O poder da televisão tem como raiz a ditadura da imagem. E esta está ligado à forma capitalista de produção, cuja forma de convivência social obriga as pessoas a se conhecerem e se relacionarem através das mercadorias.
Ver
é mais fácil que ler, pensar, questionar...
A televisão trabalha com imagens. O texto escrito nela praticamente inexiste. E quando existe, aparece por mera formalidade. Ou são créditos de filmes, jornais e novelas (que ninguém lê), ou são nomes de repórteres, de pessoas entrevistadas, números de telefones, endereços etc. A regra da TV é muita imagem, como não poderia deixar de ser. Afinal televisão quer dizer transmissão de imagens à distância.
Essa característica dá à TV um vantagem enorme. Afinal, ver as coisas é mais fácil do que entendê-las através de textos escritos, que obrigam a um mínimo de esforço intelectual. Basta imaginar alguém lendo um jornal. Ainda que as manchetes e a disposição das notícias obedeçam a uma ordem que induza a uma certa leitura, há sempre a possibilidade de que o leitor acabe escolhendo a ordem dos temas que lhe interessam. Caso típico é o de muitos homens que lêem em primeiro lugar o caderno de esportes. Mesmo este tipo de leitor pode ter sua atenção atraída por esta ou aquela notícia de outra editoria. Ele pode acabar lendo a tal notícia e parar para refletir.
O caso da TV é o contrário. A ordem das notícias já está dada. O telespectador é obrigado tomar conhecimento de fatos que não se restringem às suas predileções. Falando desse modo poderíamos até pensar que a TV acaba tendo um papel positivo. Ela obrigaria o telespectador que só gosta de esportes ou variedade, por exemplo, a se informar sobre política ou economia. Mas, o que a TV dá de um jeito, tira de outro. No caso da leitura, o receptor escolhe o ritmo em que lê, pula parágrafos, pode reler. Há até uma possibilidade de parar para entender as famosas entrelinhas. Com a TV, não. As notícias se encadeiam e o telespectador que acompanhe o ritmo. Além disso, após uma notícia grave sobre a mortalidade infantil ou repressão a grevistas, vem sempre uma informação completamente diversa. Uma matéria sobre esporte ou o casamento do artista X com Y, ou o nascimento de um filhote de panda na China, ou um comercial de automóvel ou cerveja. A reflexão que poderia vir do conhecimento de que muitas crianças morrem, dos motivos e responsáveis por essas mortes, é imediatamente interrompida por outro assunto ou por uma propaganda.
Cartazes, outdoors, faixas, pôsteres...
Tudo isso acontece porque há uma ditadura da imagem em nosso cotidiano. Em praticamente qualquer cidade, vivemos cercados de cartazes, outdoors, faixas, pôsteres, etc. E nas padarias, restaurantes, lanchonetes e bares a telinha é onipresente. As pessoas sentam-se para comer, beber, conversar e não conversam. Ficam assistindo à televisão. E se conversam, a pauta já esta dada. É o que acabou de passar na tela. E isso só acontece porque a imagem tem maior poder de persuasão que o texto escrito ou a simples conversa.
Até os computadores transformaram-se em geradores de imagens. A grande sacada de Bill Gates foi enxergar essa tendência e criar programas de computador que são visualizados e operados através de janelas. De novo, impera o caminho mais fácil. O da imagem, em oposição ao da escrita.
Mas de onde vem essa ditadura da imagem? Por que a imagem e não o som? Ou a própria escrita? Este é artigo não é uma defesa de tese ou um estudo. Não tenho a pretensão e a capacidade para tanto. Mas, vamos tentar algumas pistas.
Fetichismo: pessoas se relacionam através das mercadorias e as mercadorias, através das pessoas
Marx em O Capital chamou a atenção para o que ele chamou de fetichismo da mercadoria. Grosso modo, fetichismo da mercadoria seria o fato de que as pessoas sob o capitalismo se conhecem e se relacionam através das mercadorias. Com exceção de nossos parentes, todas as outras pessoas com quem nos relacionamos são parte do processo de circulação da mercadorias. Podemos conhecer o fulano do açougue em frente, mas primeiramente o conhecemos como vendedor da mercadoria carne. Lembramos do ciclano da padaria da esquina antes de tudo como o vendedor de pão. Quanto a nossos amigos, conhecemos muitos deles porque vendiam ou vendem sua força de trabalho na mesma fábrica, banco, escola etc em que vendíamos ou vendemos a nossa força de trabalho. Desse modo, se o açougue fechar ou um colega for demitido, as chances de perdemos contatos com quem tínhamos relações de amizade são grandes. Por outro lado, se as mercadorias é que são as ligações entre nós, são elas que estabelecem relações entre si. Ela é que tem vida social, não nós. Ou seja, as pessoa se relacionam através das mercadorias e as mercadorias através das pessoas. É esta inversão que Marx chama de fetichismo, pois no fetichismo religioso as coisas ganham movimento próprio e dominam a vida dos seres humanos. E esta é a realidade social que vivemos, gostemos ou não. Pelo menos, enquanto durar o capitalismo.
Ora, outra lição de Marx é que mercadorias não trazem lucros se não forem vendidas. Para serem vendidas precisam atrair o consumidor. A lógica da concorrência capitalista leva que os fabricantes produzam mercadorias parecidas, com preços também parecidos. Portanto, a disputa pelo consumidor passa a ser pela propaganda. E para a propaganda, capitalista não interessa estimular a reflexão. Interessa vender a mercadoria. O ato de comprar um produto é muito simples. A pessoa entrega a mercadoria dinheiro em troca da mercadoria que vai usar. Como impera o fetichismo da mercadoria, não precisamos estabelecer uma relação social com o vendedor para realizar a compra. O que nos interessa é o que compramos, não de quem compramos. Assim, somos sujeitos ao apelo da imagem do produto desejado e não ao fato de quem vende ser ou não um cara legal, se vota no PT ou no Maluf.
Portanto, para ao capitalismo não interessa, nem é preciso, uma compreensão inteligente para que o consumo se realize. Na ausência dessa necessidade, impera o imediato. O que chama a atenção. O mais fácil. E o mais fácil é a imagem, não a escrita. As cores de uma foto, não os significados que as palavras representam. Interessa apenas que o consumidor sinta que ao comprar aquele produto, chegará perto de ser aquele artista famoso, aquela garota bonita, conquistará mais respeito social etc.
Mas a imagem com movimento e som é um veículo ainda mais poderoso. E aí entram o cinema e a TV. Esta última com a enorme vantagem de estar em quase todos os lares brasileiros e do mundo. Portanto, a TV é um componente fundamental para o capitalismo. Para fazer circular as mercadorias. E também para reforçar o tal fetichismo. Afinal, o que faz uma família reunida em frente a uma TV ligada? Conversa? Não! Assiste calada ao desfile de anúncios de produtos. E se sair alguma conversa, será exatamente sobre o sabão mais barato ou aquele carrão da GM. É assim que a ideologia capitalista entra facilmente nas cabeças do povo. Com a a ditadura da imagem e o fetichismo de que a televisão é produto e reprodutora
Num mundo como esse, a ditadura da imagem também acabou impondo-se aos textos escritos. No caso dos jornais, por exemplo, são cada vez menores os espaços dedicados à palavra escrita e cada vez maior a presença de gráficos, fotos, ilustrações etc. Assim, não estamos falando de uma contraposição entre a informação escrita e a televisada. Ao contrário, os jornais impressos são cada vez mais a cara da TV. Complementam o trabalho desta última no sentido de oferecer cada vez menos material para reflexão e cada vez mais material para a memorização sem crítica e estimuladora de desejos consumistas.
Pois bem, o resultado de tudo isso é que até a imprensa sindical ou partidária mais crítica e comprometida com a transformação da realidade é obrigada a evitar textos grandes e sem atrativos visuais. Trata-se de um empobrecimento? Claro. Todos gostaríamos de publicar escritos de Marx, Lênin, Gramsci, Luckács, Florestan, Marilena Chauí, em nossos jornais sindicais. Divulgar as obras de Brecht, Neruda, Drummond, Vinícius, Leminski. Mas não há como fazer isso, se quisermos nos comunicar com os milhões de trabalhadores e trabalhadoras que precisam ser ganhos para as lutas. Pessoas que são diariamente bombardeadas com imagens na rua, em casa, no serviço. Que não conseguem prestar atenção a um assunto por um tempo maior do que aquele que exige uma comercial de TV, um clipe, o trecho de uma novela.
O que fazer? Em primeiro lugar, temos que usar a linguagem que os inimigos usam para mostrar aos trabalhadores como são enganados e iludidos e, na medida do possível, afirmar que há alternativa. Que podemos mudar a sociedade. Mas não há como evitar essa fase intermediária. Sem ela, simplesmente não chegamos nas pessoas. É como querer defender o socialismo entre trabalhadores brasileiros falando a língua natal de Marx. Muitos podem dizer que com isso, corremos o risco de ficar só na fase intermediária. Esquecer a luta pela mudança de verdade, pelo socialismo, etc. Mas é por isso que é preciso começar já. Quanto mais gente estiver do nosso lado, do lado da luta dos trabalhadores, mais difícil será nos perder no caminho.