O Jornal Nacional e a Previdência Social


(Sérgio Domingues

Os seis artigos abaixo são comentários críticos à série de reportagens especiais do Jornal Nacional sobre a Previdência no período de 10 a 15 de fevereiro de 2003. Como se verá a omissão, as meias-verdades e erros premeditados formam uma constante no jornalismo da Globo. Certamente, muito influenciado por seu departamento de teledramaturgia. 


Previdência ameaçada... pelo Jornal Nacional

O Jornal Nacional está apresentando uma daquelas suas séries semanais que fazem estrago. Dessa vez, são reportagens sobre a Previdência Social. Usa “números oficiais” que interessam para colocar a população contra os servidores, e os servidores contra o governo Lula.

“Com números oficiais, você vai ver por que as contas não fecham”, diz o apresentador. “Como o tratamento desigual de trabalhadores comuns e servidores públicos agrava imensamente o problema. E o resultado prático dessa injustiça: se isso não mudar, a aposentadoria de todos os brasileiros estará ameaçada. Um problema que não afeta somente a economia - mas toda a sociedade.” Nesta singela apresentação o programa resume a direção que vai tomar a reportagem. A culpa é do funcionalismo. E não é o JN que está dizendo. São “números oficiais”. Oficiais de quem? Ora, do governo. Que governo? O de Lula, ora. Portanto, servidores, quem está falando mal de vocês é o governo Lula.

Pra começar, obviamente que o governo Lula não mudou os números oficiais que herdou de FHC. Não deu tempo de fazê-lo. Como não deu tempo de diminuir o desemprego que tirou do INSS milhões de novos contribuintes. Não deu tempo de combater as fraudes e a sonegação. Aliás, porque não citar os R$ 70 bilhões que os empregadores devem ao INSS entre os “números oficiais”? Porque aí entra na história um setor que interessa ao Jornal Nacional esconder da crise da Previdência. O empresariado. Esses não. Eles querem é a briga entre população, servidores e governo.

Em segundo lugar, nenhum desses números podem ser assumidos como aqueles de um governo de pouco mais de 30 dias. O diagnóstico da tragédia FHC está só começando. Nessa mesma edição do Jornal Nacional apareceu a notícia de que a dívida deixada pelo governo anterior é maior em R$ 9 bilhões! Quantos “errinhos” desse tipo ainda serão encontrados?

Falar em crise da previdência, culpar o funcionalismo e ainda citar “números oficias” do governo Lula. Eis aí os ingredientes perfeitos para continuar malhando os servidores e ainda jogá-los contra o novo governo. Tudo em grande estilo. Com gráficos, filminhos bonitinhos e entrevistas comoventes, como a feita com Luzia Bezerra Souto. Trabalhadora metalúrgica, ela reclama com razão de seu salário e da perspectiva de uma aposentadoria baixa. Mas a contrapartida feita à situação de Luzia é feita diretamente com o funcionalismo. Quer ver?

Citar números sem dar o contexto: a melhor maneira de manipular a notícia

“A reforma da Previdência tem a ver com privilégios. Com aposentadorias de mais de R$ 20, R$ 30 mil, bancadas pelo dinheiro público. (...) Só no executivo federal, 10,6 mil aposentados e pensionistas recebem benefícios acima de R$ 10 mil - mais do que o salário do presidente da República”, diz o Jornal Nacional. O que o JN deixa de dizer é que esses 10 mil são uma minoria. Que são 10 mil entre mais de 900 mil servidores do Executivo. Claro que a grande maioria das pessoas não tem essa informação. E sem essa informação, não vai poder contextualizar. É assim que funciona o JN (e seus imitadores, em geral também fazem o mesmo). Omite e mostra as informações que lhe interessa. Com isso, não precisa nem soltar o “Isso é uma vergonha!” do Boris. É só mostrar.

E para deixar ainda mais convincente e didático, gráficos em terceira dimensão e animados por computador são apresentados pelo locutor. Tudo muito bonito. Bonito e manipulador, como vimos pela adoção somente dos “números oficiais” que interessam.

A tal série de reportagens continua pela semana. Vamos acompanhar com o nariz fechado, mas olhos e ouvidos atentos.

11/02/2003

Jornal Nacional: meias verdades e omissões sobre a Previdência continuam

Dia 11, o Jornal Nacional continua sua série de reportagens sobre a Previdência Social. Capricha nos ataques ao funcionalismo.De novo, usa somente os números e gráficos que lhe interessam e conta metade da história.

“Os números oficiais mostram que o maior problema da Previdência Social no Brasil, hoje, é o regime de aposentadorias do funcionalismo público: da união, dos estados e dos municípios. Este ano, será um buraco superior a R$ 56 bilhões”. Eis aí o resumo da reportagem.

Pra começar, aparece um economista chamado Flávio Rabelo, sobre o qual não há referências. Ninguém diz de onde ele vem, que apito toca. Quer dizer, que apito toca fica claro por sua declaração: "Qualquer um que olhe esse sistema de fora vê que ele é claramente insustentável e se for mantido como está chegará a um ponto em que causará uma enorme dificuldade pra gestão pública no Brasil". É isso aí, eles colocam um sujeito lá com o letreiro “economista” embaixo pra dizer que "qualquer um que olhe esse sistema de fora...”. Em primeiro lugar, fica o argumento da autoridade. É economista, deve saber o que está falando. Em segundo lugar, o problema está exatamente em olhar o sistema de fora. Quem sabe “tão de fora” que seja o mesmo ponto de vista do FMI.

Mas vamos aos problemas levantados pela reportagem “especial”. O repórter diz que a “diferença entre o que o setor público gasta e arrecada com o pagamento de funcionários públicos inativos chegou a quase R$ 54,5 bilhões, em 2002. Gastamos tudo isso para pagar aposentadorias e pensões para pouco mais de 2,5 milhões de servidores inativos ou parentes.”

Tudo isso deve ser verdade. Mas, haveria que explicar também que, em primeiro lugar, os funcionários públicos inativos pagaram por sua aposentadoria. E pagaram alto.

Estudo mostra que aposentadoria integral é mais do que viável

Vejamos: os servidores públicos são descontados em 11% para a previdência social, sem teto máximo. Já, para os trabalhadores do setor privado há um teto. Isso faz toda a diferença. Usemos o excelente trabalho do Auditor Fiscal da Receita Federal Adelar Frata para explicar melhor. Por exemplo, um servidor público que ganhe R$ 5.000,00 contribui com R$ 550,00 para a previdência (R$ 5.000,00 X 11% = R$ 550,00); enquanto um trabalhador da iniciativa privada, ganhando os mesmos R$5.000,00, contribui com R$ 171,71 para a previdência (R$ 1.561,00 X 11%=R$171,71).

Segundo o estudo de Frata, os R$ 550,00 aplicados mensalmente num plano de previdência privada - Renda Total Individual (PGBL), que pode ser efetuado na página do Banco do Brasil. A mesma página fornece um simulador que pode ser operado facilmente por qualquer usuário. Pois bem, utilizando a taxa de juros anual mais modesta, de 6%, o simulador mostra que servidor em questão teria, após 36 anos de contribuição, um valor de aposentadoria superior ao que o serviço público pagaria e ainda teria uma reserva acumulada de R$ 795.290,93! E notem que não estamos falando da parte que o governo teria que pagar como empregador. Ou seja, 22%. Ou seja, o dobro do que o servidor do exemplo aplicou!

Muito bem, se é assim, perguntaria o leitor e a leitora, onde foi parar essa dinheirama? Ganha um chocolate quem responder que foi para qualquer outro lugar, menos para o fundo que deveria custear. Alguns especialistas falam em R$ 500 bilhões desviados do caixa da previdência. E esse dinheiro foi para projetos como Itaipu, ponte Rio-Niterói, usinas de Angra dos Reis, etc. Obras que podem até ter sua importância,, mas que foram financiadas por aqueles que hoje estão sendo linchados pelo palavrório da grande mídia, Globo à frente. Além disso, desde a saída dos militares de cena, esse dinheiro tem ido para o pagamento da dívida pública deixada pela ditadura e multiplicada por Sarney e pela dinastia dos Fernandos.

Os dados mostrados pelo JN não vão tão longe. Só contam metade da história. Aquela que interessa para crucificar o funcionalismo. Esperemos que o novo governo mostre logo que veio para fazer justiça social.

12/02/03

 

Jornal Nacional usa idosos para voltar a bater nos servidores

Na terceira reportagem da série sobre a Previdência, o Jornal Nacional comemora o aumento do número de idosos. Os aumento na expectativa de vida é “uma conquista do Brasil” diz William Bonnner. Mas, novamente, para o JN os vilões do serviço público estragam a festa.

A edição foi ao ar na noite do dia 12, mostrando que, em cinco décadas, aumentou a expectativa de vida dos brasileiros. Segundo o IBGE, essa expectativa em 1950, era de 45 anos. Em 2002, chegou a 68.

“Mas, diz o repórter Vinícius Dônola, esses avanços têm um custo: do jeito que está, a Previdência Social não dá conta de bancar benefícios, num país que envelhece a cada ano.”

Aí, Dônola, simplesmente faz uma estranha ligação. Falando em idosos, lembrou de quem? Dos servidores públicos, claro. Afinal, a série de reportagens foi feita de encomenda para bombardear esses trabalhadores. Então, se estamos falando de uma coisa, qualquer coisa, o que vem em seguida será a culpa dos servidores públicos.

Falando em idosos, que tal atacar o funcionalismo novamente?

Pois é. Aí, o repórter usa essa lógica e diz que “só com aposentadorias e pensões dos funcionários públicos inativos, foram gastos R$ 61,5 bilhões, no ano passado. A arrecadação do setor nesse período não chegou a R$ 7,5 bilhões.”

Mas que arrecadação? No artigo de ontem mostramos que o desconto feio nos salários dos servidores dá e sobra para financiar suas aposentadorias. Que o problema é o sumiço do dinheiro em meio às verbas da União e o fato de que o governo não paga sua parte como empregador. Mas aí já seria pedir demais do JN. Já não mostrou ontem, porque iria mostrar hoje?

Sigamos. Depois de escalar mais um “especialista” chamado Padovani pra soltar algumas obviedades, a reportagem vai até a casa da professora Daise Calazans. Ela cometeu o crime de se aposentar como professora municipal aos 41 anos. A reportagem diz ainda que a abusada professora continuou trabalhando com docente estadual até os 51 anos, quando se aposentou também pelo estado.

Vejamos, segundo a própria reportagem, a expectativa de vida no Brasil estaria hoje em 68 anos. Portanto, a abusada professora ousou se aposentar 27 anos antes de sua provável morte! Que tal se ela trabalhasse até os 60 anos e depois definhasse os outros 8 anos?

Todos sabemos que a aposentadoria especial para professor é mais do que justa. Ninguém foi capaz de se colocar contra ela. E olhe que os professores públicos não fazem parte de qualquer lobi poderoso. Portanto, que sentido tem utilizar esse exemplo? Só o de colocar novamente os servidores públicos no alvo.

No capitalismo, trabalhar é uma tortura para 90% das pessoas

E tem mais. Quando se fala que no Brasil muita gente se aposenta cedo, há um esquecimento geral na grande mídia de que trabalhar sob o capitalismo é uma tortura para 90% das pessoas. A grande maioria dos trabalhadores não faz o que gosta, ganha mal, trabalha em condições perigosas para a saúde e a integridade física, enfim, não sente prazer no que faz. E entre essas pessoas estão o funcionalismo público. Aliás, não à toa um setor que conseguiu até agora escapar do desemprego em massa que atacou outros setores de trabalhadores e enfraqueceu sua capacidade de organização. Mas essa é outra história.

Voltando ao JN, a reportagem depois de dar sua paulada nos servidores, entra a falar do tal do déficit da Previdência. Dessa vez vai pra cima dos trabalhadores rurais. Diz que “no ano passado, só com o pagamento de pensões e aposentadorias rurais, foram R$ 15 bilhões. Um benefício que distribui renda para 5 milhões de brasileiros que vivem do campo.”

“É uma política social justa e importante, admite o repórter, “mas que desequilibra ainda mais as contas da Previdência.”

Novamente, entra em pauta o bendito déficit. Já falamos sobre isso aqui, mas não custa repetir. Em primeiro lugar, os benefícios rurais são em sua grande maioria assistenciais. E benefícios assistenciais são de responsabilidade do Tesouro Nacional. Não do caixa da Previdência. Além disso, o INSS tem como fonte de recursos as contribuições sobre a folha de salários. Mas elas não são as únicas. As contribuições sociais como a CPMF, COFINS e outras, também deveriam ir para a Previdência, segundo o que diz a Constituição. Deveriam, mas não vão. Portanto, a Previdência paga benefícios que não são de sua alçada, os assistenciais, e deixa de receber contribuições que deveriam financiar as despesas que é obrigada a fazer. Isso quer dizer que o tal déficit da Previdência é na verdade um desvio de seus recursos que vão para o orçamento geral. Lá, no orçamento geral, misturam-se aos bilhões pagos aos credores nacionais e estrangeiros.

Resumo da edição do dia. O Jornal Nacional comemora o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, aponta os servidores como estraga prazeres e ainda insinua que o benefício rural pode ser um privilégio incompatível com o equilíbrio das contas da Previdência.

13/02/03

 

 

Jornal Nacional quer movimento sindical dócil

“As chances do governo do PT fazer a Reforma da Previdência são maiores do que as de governos anteriores”, essa é a infeliz conclusão apresentada logo no início do quarto programa da também infeliz série do Jornal Nacional sobre a Previdência. Tanta infelicidade deve-se ao fato de que o JN e certos “especialistas” esperam que o movimento sindical combativo diga amém a tudo o que o mercado quer impor ao governo Lula.

Não será bem assim. Mas vamos por partes. A reportagem começa dizendo que “a proposta de reforma da Previdência é apresentada depois de um ano em que o déficit bateu um recorde histórico”. Um ano. Que ano? Se não me engano, esse ano foi o último do governo FHC. Lembram dele? Pois é. Novamente o nome do FHC nem é mencionado. Virou Fulano HC.

Aí, entra de novo o “especialista” Roberto Padovani, que ninguém explica quem é. Só que é economista. E isso basta para fazê-lo autoridade no assunto. "O governo, poderia priorizar áreas sociais, por exemplo, e não usar os recursos tributários para cobrir déficit previdenciário", explica o sabido economista. Só não explica que inverteu o raciocínio. O que ele acha que é área social? Se não incluir a previdência, inventou uma nova concepção de área social. Além disso, a inversão também está no fato de que não é verdade que a recursos tributários cobrem o déficit previdenciário. Ao contrário, é a arrecadação da seguridade que é desviada para cobrir o rombo da dívida pública.

Vamos relembrar. A previdência só tem déficit porque o que é arrecadado através de contribuições deveria ir para o seu caixa e não vai. É desviado para o orçamento geral da União. É o caso da COFINS. Aliás, sabe o que quer dizer COFINS? Contribuição para o Financiamento da Seguridade. Precisa dizer mais alguma coisa?

E a reportagem continua. Dessa vez com outro “especialista” pescado pelo Jornal Nacional. É um tal de José Roberto Mendonça de Barros: "O mais imediato e o mais importante é a possibilidade de baixar as taxas de juros. Com a reforma feita, certamente o Risco Brasil e a própria taxa de juros, praticada pelo Banco Central, poderia ser reduzida de forma mais importante, facilitando a retomada do crédito e do crescimento", afirma o economista. Ora, cansaram de dizer e fazer isso na época do Fulano HC. Fizeram reformas de todo o tipo e o Risco Brasil não caiu. Caíram direitos, conquistas, o nível de emprego, a segurança, o nível de vida. Mas nem Risco Brasil, nem taxa de juros saíram de suas órbitas espaciais.

Mas tudo bem. Como o passado está esquecido, o JN não tem que explicar nada disso. O que a reportagem quer é falar no futuro. Para isso, chamou mais um especialista. É o cientista político Sérgio Abranches, que nos presenteia com a seguinte pérola: "A oposição à reforma vem basicamente do setor sindical. Então, um partido que vem dos trabalhadores, que assume o governo pela votação majoritária, tem mais confiança da sua base pra conseguir fazer as mudanças".

CUT reafirma: retirada do PL 9 e revogação da emenda da reforma da previdência

Tudo certo. Realmente o governo Lula conta com a confiança dos trabalhadores. Mas, não para que o mercado continue a avançar nas conquistas dos trabalhadores. Isso, nem o governo Lula quer fazer, nem os trabalhadores vão deixar. Taí a CUT, que na última reunião de sua Executiva Nacional reafirmou seu posicionamento contrário ao PL 9 e pela revogação dos artigos referentes à previdência social da emenda constitucional nº 20. O PL 9 é aquele que quer impor novas regras para os futuros servidores. Uma medida que pode afetar também os interesses dos atuais servidores e foi combatida pelos partidos de oposição no governo passado. A emenda 20 é a famigerada Reforma da Previdência, que roubou direitos que temos que recuperar.

A reportagem se encerra com as palavras do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Segundo ele, a reforma é uma das prioridades do governo Lula.

"O presidente Lula sabe que o problema da Previdência pode não estourar no seu governo, mas sabe que a médio prazo o situação é grave. Nós precisamos dialogar com os setores, precisamos dizer que não se trata de uma reforma para tirar direitos, mas para garantir no futuro, para garantir esses direitos de maneira sustentáveis. Essa é uma medida em que o governo, os servidores, a sociedade precisa verificar que não pode só garantir o seu direito só de amanhã, precisa garantir os direitos da sociedade daqui a dez, 20 anos. É assim que se faz um país sólido, equilibrado, um país sustentável".

Concordamos com o ministro principalmente quando ele diz “que não se trata de uma reforma para tirar direitos, mas para garantir no futuro”. Também defendemos que a previdência tem que garantir “os direitos da sociedade daqui a dez, 20 anos”. Mas, para isso é preciso mexer em interesses poderosos. Aqueles que querem continuar vendo o dinheiro da Previdência desviado para pagar os grandes grupos econômicos através da dívida pública e aqueles que sonegam e fraudam seus cofres. Geralmente, uns e outros são os mesmos.

O movimento sindical combativo está ao lado do governo Lula. Mas os abutres do mercado vão passar fome se acham que a CUT vai fazer sindicalismo chapa-branca. A CUT nasceu contra o atrelamento sindical ao governo. Não será agora que vai jogar essa tradição de luta fora. Inclusive, para ajudar o governo a corrigir seus erros.

14/02/3003

 

 

Jornal Nacional elogia previdência privada e esquece os estragos que já causou

“Novas opções”. Este é o tema da quinta reportagem da série do Jornal Nacional sobre Previdência, levada ao ar em 14/02. Na verdade, uma defesa da aposentadoria complementar privada. Mostra as maravilhas desses fundos e deixa de lado o estrago que fizeram em países como Argentina e Chile.

A reportagem até que começa bem. Mostra o trabalho da força-tarefa do INSS, que investiga casos de fraudes na Previdência. Esta equipe, diz a reportagem, já levantou fraudes de quase R$ 2 bilhões no Rio de Janeiro. Taí um lado sempre mal discutido quando se fala em melhorar a Previdência. Afinal, essas fraudes envolvem gente graúda e grana graúda. Teria que receber muito mais atenção do que pretensos privilégios de trabalhadores.

Mas, é claro que o Jornal Nacional não se aprofunda no tema. Afinal, o tema da edição são os fundos de previdência privada. Mas antes de ir ao assunto o Jornal não perde a chance de dar mais uma paulada nos servidores públicos. Depois de ficarem ausentes da 4a reportagem da série, nesta eles voltam à cena. E voltam sob mesmos ataques e “mentiras sinceras” (com o perdão de Cazuza) das edições passadas.

Para o JN, sonegação, fraudes e funcionalismo são um assunto só

No melhor estilo global de jornalismo, o JN emenda a denúncia da sonegação e fraudes com a situação do funcionalismo como se ambos fossem problemas de mesmo quilate. A reportagem lembra a mal fadada reforma do governo FHC, sem lhe citar o nome, claro. Diz que um “dos itens já aprovados [naquela reforma] foi a contribuição dos servidores públicos municipais, estaduais e federais.” Surpreendentemente a reportagem também diz que o desconto no caso dos servidores da União é de 11% sobre o salário bruto. Surpreendentemente porque essa informação costuma ser esquecida pela grande mídia. De qualquer maneira, o fato de que o desconto seja sobre o salário bruto sem limite deveria ser complementado com o alerta de que na iniciativa privada não é assim. E que a diferença ajuda a explicar porque servidores públicos têm direito a aposentadoria integral. Mas isso já foi tema de um nosso artigo anterior (Jornal Nacional: meias verdades e omissões sobre a Previdência continuam).

Logo após, a reportagem afirma que "desde o início do século 20, de 1909 até 1997, o servidor público não contribuía para a aposentadoria.” Essa não é a verdade completa. A partir dos anos 1970, grande número de servidores passou a ser contratados pela CLT. E pagavam a previdência como qualquer outro trabalhador. Portanto, havia contribuição, sim. O que aconteceu é o que já dissemos no último artigo. Não foi formado um fundo com essas contribuições. O que foi arrecadado através delas “sumiu” no orçamento geral da União. Novamente os servidores públicos são condenados pelo que não fizeram. Fato comum na infeliz série do JN sobre Previdência.

Fator previdenciário atropela a Constituição

Renovada a paulada nos servidores, o programa parte para novas meias verdades. Desta vez, sobre a exigência de idade mínima para a aposentadoria. Depois de explicar que “na última década, foi criada a idade mínima para a aposentadoria de novos servidores”, a reportagem afirma que “a idade mínima para aposentadoria dos trabalhadores comuns não foi aprovada”. Realmente, a medida não foi aprovada, mas entrou pela porta dos fundos através do chamado fator previdenciário. A reportagem até fala sobre a criação do fator previdenciário, mas não diz que a medida representa, na prática, a exigência de idade mínima para a aposentadoria dos trabalhadores do setor privado. Afinal, aplicado o fator previdenciário, o trabalhador ou trabalhadora pode até se aposentar quando acumular o tempo de contribuição necessário, mas receberá uma aposentadoria de valor menor. A diminuição pode chegar a 50%. Diante disso, é óbvio que a candidata ou candidato à aposentadoria vai ser obrigada a se aposentar mais tarde. Um escândalo que é social, mas também jurídico. A exigência de idade mínima para aposentadoria não está na Constituição, mas virou uma obrigação imposta por uma lei complementar. Então é inconstitucional!

Ainda assim, o Jornal Nacional derrama lágrimas sobre a “limitada” Reforma da Previdência do nunca citado FHC.

Mas o tema da 5a edição da série é, na verdade, os planos de aposentadoria complementar. Citando exemplos envolvendo uma microempresária, um contador e um engenheiro, a reportagem procura demonstrar o ganho no valor da aposentadoria para quem recorre a fundos privados de aposentadoria ou fundos de pensão de empresas. Os primeiros são administrados por seguradoras que aplicam a contribuição do trabalhador no mercado financeiro. O segundo, é feito por empresa. Os funcionários recolhem parte do salário para um fundo, que também conta com uma contribuição da empresa, igual ou maior que o valor recolhido pelo empregado.

Dono de seguradora diz que previdência privada é confiável. Desastres na Argentina e Chile desmentem

Em relação aos planos privados de aposentadoria complementar, o JN convoca para falar mais um daqueles “especialistas”. Dessa vez, alguém que pode até entender do assunto, mas está longe de ser isento na questão. Trata-se de Marcos Falcão. "O sistema está bem blindado, diz ele, o seu dinheiro na Previdência complementar, ele está separado e é garantido, é fiscalizado pelo governo para que nada aconteça". O que ele faz? É presidente de uma seguradora!

Não negamos que um dono de seguradora possa ser entrevistado. Mas depois de falar com um presidente de uma seguradora, o JN bem teria ouvir o tal do “outro lado” dessa história. Poderia mostrar, por exemplo, o que aconteceu com fundos privados de aposentadoria em outros países. Poderia enviar seu repórter ao Chile. Ele iria descobrir que lá os fundos privados dominam todo o mercado. E que um professor da Universidade do Chile, com um salário de 800 mil pesos se aposentaria, hoje, pelo sistema privado, com um benefício de 250 mil pesos. Mas no antigo sistema estatal, sua aposentadoria seria de 580 mil pesos. Mais que o dobro do valor oferecido pelo maravilhoso mercado financeiro (matéria de O Estado de São Paulo - de 12 de novembro de 1999).

Se o mesmo repórter passasse pela Argentina na volta do Chile, ficaria sabendo que o mercado argentino foi aberto para as Administradoras de Fundo de Aposentadorias e Pensões em 1994. Desde então, as coisas só pioraram. Em 1999, o ex-secretário de Seguridade Social do governo do ex-presidente Raúl Alfonsín, Emilio Cappuccio concedeu uma entrevista ao Estado de São Paulo (14 de novembro). Segundo Cappuccio, é verdade que o sistema estatal não conseguia pagar os 70% do último salário determinados pela lei. A aposentadoria chegava no máximo a 60%. Mas o novo sistema privado, na melhor das hipóteses, pagará 25% do último salário. "E, na pior das hipóteses, nada, já que as Administradoras de Fundo de Aposentadorias e Pensões podem ir à falência", acrescenta Cappuccio. Se essa era a realidade de 1999, imagine a situação em que se encontram hoje os trabalhadores argentinos que esperam se aposentar um dia. Muito provavelmente esse dia nunca chegará para eles.

Mas, o Jornal Nacional preferiu não fazer nada disso. Preferiu ouvir o presidente de uma seguradora.

Encerrando a edição do dia, Vinícius Dônola recita o roteiro de forma solene e diz que o novo governo quer “uma previdência justa com a sociedade e equilibrada com suas contas. Um novo modelo para um novo país”. É o que esperamos. Mas, chegar lá ficará muito mais difícil se continuarmos sujeitos à desinformação, distorções, omissões e meias verdades da grande mídia monopolizada do país.

17/02/2003

 

 

Jornal Nacional encerra série contra a Previdência Pública e seus trabalhadores

Em 15/02, foi finalmente ao ar a sexta e última parte da série sobre Previdência Social cometida pelo Jornal Nacional. Dos seis programas, quatro se dedicaram a atacar o funcionalismo. Os dois últimos preferiram defender a previdência privada. Em todos, usou meias verdades para atacar o sistema público e seus trabalhadores.

No programa anterior, o JN já havia entrevistado um presidente de seguradora que garantiu a segurança do investimento na previdência privada. Sem primar pela objetividade no jornalismo, o programa preferiu não conferir as declarações do empresário securitário mostrando experiências de outros países. Mas em nosso artigo passado, muito mais preocupados, trouxemos alguns dados sobre os desastres provocados pela previdência privada no Chile e na Argentina (Jornal Nacional elogia previdência privada e esquece os estragos que já causou).

No entanto, o Jornal Nacional resolveu insistir na tecla da defesa da previdência privada. E dessa vez foi buscar exemplos em outros países. Não na Argentina ou no Chile, mas nos Estados Unidos e Inglaterra. Louvaram o sistema num e noutro país, como sempre citando exemplos bem concretos. No caso dos Estados Unidos, foi entrevistado um casal brasileiro, para que o argumento ficasse ainda mais convincente.

Segundo a reportagem, os gaúchos Cláudio e Lourdes Casassola se aposentaram pelo sistema de Previdência americano. Cláudio recebe US$ 900 por mês e Lourdes, US$ 450, benefícios que garantem as necessidades básicas. Até aí tudo bem.

Mas o próprio Jornal Nacional se encarrega de fazer uma observação importante como se fosse um detalhe. “O que garante uma aposentadoria tranqüila não é apenas o seguro social (...) O americano tem que ter suas próprias economias ou um fundo de pensão complementar.”

Aí que está o problema. Em primeiro lugar, a previdência norte-americana funciona pelo sistema de contribuição definida. Ou seja, a trabalhadora sabe com quanto vai contribuir para o sistema, mas não sabe quanto vai receber. O contrário disso é o sistema de beneficio definido. O valor da aposentadoria já fica definido de antemão. É o caso da aposentadoria do servidor público brasileiro, que sabe (ou espera) que o valor de sua aposentadoria será o equivalente ao seu último salário na ativa.

Em segundo lugar, nos Estados Unidos, o sistema de financiamento é por capitalização. Ou seja, o que é descontado da trabalhadora ou do trabalhador é investido no mercado de capitais. Principalmente em ações de grandes empresas. No Brasil, voltando ao exemplo local, o sistema é de repartição. O que é descontado do trabalhador da ativa (e de seu patrão) financia a aposentadoria dos inativos. É um pacto entre gerações. A geração que trabalha hoje garante o sustento daquela que não tem mais condições de trabalhar. Mais do que isso, é um pacto de classe. Um pacto interno à classe trabalhadora, em relação à qual a contribuição patronal é uma espécie de indenização. Uma indenização muito pequena, porque nenhuma indenização compensa a exploração da força de trabalho.

Além disso, esse sistema acaba criando uma solidariedade interna a ele. Os trabalhadores de maior remuneração ajudam a financiar a aposentadoria para os que recebem menos e não teriam condições de financiar sua própria aposentadoria (leia mais sobre isso no artigo Previdência tem que ser sinônimo de solidariedade).

Estados Unidos: escândalo nas bolsas de valores puniu idosos

Portanto, o sistema de capitalização é individualista e não solidário. Não é um pacto entre gerações e trabalhadores, mas uma fonte de lucro para o mercado especulativo. E em relação a este último aspecto, o sistema de capitalização é uma verdadeira bomba-relógio que quase sempre explode no colo dos aposentados.

A última dessas bombas foi detonada em outubro de 2001, quando ficou provado que a companhia de energia elétrica Enron estava declarando lucros artificiais. A companhia deixou dívidas de US$ 15 bilhões, boa parte dela com fundos que aplicaram as economias de trabalhadoras e trabalhadores para sua aposentadoria. E depois desse ainda vieram novos escândalos, como da Worldcom (MCI), Xerox e Vivendi.

O resultado é que em julho de 2002, 40% dos idosos norte-americanos estavam trabalhando, a maior taxa desde janeiro de 1984. Entre as mulheres, foi registrado novo recorde histórico, de 28%. A participação das mulheres com mais de 65 anos na força de trabalho dos Estados Unidos subiu para 6,5% nos últimos 12 meses. Hoje, apenas 50% da população têm algum tipo de plano de pensões (01.09.2002 - JB on-line).

“Os idosos estão adiando planos de aposentadoria ou voltando ao trabalho depois de a queda dos mercados acionários ter abocanhado parte de suas economias nos últimos dois anos”. Diz Lou Dobbs, que longe de ser algum defensor de bandeiras populares, é jornalista da CNN americana.

Aí estão as maravilhas do sistema norte-americano de aposentadorias. Uma história da carochinha contada pela Rede Globo, que é líder em teledramaturgia também em seu departamento de jornalismo.

Quanto à Inglaterra, o exemplo usado pelo Jornal Nacional foi nada menos do que a rainha Elizabeth II. “Com 76 anos de idade, diz o jornal, ela poderia estar aposentada há 16 anos." É que a aposentadoria lá exige idade mínima de 60 anos para as mulheres e 65, para os homens.

Funciona assim desde 1980, quando houve uma reforma geral na Previdência britânica, que obrigou também que todos são obrigados a pagar um plano de aposentadoria particular, para complementar a pensão que o Estado paga. Cerca de metade do salário mínimo inglês.

Idosos ingleses também levam prejuízo devido a perdas nas bolsas

Tudo muito bom, tudo muito bem, não fosse o fato de que o sistema está quebrando. Centenas de milhares de homens britânicos com 54 anos ou mais e mulheres de 49 anos ou mais que aderiram a fundos de pensão privados estão sendo aconselhados por grandes seguradoras privadas a voltar para o setor estatal. Nos próximos cinco anos, três milhões podem voltar para a Previdência Social. (Previdência privada entra em colapso na Inglaterra, artigo de Nelson Franco Jobim, da Agência Carta Maior).

E adivinhem porque? Devido à queda no preço das ações nas bolsas de valores, onde os fundos de previdência privada aplicam a maior parte do dinheiro que arrecadam.

É assim que o JN não explica como funcionam os planos privados de previdência. É assim que mostra como seu jornalismo escolhe verdades parciais para contar mentiras completas.

18/02/2003

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