
Eduardo
Nunes
Reginaldo
Moraes
Sérgio
Domingues
Mário
Camargo
Kátia
Marko
Rosangela
Ribeiro Gil
Najla Passos
Márcia
Andreola
Marcelo
Souza
Virgínia
Fontes
Leon Diniz
Cristina
Braga
Guilherme
Marques Soninho
Gustavo
Barreto
Eliane
do Amaral
Kleber
William
Ana Manuela
Soares
Renata
Souza
Algumas
frases pinçadas durante o 11º Curso por seus participantes
e enviadas ao Boletim-NPC.
____________________________________..
Carlos
Nelson Coutinho..
“Uma
das lutas mais importantes que se trava é pela socialização
dos meios de comunicação. O que não significa estatização,
mas a possibilidade de que a sociedade civil controle os grandes
meios de comunicação.”
“Com o
surgimento da televisão, a dificuldade de se travar uma luta política
nos meios de comunicação se acentuou, provocando um desequilíbrio
nesta batalha. Mas não devemos partir do princípio, falso
a meu ver, de que estamos diante de um sistema de manipulação
impermeável a nossa ação.”
“Tirando
o período de 1945 a 1947, quando havia diários comunistas
em várias capitais brasileiras, os partidos de esquerda nunca tiveram
imprensa diária. Nós tivemos um partido de esquerda de massa
por muitos anos que não foi capaz de ter um jornal diário.
Teve o Brasil Agora, jornal semanal”
Carlos
Nelson Coutinho
____________________________________..
Virgínia
Fontes..
“O
problema é que muitas vezes fazemos lutas pontuais que, embora legítimas,
muitas vezes apagam a luta de classes e fazem com que voltemos para um
nível de consciência CORPORATIVO. Perde-se de vista que essa
construção social é uma construção
de classes e torna-se apenas a defensora de um grupinho incapaz de ver
além de si mesma.”
Virgínia
Fontes
____________________________________..
Joaquim
Palhares..
“O
marketing político transformou o Lula numa caricatura. Comunicação
não é marketing. As pessoas que comandaram a comunicação
no governo Lula transformaram o PT e o governo numa grande agência
de comunicação. Marketing político transforma a política
em nada e o PT em algo inútil”
Joaquim
Palhares
____________________________________..
Carla Silva..
“Entre
1989 e 2002 a Veja teve duas funções: apontar o programa
de governo – e ela fez isso o tempo todo – e acalmar as crises politicas
conjunturais. Quando a revista tem que legitimar o que ela tem a dizer,
age como uma intelectual concreta.. Ela organiza, formula, indica caminhos
e cobra sistematicamente.”
“A Veja,
ao falar da crise política deste ano, mantém uma linha de
coerência ao longo do tempo o que significa apoio ao programa econômico
do governo. Neste sentido adota uma campanha sistemática contra
os radicais. Ser radical é uma coisa que vai mudando ao longo do
tempo. Ser radical em 89 era ser do PT. Em 94, era só uma parte.
Em 98 era uma parte menor ainda. Em 2005, ela diz, não com estas
palavras, que o José Dirceu é radical porque critica a política
monetarista do governo”
Carla
Silva
____________________________________..
Marcelo
Freixo..
“Quem
está preso é jovem, homens, em sua maioria, e pobres – 93%
dependem da defensoria pública para ter atendimento judicial. Quase
todos negros ou não-brancos e de baixíssima escolaridade.
Oitenta por cento têm o primeiro grau incompleto. Na prática,
sabem escrever o próprio nome. Eu tenho dito que a prisão
não é um instrumento de exclusão social, pois consolida
um processo de exclusão, que é anterior a ela. Representa
a pena de morte social”
“Em 1998,
esses conflitos causaram a morte de 397 civis e 99 policiais. No ano seguinte
foram 289 civis e 99 policiais. Em 2000, 427 civis e 106 policiais. Em
2001, 592 civis e 91 policiais. Em 2002, os números chegaram
a 900 civis e 170 policiais. Em 2003, mais 1195 civis e 45 policiais mortos.
Em 2004 ficou na faixa de 1.100 civis mortos. Em 2005, esse número
vai ser recorde, vai passar de 2.200”
Marcelo
Freixo
____________________________________..
Sérgio
Domingues..
“A
maioria da esquerda socialista dos últimos 20 anos jamais organizou
uma imprensa alternativa capaz de fazer a disputa hegemônica com
a burguesia. Preferiu abrir espaços na grande mídia burguesa,
onde só falam aqueles que os proprietários da grande mídia
permitem. Temos que romper com isso.”
“Para
uma disputa a hegemonia visando acabar com a exploração,
é preciso combinar as lutas contra a exploração e
a opressão num mesmo combate. Apresentar um projeto socialista
junto às forças sociais exploradas e dominadas capaz de disputar
com o projeto conservador que os poderosos vivem a lhes oferecer. Estamos
falando de disputa de hegemonia. Não se trata apenas de combater
a exploração, nem de só fazer a luta teórica
e ideológica. Trata-se de vencer a luta por outros valores. De conquistar
as almas dos explorados. Para ter chance de ser alcançado, esse
objetivo deve ser parte da ação de milhões de pessoas
das camadas inferiores da população. Deve acontecer de baixo
para cima.”
Sérgio
Domingues
____________________________________..
Stédile
com Adriana, assessora..
de Formação
do Sindipetro-RJ..
“Passados
15 anos da adoção do modelo neoliberal, existem no Brasil
12 milhões de trabalhadores adultos desempregados, 16,9% da população
economicamente ativa, segundo cálculos do DIEESE. Outros 15 milhões
estão no mercado informal, fora do processo produtivo. Não
figuram nem nas estatísticas de desemprego. São 27 milhões
de brasileiros. Anotem, pois quase não tenho visto isso na imprensa”.
“Vocês
se deram conta de como a imprensa burguesa não se interessa pelo
debate sobre o salário mínimo? Pra eles, tanto faz se for
300, 400, 500 reais, eles não reagem, ninguém critica. Por
que? Porque o capital internacional não está nem aí
pro valor do salário mínimo. A esfera de acumulação
deles não depende mais do salário mínimo. Agora, eles
acompanham minuto a minuto as variações da taxa de juros,
o comportamento do Banco Central e o comportamento da Bolsa de Valores.”
João
Pedro Stédile – Dirigente Nacional do MST
____________________________________..
José
Arbex Jr. e Claudia Santiago..
“Somos
educados dentro de uma tradição que coloca o jornalismo como
alicerce da democracia. Por isso, é tão difícil para
nós identificar a mídia com o que realmente ela é”.
“Quando
lemos a grande imprensa, procuramos contrabando dentro do caminhão.
O problema é que o contrabando é o próprio caminhão”.
José
Arbex Jr.
____________________________________..
Claudia,
Renata e Kátia..
“No
nosso caso, é preciso mais do que a luta imediata. Nós fazemos
uma luta política. A gente quer virar esse globo de cabeça
para baixo. Para um outro mundo ser possível, uma outra pauta é
necessária. A pauta do jornal sindical está centrada na categoria
mas tem que ter um horizonte amplo o mundo. Por que? Porque a luta política
não pode prescindir da comunicação porque é
através da comunicação e da cultura que é feita
a luta de idéias. Agora, essa ampliação da nossa pauta
tem ser feita com muito jeito porque a gente sabe quais são os interesses
imediatos dos trabalhadores. O que eles espontaneamente querem é
salário, ações na justiça, convênios.
Mas, nós, para mudar este mundo sabemos que é preciso introduzir
a discussão de outros temas que atingem a vida do trabalhador e
sobre os quais só ouvem as mensagens da burguesia.
Precisamos
mostrar, do ponto de vista dos trabalhadores, toda a violência a
qual o povo é submetido. Inclusive a violência policial nos
morros e periferias, a violência do machismo e do racismo.”
Claudia
Santiago - Editora do Boletim do NPC
Novas entrevistas
em nossa página
JOAQUIM
PALHARES:
Informação
não é mercadoria, é um bem social
Joaquim
Palhares é formado em direito, apesar de ter estudado economia
e história. Já advogado, tornou-se um dos re-fundadores da
Teoria do Direito Alternativo, no Rio Grande do Sul, e criou o boletim
impresso Carta Maior para difundir suas idéias. Com isso, ganhou
da revista Veja, certa vez, o título de "inimigo público
número um do sistema financeiro". Por ocasião do primeiro
Fórum Social Mundial, pressentindo que a mídia comercial
não cobriria o evento, transformou o boletim em uma agência
de notícias na Internet, a Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br).
Nessa entrevista, concedida após palestra ministrada no 11º
Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC),
ele fala sobre o surgimento da Carta Maior e o governo Lula.
Entrevista
concedida a Bruno Zornitta e Renata Souza, da Rede Nacional de Jornalistas
Populares — Renajorp,
e gentilmente cedida ao Fazendo Media.
Bruno
Zornitta. Você é idealizador da Carta Maior. Conte para nós
como surgiu essa agência.
Palhares.
A Carta Maior, na verdade, era um boletim jurídico, onde eu fazia
o enfrentamento com o sistema financeiro. Acabei me transformando em um
autor de teses jurídicas contra o sistema financeiro. E a revista
Veja, numa ocasião, publicou uma matéria me chamando de inimigo
público número um do sistema financeiro.
Bruno
Zornitta. Quanta honra, não?
Palhares.
É, como se aquilo pudesse me causar algum problema. Pelo contrário,
né? Passei a usar aquilo como bandeira. Aí eu achei que aquilo
estava esgotado, o PT começou a dar mostras de que poderia influenciar
na vida brasileira, e eu ingressei no partido em 86. Passei a ajudar. Nunca
tive nenhum cargo no partido. E aí, em 94, crio o boletim jurídico,
que durou até 2000.
Bruno
Zornitta. Circulava pela Internet?
Palhares.
Não, era uma publicação como um pequeno jornal. Começou
com quatro páginas e daqui a pouco já estava com oito páginas.
Começou mensal e virou quinzenal. Durou sete anos. Foi uma coisa
importante, mexeu com as estruturas jurídicas do país. Porque
eu sou um dos re-fundadores da teoria do Direito Alternativo, que foi re-fundado
lá no Rio Grande do Sul. E foi a Carta Maior, no papel, que espalhou
pelo Brasil essa teoria, do Direito Alternativo.
Bruno
Zornitta. E o que é o Direito Alternativo?
Palhares.
É o uso alternativo do Direito. A norma penal, para que tenha possibilidade
de atingir alguém, ela não tem que ser analisada enquanto
lei. Tem que ser analisada enquanto fato social. A pessoa que deve para
alguém, para uma instituição bancária, primeiro
têm que ser analisados os aspectos sociais que levaram ela a dever.
Ela perdeu o emprego? Ela perdeu renda? Ela teve alguma doença?
Quer dizer, em que medida o Estado tem responsabilidade por isso? Essa
é uma tese até hoje utilizada nos países nórdicos,
que têm um alto desenvolvimento social. O maior IDH está lá.
E lá eles têm esse tipo de norma. Alto desenvolvimento social,
alta renda, qualidade de vida fantástica e tem um troço desses.
Bruno
Zornitta. Mas como é que o boletim virou a Agência Carta Maior?
Palhares.
Por causa do Fórum Social Mundial. Eu identifiquei que a imprensa
não ia dar repercussão ao Fórum. Ia ser contra, criar
um monte de dificuldades. Então eu vi que ia precisar de alguma
coisa. E também, o partido estava maduro, pronto pra fazer uma disputa
concreta pelo poder. E não tinham veículo alternativos. Os
que têm hoje não existiam. Então eu achei que isso
ajudaria a disputa. Abandonei a idéia do boletim e a Internet se
apresentou como um instrumento importante. Hoje não existe nenhum
jornal do mundo que não tenha um site. Todos têm um poderoso
site. Eu participei, em Washington, uns 30 dias atrás, de um debate
sobre mídia e Internet. Eu vim de lá estupefato. A mídia
de Internet, nos EUA, já fatura mais do que a mídia televisão.
É um negócio estonteante. E nós aqui não damos
o devido valor a isso. Por exemplo, Seattle só foi possível
graças à Internet. Gênova também. Assim como
o FSM. Essa luta contra a globalização, contra o neoliberalismo
só é possível tendo em vista a Internet.
Renata
Souza. Qual a importância da Carta Maior pra comunicação
de esquerda no Brasil?
Palhares.
Sou suspeito pra falar, mas o que eu tenho ouvido de alguns intelectuais
e as cartas que a gente recebe dizem que só foi possível
entender a crise tendo em vista a Carta Maior.
Renata
Souza. Vocês estão disputando uma concessão de
TV digital, né? Como está essa história?
Palhares.
Vai depender do governo Lula. Ou ele quer ter uma política de inclusão
ou ele vai fazer a política de exclusão. Ou ele vai pro lado
da Globo ou ele vai pro lado do povo. Então, ele tem que aplicar
no Brasil um modelo de TV digital europeu, não o norte-americano.
Com o norte-americano, vai prevalecer a Globo, ela vai ser dona de tudo.
Com o europeu, num fio, vamos chamar assim, vai caber uma infinidade de
canais. Se prevalecer a política do Palocci, nós estamos
encrencados.
Bruno
Zornitta. Em sua palestra, você criticou o fato de o governo Lula
ter transformado a comunicação em marketing político.
Como deveria ser o projeto de comunicação do governo?
Palhares.
Comunicação em um governo popular teria que ser, antes de
mais nada, democrática, plural e destinar verbas públicas
pra que possa se desenvolver. Senão, nós temos o seguinte
quadro: eu não tenho verbas pra produzir. |
“Essa luta
contra a globalização, contra o neoliberalismo, só
é possível com a Internet” |
|
|
.Se
eu não consigo produzir, não tenho anúncio. Se eu
não tenho anúncio, não terei dinheiro. Aí fica
nesse ciclo vicioso. A gente tem que entender que a informação
popular e democrática não é uma mercadoria, ela é
um bem social. Se ela é um bem social, cabe ao Estado provê-la,
tal como a educação, a saúde a segurança e
assim por diante. O direito à comunicação está
garantido na Constituição, só que eles não
respeitam! Eles se preocuparam em salvar a Globo. O Palocci criou a comunicação
dele e o governo não. Quem tem comunicação é
o Palocci, que é feita pela Globo.
Bruno
Zornitta. Outra crítica que você fez em sua palestra foi sobre
a mercantilização da notícia. Quais têm sido
as conseqüências desse processo?
Palhares.
distorção, a manipulação, as mentiras, a utilização
de fontes anônimas. Como é que você vai fazer um jornalismo
sem fontes? Então eles abrem aspas e deitam e rolam. E a fonte?
Como é que faz?
Renata
Souza. Você também falou da espetacularização
da crise. O que os donos da mídia ganham com isso?
Palhares.
que está em disputa é aquilo que a gente aprendeu lá
atrás com Marx, que é a luta de classes. Então, se
eles, fazendo essa luta de classes, ganharem dinheiro, melhor ainda, né?
A informação vai chegando na população em camadas.
Tem uma camada que se informa de uma determinada maneira e quando vai chegando
na base da pirâmide, pra atingir essa camada, eles começam
a ter a necessidade de transformar isso num show. Num Faustão, numa
Ana Maria Braga, que passaram a ser críticos. Boris Casoy é
um crítico... Quem é Boris Casoy? Que conteúdo político
tem essa pessoa. Os arautos da moralidade pública. Quem é
essa gente? O show está ligado a isso, é a última
camada de inserção na cabeça das pessoas, é
transformar aquilo num show. É o Casseta e Planeta, o Jô Soares.
Por que a crise demorou, por que os números demoraram a cair? Porque
a onda de informação não é imediata, ela vai
ampliando e se solidificando. Agora chegou a informação.
E a resistência não é nem a política econômica,
porque está claro, está dado que a política econômica
independe do Palocci; só o Lula não se deu conta disso. O
próximo passo é derrubar o Lula. Eles derrubaram o Zé,
agora vão derrubar o Lula.
Renata
Souza. Você disse que José Dirceu errou politicamente. Quais
foram esses erros?
Palhares.
Foram
tantos, mas dá pra resumir em um erro: os métodos que ele
adotou no Partido dos Trabalhadores. Os métodos da hegemonia do
grupo político que ele liderou. Esse foi o grande erro que nos trouxe
a esse patamar. Acabou o militante do coração. Acabou, não
tem mais.
Bruno
Zornitta. Poderia explicar esses métodos?
Palhares.
É
o método da não-discussão, do não-debate, da
interdição do debate. Interdita o debate com a justificativa
de "Não, nós temos que ganhar. Pra ganhar, temos que fazer
alianças".
Bruno
Zornitta. Como anda o Observatório Brasileiro de Mídia?
Palhares.
Parado,
não tem dinheiro. O governo não tem perspectivas. Esse é
o problema.
GUSTAVO
CODAS:
Imprensa
sindical tem abordagem pobre sobre o mundo
Gustavo
Codas, jornalista e assessor de Relações Internacionais
da CUT nacional, participou, pela primeira vez, do curso anual do Núcleo
Piratininga de Comunicação, cujo tema, neste ano, foi “Os
desafios da comunicação de esquerda no Brasil de hoje”. Codas
fez parte da mesa de discussão “Uma Comunicação na
América Latina na realidade de hoje”, juntamente com os jornalistas
Beto Almeida (diretor da TV SUR) e Gilberto Maringoni (autor do livro “A
Venezuela que se inventa”).
Gustavo
Codas, na sua participação, falou da importância de
construirmos uma comunicação independente na América
Latina. “O primeiro a lançar essa idéia foi o general Perón,
nos anos 50, na Argentina”, lembrou.
Nessa
entrevista dada ao Boletim NPC, Gustavo Codas avalia a imprensa
sindical sob a perspectiva de um movimento sindical mais internacionalista.
Nesse sentido, ele é taxativo: a imprensa que os sindicatos fazem
hoje é “pobre” na abordagem de temas internacionais, e mesmo nos
nacionais.
Boletim
NPC. Como você vê a abordagem do mundo pela imprensa sindical?
Gustavo
Codas. Em geral podemos dizer que a imprensa sindical tem uma abordagem
bastante restrita a temas puramente dedicados ao imediatismo das categorias.
E desse ponto de vista, como regra geral, eu não descarto que tem
exceção, é uma abordagem bastante pobre do que são
os temas da conjuntura nacional e mais ainda da conjuntura internacional,
e mesmo os temas do mundo do trabalho que não sejam exclusivamente
aqueles que dizem respeito às questões imediatas que uma
categoria está passando.
Agora,
a minha impressão, é que o problema da abordagem é
menos um problema dos jornalistas da área dos sindicatos ou dos
responsáveis de comunicação e mais um problema político
mais amplo que o sindicalismo enfrenta que é justamente de termos
um cem números de boletins sindicais de categoria, que em conseqüência
retiram, digamos, capacidade de produção de um material com
mais fôlego, já que cada sindicato tem um público restrito
e tem menos condições financeiras do que se várias
categorias de uma cidade fizessem um boletim intersindical, um jornal dos
trabalhadores da cidade, etc.
Então,
eu acho que a imprensa sindical, vamos dizer assim, é vítima
das condições nas quais deve operar. E me dá a impressão
que para alterar isso, para alterar essa limitação que a
imprensa sindical expressa, somente a gente alterando as condições
nas quais a imprensa sindical se desenvolve. E isso significaria, na verdade,
os sindicatos mudarem as suas políticas de comunicação
a partir de uma mudança mais geral da política dos sindicatos.
Eu acredito que os sindicatos colocarão sua comunicação
em processo de trabalho mais conjunto com outras entidades quando sua perspectiva
política também for essa.
Boletim
NPC. Você vê isso também dentro da CUT?
Gustavo
Codas. Sim. Eu diria que também no caso da CUT, em todos os
níveis e instâncias, você vai ver que em geral há
uma abordagem basicamente que diz respeito à agenda sindical imediata.
Do que eu conheço, o que está fugindo, digamos, gradativamente
desse padrão é a página web da CUT Nacional, onde
há por parte da secretaria de comunicação e da equipe
de jornalistas um esforço para ir além do que exclusivamente
a agenda da sua executiva. Então, eu tenho visto que no último
período você pode entrar na página e encontrar material
trabalhado, não é apenas reprodução de outros
meios de comunicação sobre tantas questões internacionais
como nacionais e mais a pauta exclusiva da CUT nacional.
Boletim
NPC. Como assessora de relações internacionais da CUT quais
os temas que você gostaria de ver abordados na imprensa dos trabalhadores?
Gustavo
Codas. Eu acho que a imprensa sindical poderia suprir uma falta de
informação hoje existente que se deve basicamente que as
fontes que a gente tem são exclusivamente, ou quase exclusivamente,
da imprensa burguesa. E como o Chico Buarque diz numa de suas músicas:
“a dor da gente não sai no jornal”. Então, os temas do mundo
do trabalho para saírem normalmente num jornal da grande imprensa
burguesa é uma exceção. Eu entendo que nós
temos hoje por intermédio da internet condições, com
muito baixo custo, de uma divulgação mais intensa no Brasil
de informações sobre lutas que estão ocorrendo em
outros países, lutas sindicais, lutas populares, e que seriam a
sua divulgação muito importante porque daria para os trabalhadores
no Brasil essa noção de uma luta internacional, um processo
de mobilização que não é exclusivamente de
sua categoria, da sua cidade, mas um processo internacional que efetivamente
está ocorrendo.
Boletim
NPC. E a utilização das rádios comunitárias
pelo movimento sindical?
Gustavo
Codas. As rádios comunitárias poderíamos dizer
que foram a primeira tentativa do movimento popular de furar o bloqueio
da comunicação massiva. Então, novamente no caso das
rádios comunitárias eu acho que, primeiro, o grande desafio
é vencer a repressão que continua em cima das rádios
comunitárias. Dois, vinculá-las de maneira que elas também
tenham capacidade de divulgar não somente as questões locais,
mas também de forma mais viva e intensa o noticiário nacional
e internacional.
Boletim
NPC. Existe alguma experiência diferente no mundo, em termos de imprensa
sindical, do que se faz aqui no Brasil?
Gustavo
Codas. Do que eu conheço é pouco que tenha uma imprensa
sindical com padrão diferente. Mas eu acho que isso tenha a ver
com o recuo que houve do sindicalismo sob a pressão do neoliberalismo,
do desemprego, da desestruturação das categorias, etc. Agora
o que nós devemos ficar atentos é que essa fase muito defensiva
em relação ao neoliberalismo está mudando, há
um processo de desestruturação da hegemonia neoliberal. Então
é um bom momento que as direções sindicais e as categorias
se coloquem na perspectiva de buscar na área da comunicação
de implementar políticas diferentes, políticas mais ofensivas,
porque acho que vai ter audiência junto ao povo e aos trabalhadores.
JOÃO
PEDRO STÉDILE:
Movimentos
sociais não conseguem falar com o povo
João
Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), participou do 11.º
Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicações,
realizado entre os dias 30 de novembro a 3 de dezembro de 2005, no Rio
de Janeiro.
Stédile
falou ao público presente, jornalistas e dirigentes sindicais, sobre
o Brasil que a imprensa sindical precisa mostrar. Ele concedeu entrevista
ao Boletim NPC, onde fala do relatório da CPI da Terra, que
Stédile classifica como "mero discurso ideológico", da imprensa
burguesa e da deficiência dos movimentos sociais em criar os seus
meios de informação com o povo ("Estamos muito atrasados
nesse sentido").
Boletim
NPC. Como está a relação do governo Lula com as ações
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra?
João
Pedro Stédile. Primeiro aspecto é a questão da
Reforma Agrária em si, mais do que as ações do MST.
O MST tem uma relação de autonomia com o governo, que nos
permite elogiar no que é bom e criticar no que é ruim. Mas,
no tema da reforma agrária, infelizmente o governo Lula está
em dívida com os camponeses porque ele não conseguiu colocar
em prática nem o seu próprio plano nacional de reforma agrária.
Nem no sentido da concepção do programa que tinha uma visão
de fortalecer a agricultura familiar e camponesa, nem no sentido de alcançar
as metas previstas em assentar 400 mil famílias nos 4 anos e até
agora o governo assentou em torno de 180 mil famílias, então,
o governo tá em dívida. Nós fizemos uma marcha a Brasília
em maio, no final da marcha fizemos um acordo de sete pontos.
De novo,
até agora o governo não honrou com seu compromisso de resolver
aqueles sete pontos. Em especial no item que diz respeito na mudança
de critérios para classificar se uma propriedade é produtiva
ou não. Que é fundamental para você ampliar as desapropriações
que é o que se chama de o índice de produtividade das áreas.
Isto é o governo que decreta por portaria e até agora o governo
não teve a coragem de assinar uma portaria que o ministério
de Desenvolvimento Agrário preparou desde junho de 2004. De maneiras
que: Atenção Sr. Lula, o sr. Está em dívida
com o MST.
Boletim
NPC. O MST reconhece alguma legalidade no relatório da CPMI (Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito) da Terra? A aprovação
do relatório provocará mudanças nas ações
do movimento?
Stédile.
A direita parlamentar usou desde o início a CPMI como um mero palanque
ideológico para tentar desgastar o governo, desgastar a idéia
da reforma agrária e deixar o MST na defensiva. Por isso eles foram
prolongando a CPMI. Acho que é a CPMI mais antiga da história.
Ela durou 2 anos e meio. Ela foi convocada em agosto de 2003 e funcionou
em novembro de 2005. Então, nós não tínhamos
ilusões que a CPMI era uma coisa séria para discutir os problemas
da reforma agrária. Ela sempre foi usada pela direita para nos fustigar.
E lá na direita sempre tiveram religiosamente 13 parlamentares de
diversos partidos políticos vinculados a UDR, chamada de bancada
dos ruralistas. E do nosso lado do MST e das forças progressistas
eram apenas 8 deputados. Mas, felizmente o relator final era o João
Alfredo, ele sempre foi a favor da reforma agrária em sua vida inteira.
O que
a direita fez foi não aprovar o relatório oficial e aprovar
o substitutivo, que é um mero discurso ideológico. Não
tem valor nenhum.
A idiotice
dos ruralistas foi tão grande, usando propostas como esta de que
invasão de terras é crime hediondo e tentando indiciar os
dirigentes do MST, que a própria imprensa burguesa se deu conta
que eles avançaram o sinal e vocês devem ter percebido que
a imprensa burguesa não valorizou o relatório da UDR, de
certa forma, até desqualificaram também, então
as conseqüências políticas do relatório da UDR
não vai ter eficácia nenhuma. E nós, evidentemente,
vamos pegar o relatório oficial do João Alfredo e procurar
dar divulgação e inclusive pegar assinaturas de deputados.
Eu duvido que os ruralistas consigam muito mais assinaturas do que as 13
que votaram lá no dia.
Então.
Ele é um relatório completamente manipulado. Insignificante.
E não representa nem as forças que estão no parlamento.
Boletim
NPC. Qual a relação possível com a imprensa que aí
está?
Stédile.
Tem muita gente que se ilude. Eu mesmo de vez em quando publico artigos
na imprensa burguesa: Folha de São Paulo, O Globo.
Mas isso não representa que a imprensa seja democrática ou
que nós podemos nos iludir. Aqui no Brasil, talvez seja o país
do mundo em que ta mais claro como a burguesia usa os seus meios de comunicação.
Primeiro lugar, eles usam para ganhar dinheiro. É apenas uma fonte
de lucro. Em segundo lugar, a imprensa no Brasil é articulada de
forma oligopólica pra controlar o que o povo deve assistir e ler.
Em terceiro
lugar, como dizia Gramsci, nos países periféricos a burguesia
não usa partidos políticos institucionais pra fazer a luta
ideológica. Os partidos institucionais servem apenas para ascensão
a cargos públicos.
A verdadeira
luta ideológica nos países periféricos eles fazem
através da imprensa. Então a imprensa brasileira burguesa
cumpre o papel de partido ideológico da classe dominante, pra orientar
a sua militância e para fazer o debate ideológico na sociedade.
É assim que nós vemos a imprensa burguesa. Ela faz uma manipulação
que atinge as massas mais despolitizadas, que acreditam no que vêem
na Globo.
A imprensa
burguesa sempre usa a palavra invasão. Porque invasão é
classificado pelo código penal como esbulho possessório.
Tomo um bem que é teu, em proveito próprio. E o que nós
fazemos chama-se ocupação. E o conceito para ocupação
é quando você mobiliza um contingente de trabalhadores, homens,
mulheres e crianças, ocupam uma área, para que o governo
cumpra a lei. Nós não tomamos a propriedade de ninguém.
Eles criaram esse senso comum de que o MST faz invasão, como forma
de instigar.
Boletim
NPC. Os movimentos sociais, populares e os partidos políticos de
esquerda estão se comunicando como devem, com a sociedade brasileira?
Stédile.
De jeito nenhum. É uma tristeza. É uma lástima. A
esquerda é incompetente para fazer meios de comunicação
de massa. Não é pedagógica. Não sabe fazer.
Nós
estamos muitos atrasados na forma de nos comunicar com o povo. Eu estou
falando como autocrítica, porque o MST também tem os seus
meios de comunicação. Temos o jornal Brasil de Fato.
A esquerda
ao longo das últimas décadas desenvolveu mais experiência
de comunicação com a sua militância. Com a militância
nós somos melhores. Fazemos cartilhas, jornais impressos, revistas.
Agora,
de comunicação de massa, aí nós estamos muito
mal, porque temos um refluxo dos movimentos de massa. Há toda uma
geração que não pegou esta experiência concreta
de como, no calor das lutas, temos que nos comunicar rapidamente, e aí
envolve sobretudo o rádio, a televisão e um instrumento que
é pouco referenciado pelos jornalistas, porque não é
da profissão deles, que é a que chamamos de pedagogia de
massas.
A melhor
forma de você se comunicar com as massas é fazer formas de
lutas e fatos que levam a massa a entender a luta de classes. Então
vou dar um exemplo. Recentemente, ficamos 5 anos tentando fazer o debate
sobre a transposição do Rio São Francisco. Publicamos
no jornalzinho, na CPT (comissão Pastoral da Terra),e ninguém
leu. Bastou um bispo resolver fazer 8 dias de greve de fome, aí
pronto! O debate aflorou, todo mundo quis saber o que era. Isto é
pedagogia de massas. Então, no tema do Rio São Francisco,
quem foi o maior comunicador de massas? O bispo Dom Luiz Flávio
Cappi. Ele pode não entender nada de comunicação,
mas fez a melhor comunicação para o povo brasileiro. É
isto que a esquerda tem que aprender a dominar. Formas de comunicar com
as massas.
Bom
Ano Novo!
Venicio
A. Lima, especialista em Comunicação; Vito Giannotti, coordenador
do NPC.
Beto Almeida,
da Telesul, ao microfone; DJ Jorge Luis anima o encontro;
e Eduardo,
pronto para registrar o momento.
Cristina
e Rosângela observam; À esquerda, o eficiente Augusto
Boletim do Núcleo
Piratininga de Comunicação
Rua Alcindo Guanabara, 17,
sala 912 - CEP 20031-130
Tel. (21) 2220-56-18
/ 9923-1093
www.piratininga.org.br
/ npiratininga@uol.com.br
Coordenador:
Vito Giannotti
Edição
e redação: Claudia Santiago (MTB.14.915)
Fotos:
Eduardo Nunes e Mário Camargo.
Web-designer:
Gustavo Barreto e Cris Fernandes.
Colaboraram
nesta edição: Ana Manuella Soares (RJ), Bruno
Zornitta (RJ), Kleber William (MG), Najla Passos (MT), Renata Souza (RJ),
Rosangela Ribeiro Gil (SP) e Vito Giannotti (RJ). [voltar]
Se
você não quiser receber o Boletim do NPC, por favor, responda
esta mensagem escrevendo REMOVA.
|