Antigamente,
íamos buscar votos nas fábricas, bancos, ruas e praças. Hoje, aguardamos
ansiosos o horário político na TV. O que mudou? Traímos a causa? Não,
necessariamente. A classe dominante fragmentou a classe trabalhadora e a grande
mídia bloqueou o caminho da mobilização.
Em
1982 ocorreram as primeiras eleições diretas para um cargo executivo desde o
golpe militar de 1964. Eram as eleições para governador. O horário eleitoral
obrigatório na TV ainda estava sob a chamada Lei Falcão, que proibia qualquer
outra informação sobre os candidatos a não ser uma foto 3 x 4, o número do
candidato e uma breve biografia.
Naquela
época nós do PT não dávamos muita bola para isso. Era ridículo e antidemocrático,
lógico. Mas tínhamos certeza de que nossos votos viriam da presença da militância
nas ruas e nas lutas. Nos comícios de massa e nas portas de fábricas, de
bancos, nas escolas, faculdades e feiras-livres etc.
E
até certo ponto era verdade. A militância ia pra rua com garra e arrancava
votos na discussão e na organização. Ficamos longe de conseguir todos os
votos com que contávamos. Por isso, a luta por mais liberdade de propaganda e
agitação foi ganhando mais espaço. E a mesma pressão que arrancou eleições
para outros níveis de governo, apressou o final da ditadura com as Diretas Já,
também conseguiu derrubar a Lei Falcão. Nas eleições seguintes, em 1985, após
o movimento das Diretas e sob um governo civil, a propaganda eleitoral já não
era mais aquele desfile de fotografias e números, sob a voz abafada de um
locutor oficial.
A
lei passou a permitir a apresentação de propostas e maior liberdade de produção.
E o PT foi um dos que melhor aproveitou essa nova liberdade. Apesar da falta de
verbas e do tempo curto, os programas petistas ganhavam em criatividade. Basta
lembrar, por exemplo, do Zé do Muro, personagem que ficou famoso na campanha
municipal de São Paulo daquele mesmo ano.
Mas
tudo isso foi afastando a necessidade de disputar o voto no cotidiano das
pessoas. Hoje, todos aguardam o início da propaganda na TV para avaliar como
ficarão as candidaturas nas pesquisas. Pior que isso, a TV e a pesquisa se
tornaram nossos dois maiores referenciais nas eleições. Ao invés de irmos
para as ruas atrás de votos, para fazer a disputa corpo-a-corpo, para fazer
nossas candidaturas subirem nas pesquisas de opinião, passamos a aguardar
ansiosamente que o programa político melhore, as pesquisas mostrem a subida de
nossos candidatos, e, claro, que a grande imprensa não abuse demais de mentiras
ou distorções sobre a oposição.
Um
exemplo tristemente inesquecível dessa dependência em relação à TV foi o
debate entre Collor e Lula, às vésperas da eleição presidencial de 1989.
Lula não se saiu muito bem no confronto, mas o maior problema não foi esse.
Afinal, o programa foi ao ar tarde da noite. Provavelmente só assistiram os
petistas mais engajados e aqueles que já tinham opinião formada sobre uma e
outra candidatura. O que deu caráter quase decisivo ao debate foi sua edição
no dia seguinte no Jornal Nacional. Outro desastroso exemplo foi o depoimento de
uma ex-namorada de Lula, comprada pela quadrilha collorida. Também amplamente
repercutida na grande imprensa.
De
lá para cá, só piorou. As redes de televisão e retransmissoras estão sob
controle dos grandes grupos econômicos do país e fazem e falam o que bem
entendem, sem qualquer controle público. Esse quadro mostra que temos uma
verdadeira ditadura da grande mídia no Brasil, cujo personagem principal é a
transmissão pela televisão.
Diante
disso, muitos alegam que a CUT, o PT e os outros partidos de trabalhadores
abandonaram suas origens. Que eles deveriam voltar a ocupar as praças e ruas,
voltar às portas de fábricas, bancos, etc etc. Tudo isso, realmente, tem que
voltar a ser feito. É inegável que a luta pelo voto e por espaços no parlamento, em governos
municipais e estaduais, pela presidência da república acabou por restringir nossa intervenção. E não
é à toa. O parlamento, os governos, a
disputa eleitoral, fazem parte de um jogo dominado pelos poderosos. Eles fazem as
regras e as mudam quando há o perigo de prejuízo a seus interesses. E se isso
acontece no campo da legislação, imaginem quando se trata de usar a grande mídia,
que não conta com qualquer regulamentação mais efetiva. É sopa no mel para a
classe dominante.
Mas
tudo isso não invalida a opção pela disputa institucional. Sem ela, não há
como chegar a grande parcelas da população e denunciar a exploração. Além
disso, quem critica o abandono das ações mais diretas geralmente entende que
não isso não acontece apenas por falta de vontade política de nossas direções.
Como se as condições de dominação não tivessem mudado nos últimos 20 e
poucos anos.
Em
primeiro lugar, as lutas pelas chamadas liberdades democráticas foram muito
importantes para derrotar a ditadura militar. E quando essas liberdades vieram
(o voto direto, a organização sindical nos locais de trabalho, o fim da
censura oficial) a classe dominante tentou vendê-las como o máximo. Como se
nada mais precisasse ser conquistado. Muita gente acreditou. Mas a maioria
queria mais. Queriam melhores condições de vida e foram à luta. A década de
1980 foi um dos períodos de maior número de greves da história do país.
A
classe dominante sentiu o perigo. Começou a agir. Para começar, atacou a
classe operária, grande protagonista das lutas do final da década de 1970 até
os anos 90. A partir do governo Collor, começou o desmonte da indústria
brasileira e o desemprego diminuiu drasticamente o número de trabalhadores nas
grandes indústrias e submeteu aqueles que ficaram nas fábricas à chantagem da
demissão. E isso não aconteceu só na classe operária. Mesmo um setor de
serviços como os bancários, responsável por grandes greves nos anos 80,
perdeu mais 350 mil postos de trabalho nos últimos 20 anos. Com isso perdemos
os lugares onde organizávamos grandes contingentes de trabalhadores para lotar
estádios, praças, ruas etc.
Fora
Collor. Últimas grandes mobilizações
Mesmo
assim, os efeitos do neoliberalismo do governo collorido ainda não haviam
surtido seus efeitos mais profundos. Por isso, fomos às ruas e conquistamos o
impeachment. A queda de Collor colocou as esperanças do povo no PT e seus
aliados. Havia a certeza de que não poderia haver novas aventuras. Só um
governo dos trabalhadores começaria a dar um jeito no país. Mas, a classe
dominante tinha uma carta na manga. Era a estabilidade monetária. O Plano Real
foi escrito em Washington mas, aplicado aqui, surtiu o efeito desejado. O fim da
inflação era uma necessidade dos grandes grupos econômicos internacionais.
Eles queriam mercados novos para fazer seus investimentos. Como esses
investimentos eram em dólares, seria preciso acabar com a farra das moedas
nacionais dos países pobres, que viviam inflacionadas. Era preciso um mercado
estável para que o dólar entrasse e dominasse.
Mais
uma vez o jogo virava a favor da classe dominante, agora com um Fernando muito mais
esperto à frente. Com FHC e o Plano Real, a classe
trabalhadora via seus empregos sumirem rapidamente. Os antigos metalúrgicos,
bancários, químicos, vidraceiros etc começaram a virar donos de pequenos
estabelecimentos, camelôs, autônomos, “biqueiros” etc. A classe que se
reconhecia unida, trabalhando para grandes patrões, ficava cada vez mais
fragmentada pelo mercado informal, campo fértil para o “cada um por si”,
para o mais puro individualismo.
Junte-se
a isso as facilidades que o Plano Real deu para as compras a crédito e temos um
quadro que não favorece os eventos de massa. Que leva a que cada um cuide de
seu mundinho.
Uma
das indústrias mais favorecidas pelas facilidades das compras a prazo foi a
eletro-eletrônica. Principalmente, a de aparelhos de televisão. Até hoje,
padarias e botecos têm TVs instaladas, adquiridas para a Copa Mundial de 1994,
no auge do Plano Real.
Portanto,
por um lado boa parte dos trabalhadores parou de se encontrar socialmente em
seus locais de trabalho. Começaram a disputar uns com os outros no precário e
selvagem mercado de serviços. Por outro lado, a TV aprofundou seu caráter de
intermediadora das relações entre as pessoas. E com essa poderosa aliada, a
ideologia dominante ganhou ainda mais força para se impor aos dominados.
Mudança
começa por assumir a democratização da grande mídia como bandeira prioritária
Assim,
não se trata apenas de querer voltar à velha e boa fórmula das mobilizações
de massa. É preciso verificar o quanto isso é possível. É claro que muita
gente se acomodou nessa situação usando as dificuldades como pretexto para
desistir da luta. Mas do ponto de vista da comunicação e da propaganda das idéias
socialistas, as dificuldades se tornaram muito maiores. E disputar com a TV,
atualmente, é covardia.
Por isso, é preciso que cada sindicato, partido de trabalhadores, entidade popular, coloque em sua pauta de reivindicações e em sua agenda de discussão e mobilização a democratização dos grandes meios de comunicação. Rádios e TVs comunitárias são importantes e devem ser construídas desde já. Mas sem o combate ao monopólio legal da grande mídia, serão uma gota num oceano.