As
dez menos
(Tiago
Soares)
Crime. Chantagem. Conspiração. Dinheiro. Muito dinheiro. Desde o fim da década de 80, a revista norte americana Multinational Monitor brinda seus leitores, na última edição do ano, com histórias repletas de complôs criminosos, espionagem industrial e ardis financeiros. Passando os olhos pelas páginas da revista, com seus contos sobre movimentações militares suspeitas e experimentos científicos escabrosos, um leitor desavisado teria a impressão de estar frente a uma sucessão de golpes de entidades mafiosas - ou a histórias tiradas de livros de ficção sensacionalistas.
Mas os clichês que povoam as histórias da Multinational Monitor são assustadoramente reais. E os responsáveis pelos atos narrados pela revista não são gangsters caricatos, mas transnacionais muito "respeitáveis". Editada por Russell Mokhiber (que também edita o Corporate Crime Reporter, um tradicional boletim semanal sobre o lado escuro do mundo corporativo) e Robert Weissman (um dos animadores de Essential Information, grupo de editores e ativistas criado em 1982 pelo ambientalista e político norte americano Ralph Nader), a lista é um "quem é quem" do crime corporativo. Shell, Coca Cola, Nike, ExxonMobil, Philip Morris, Citigroup, Monsanto, Wal Mart e General Electric são personagens freqüentes. Em 2003, contudo, houve novidades. À exceção da Bayer, todas as corporações apontadas são estreantes no panteão dos grandes praticantes de crimes contra a humanidade. Não que isso signifique que sejam estranhas ao público. Figuram na lista deste ano velhas conhecidas, como a Boeing ou a Merrill Lynch. Eis a relação:
Bayer - A companhia alemã não teve um 2003 dos mais memoráveis. Além de passar a perna no sistema de saúde norte americano, cobrando valores superfaturados por seus medicamentos, a multinacional omitiu dados sobre os riscos do uso do remédio anti-colesterol Baycol. O produto é apontado, segundo o relatório, como responsável pela morte de aproximadamente 100 pessoas, e invalidez de 1.600, motivo pelo qual a Bayer enfrenta hoje uma avalanche de processos na justiça. E não é tudo. Segundo o diário britânico The Times, a divisão de tecnologia agrícola da Bayer ofereceu dinheiro a estudantes pobres para que se sujeitassem como cobaias em testes com pesticidas.
Boeing - Negócios muito estranhos foram realizados entre o Pentágono e a Boeing no último ano. A companhia foi acusada de superfaturamento em contrato no qual cedia 767s para o reabastecimento em vôo de aviões militares americanos. A denúncia causou o cancelamento dos acordos. Estranhamente, a agente do governo responsável por intermediar o negócio foi contratada logo em seguida pela empresa -- apenas para ser despedida pela companhia quando o caso veio à tona.
Brighthouse - A Brighthouse é uma companhia de assessoria em negócios que procura levar as campanhas publicitárias a um nível ainda mais profundo de manipulação e subliminaridade. Através de seu Instituto de Neuroestratégias, empreende testes nos quais analisa, através de tecnologia de ressonância magnética, a resposta do cérebro humano a peças publicitárias. As informações obtidas, diz a empresa, dão a seus clientes a chave para a investida publicitária perfeita. Para muitos estudiosos, porém, o trabalho da Brighthouse é uma investida pouco ética na área das técnicas de controle mental.
Clear Channel - O negócio da Clear Channel é comprar estações de rádio locais, impondo uma programação padronizada a seus ouvintes. A companhia é a grande detentora dos direitos de radiotransmissão nos EUA, o que significa deter poder sobre o que as pessoas vão ouvir -- e pensar sobre -- no país. Muitos apontam para a Clear Channel como uma das mais importantes ferramentas para a disseminação da doutrina Bush.
Diebold - As urnas eletrônicas da Diebold são o sonho de qualquer hacker. Segurança de dados nunca parece ter sido o forte da companhia -- não à toa, a correspondência interna da empresa a respeito do pouco confiável sistema criptográfico de suas máquinas de votar estava esquecido na Web, num endereço eletrônico desprotegido. Os dados vieram à tona, e o mundo soube que as eleições do mais poderoso país do mundo corriam risco de nova manipulação. A resposta da empresa? O Óbvio: processar quem divulgasse a informação.
Halliburton - Dirigida pelo vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, até sua posse na Casa Branca, a empresa presta serviços de logística. Foi contratada para dar assessoria -- especialmente em logística -- à invasão do Iraque, e à destruição maciça do país. Em seguida, abocanhou a maior parte dos grandes contratos de "reconstrução". O vice-presidente Cheney continua recebendo uma "compensação" anual de 150 mil dólares da companhia...
HealthSouth - A HealthSouth, que oferece seguros privados de saúde, é seguidora da escola Enron de administração. Seus executivos não parecem lidar muito bem com o mundo real e insistem em emitir para público, governo e mercado dados maquiados sobre a saúde financeira da companhia. Por conta disso, os investidores da empresa perderam bilhões de dólares no último ano, o que levou à condenação de quinze de seus mais altos executivos. A corporação, porém, saiu ilesa.
Inamed - Produto certo na hora certa -- para uma companhia como a Inamed, que produz implantes de silicone, a frase cai bem. A empresa, que vende seu produto para mais de 60 países ao redor do mundo, foi intimada pela FDA, agência norte americana que regula a venda de alimentos e medicamentos, a apresentar relatório no qual provasse que seus implantes são seguros para os usuários. O estudo da Inamed não convenceu a FDA, e o produto continua proibido em seu país de origem -- nada que impedisse empresa de seguir vendendo seus implantes "cosméticos" ao redor do mundo.
Merril Lynch - O mundo é um lugar cheio de mistérios -- um dos maiores é o fato de as pessoas continuarem confiando nas análise da Merrill Lynch. É uma companhia que emite análises descalibradas sobre a economia de países em desenvolvimento. Seus operadores recomendam a clientes ações nas quais eles mesmos não investiriam um centavo. Além disso, três de seus mais altos executivos estão envolvidos até o pescoço em negócios nebulosos com a Enron. Ainda assim a companhia não foi incomodada pelas agências do governo norte-americano. E, o que é mais impressionante: continua sendo levada a sério.
Safeway - Uma das maiores redes de supermercados norte-americanas, a Safeway sonha grande: quer eliminar gastos das empresas de comércio com encargos relativos à saúde de seus funcionários. O primeiro passo foi dado: a companhia hoje tenta convencer seus próprios empregados a bancar os gastos do seguro saúde. Na disputa pelo mercado norte americano, a Safeway conseguiu subverter a dinâmica da livre concorrência. Em sua competição com o Wal Mart, quem abre mão de ganhos são os funcionários. E o maior beneficiado é a corporação.
Fontes:
Multinational Monitor - http://multinationalmonitor.org/
Corporate Crime Reporter - http://www.corporatecrimereporter.com/
Essential Information - http://www.essential.org/index.html
Publicado em Porto Alegre 2003: 10/02/2004
http://www.portoalegre2003.org/
Fevereiro de 2004