Sou daqueles que torceram e ainda torcem o nariz para a contratação de Duda Mendonça para a campanha do agora presidente Lula. Mas tenho que dar o braço a torcer. O cara acertou na mosca. O problema é que as fragilidades do discurso genérico vão ser exploradas pela mídia quando chegar a hora certa. E aí, temos que estar prontos para responder.
Os
acertos de Duda: O patrimônio político do PT
Comecemos
pelos fatores que Duda Mendonça encontrou pela frente. Em primeiro lugar,
nestes mais de 20 anos de existência, o PT formou um patrimônio político
muito sólido e definido. Um patrimônio de compromisso com a democracia
participativa, com os movimentos popular e sindical, com o funcionamento partidário
e programático, com a ética e a honestidade administrativas. Tudo isso com o
socialismo como pano de fundo cada vez mais difuso e distante da discussão na
prática cotidiana.
Essa
trajetória começou foi acompanhada pela população. O povo viu o PT ousar lançar
um candidato metalúrgico, grevista, radical, para o governo estadual de São
Paulo nas eleições de 1982. Viu esse partido capitanear o desafio à ditadura
militar que significou o movimento pelas Diretas e depois essa mesma agremiação
recusar-se a compactuar com a traição que significava comparecer ao Colégio
Eleitoral. O PT denunciou o Plano Cruzado contra a maré dos fiscais de Sarney.
Apoiou a maior greve geral do país, em 1989, e no mesmo ano voltou a ousar.
Colocou seu candidato metalúrgico para disputar com o playboy collorido no
segundo turno das primeiras eleições presidenciais em 30 anos. Foi o PT que de
novo liderou as grandes manifestações contra Collor, que levaram à sua renúncia.
O teimoso e determinado partido novamente remou contra a correnteza e se recusou
a participar do governo Itamar. O mesmo governo que iria parir o Plano Real para
eleger FHC. E apesar do enorme apoio popular ao Real, novamente o Partido dos
Trabalhadores se coloca na oposição por dois longos e terríveis mandatos
tucanos.
A
oposição sistemática e teimosa, no entanto, não ficou no discurso. Do contrário,
o partido da estrela se veria condenado ao posto de inspetor de qualidade da
pobremente qualificada democracia nacional. Assumiu muitas prefeituras e alguns
governos estaduais. Aos trancos e barrancos, manteve uma linha coerente de
administração limpa, transparente (na medida do possível), voltada para os
pobres. Acabou mostrando (com entusiasmo demais, às vezes) que não tentaria
incendiar as instituições, mas que tampouco se deixaria levar pelos
expedientes políticos tradicionais.
Lula
não é o PT, mas é seu símbolo mais acabado e visível
Por
outro lado, havia Lula. Gostemos, queiramos, concordemos ou não, Lula é a cara
do PT. Lula não resume o PT, mas é seu símbolo mais acabado e visível. E sua
condição de operário e nordestino. De liderança sem a instrução formal
cobrada pelos bacharéis bandidos que sempre governaram o país. Com sua voz
grossa, enfezada e indignada com a realidade triste do país, Lula nunca deixou
de ser radical. Não, para o povo. Muitos de nós discordamos das posições de
Lula no interior do PT ou da esquerda. Mas inúmeras vezes defendemos Lula de críticas
conservadoras, preconceituosas, caluniosas. Nestes mais de 20 anos de vida política,
dificilmente alguém do povão acusou Lula de ser moderado, pelego, traidor,
liberal. Ao contrário, as críticas mais comuns sempre foram as de ser
analfabeto, incendiário, baderneiro, grevista, vagabundo. E todos nós da
esquerda, do mais moderado membro da Articulação ao mais convicto revolucionário
do MST, nunca deixamos de combater esse tipo de crítica. Até que cada uma
daquelas acusações foi ficando no caminho, sem que as críticas de esquerda
ganhassem força.
Vejam
bem, não estou dizendo que a trajetória de Lula foi impecável. Que concordo
com os rumos que ele e a direção do PT tomaram. Não. Estou dizendo que a cara
do PT é o Lula. E que os dois construíram uma imagem que, apesar de perder
muito de seu radicalismo, continuou significando mudança, apego a princípios,
intransigência com a corrupção e a injustiça.
Os
acertos de Duda: Muita música, sorrisos e pouca política
É
aí que entra Duda Mendonça. Diante de um tal patrimônio simbólico, o que fez
Duda? Usou música, imagens, filmes bonitos, muitos sorrisos de mulheres e crianças,
fotografia e iluminação perfeitas. E é claro, um Lula sorridente, calmo, bem
vestido. E pouco, muito pouco, discurso político. Afinal, para que lembrar que
o PT fez isso e aquilo? É contra isso ou aquilo? Todo mundo sabe. E o discurso
político? Este ficou o mais genérico possível. Confundiu-se com os de outros
candidatos. Mas não fez mal. Com a cara do Lula, ninguém, querendo ou não
mudanças, duvidaria de que uma vez presidente tudo mudaria. E como o eleitorado
buscava a mudança, Lula venceu.
O
poder dessa tática fica claro quando vemos como a grande mídia respondeu a
ela. A grande mídia fracassou na tentativa de derrotá-la. Primeiro, quis
mostrar que o discurso do PT/Lula era um e a prática, outra. Que estavam
escondendo o jogo. Lembravam as posições sobre a dívida externa, a ALCA,
reforma agrária etc. Diante disso, os membros da candidatura simplesmente
respondiam: “Mudamos. Ficamos mais moderados e maduros, mas continuamos
achando que é preciso pensar no pobre, na educação, na saúde etc”. E a
população ficou satisfeita. Sabe por que? Porque o discurso e a prática do PT
tem sido essa mesma nas prefeituras, governos estaduais e entre a maioria de
seus parlamentares.
Depois
disso, a mídia tentou dizer que o PT não era mais aquele. Que perdera a
autenticidade. Se era para ser mais do mesmo, melhor ficar com o mesmo. Melhor
ficar com Serra. Também não funcionou. E de novo porque entre o discurso mais
agressivo de um candidato tucano com medo de ser identificado com FHC e Lula,
que jamais seria identificado com o presidente, não havia competição possível.
Lula era a cara da mudança por mais que moderasse seu discurso e envergasse
ternos bem cortados.
Mas
Duda não caiu do céu. Não desvirtuou ou escondeu o radicalismo do PT.
A
verdade é que o PT mudou muito. Que há muito tempo busca caminhar para o
centro do cenário político. Que optou por alcançar o poder mais pelas vias
institucionais e menos pelo movimento social. Compartilho com muitas
companheiras e companheiros uma grande preocupação com essa trajetória cada
vez mais moderada. Mas, não vamos colocar isso em pauta aqui. O que está em
discussão é a tática eleitoral do PT no que diz respeito à comunicação. E
desse ponto de vista a atitude de Duda foi a de aproveitar o material que já
existia da maneira mais inteligente possível.
Além
disso, não podemos nos esquecer da situação objetiva. Durante a tenebrosa Era
FHC, o desemprego triplicou e os pobres passaram de 47 milhões para 53 milhões.
A privatização do sistema elétrico e das telecomunicações não só aumentou
os custos dos serviços para a população, como piorou sua qualidade. Coroando
tudo isso, nos deparamos com índices inflacionários cada vez mais altos,
mostrando que mesmo o único trunfo tucano teve fôlego curto e pode agravar
ainda mais o já trágico quadro atual. Um quadro como esse completou as condições
necessárias para a vitória petista.
Pois
bem, Lula eleito, o que faz a mídia?
Depois
de tentar em vão bombardear a tática publicitária do PT, a mídia começa a
desqualificar politicamente a vitória de Lula. Alguns órgãos da grande
imprensa atribuem a eleição do petista a um pretenso messianismo, como a Folha
de São Paulo. Outros, insinuam traições e torcem descaradamente pelo fracasso
do governo, caso da Veja. E outros ainda, são mais sutis. A revista Época de 6
de janeiro diz que o povo está mais próximo do poder e Isto é da mesma semana
vai mais longe e diz que o povo já está no poder.
O
que está por trás de cada uma dessas táticas. Não há nada menos messiânico
que a vitória de Lula. Um messias é alguém superior que veio nos salvar. O
que acontece e sempre aconteceu com Lula é o contrário. Sempre teve
dificuldades para se eleger porque se identifica demais com as pessoas comuns. E
agora foi eleito exatamente por isso. E a Folha sabe disso. Mas o que quer fazer
é mostrar a eleição de Lula como algo religioso, primitivo, ligado a crenças
populares. Não o resultado de lutas, contradições e da própria situação
terrível em que FHC deixou o país.
Veja
está tentando se credenciar como veículo da oposição mais feroz. Sua capa
desta semana diz “Lula-de-mel. A partir de agora, começa a cobrança.” A
revista aposta na rápida frustração da população para preparar o caminho
para um futuro governo que enterre qualquer perspectiva de colocar novamente a
esquerda na presidência do país.
Isto
é e Época: tática mais sutil
Quanto
a Isto é e Época, a tática é mais sutil. Querem atribuir à vitória petista
um alcance que não tem. Dizer que o povo está mais próximo do poder, ou já
está nele é falso. Até mesmo dizer que o PT, estando no governo federal, está
no poder é duvidoso. De um lado, há uma máquina governamental moldada por séculos
de mando autoritário e voltado para interesses particulares. Mas não fica só
nisso. É preciso lembrar a contribuição tucana para esse quadro. Para citar
apenas alguns exemplos, lembremos a independência de que gozam agências
reguladoras, como Aneel, Anatel em relação até mesmo aos ministérios a que
deveriam responder e a pretendida e perigosa autonomia do Banco Central. Assim,
de um lado alimenta-se a ilusão de que o governo petista pode fazer e
acontecer. De outro lado, quando chegar a hora de atacar o novo governo, serão
responsabilizados governo e povo como se fossem uma coisa só. E surgirão acusações
do tipo: “tá vendo no que dá colocar o povo no poder”.
Tudo
isso também vale para TV e rádio. Boris Casoy faz mais a linha de Veja. O
Jornal Nacional faz o gênero isenção e respeito (Aliás, é no mínimo
estranho que o Jornal Nacional tenha abandonado sua tradicional linha de apoio
ao governo exatamente nas eleições em que se deu a conquista da presidência
da República pelo PT). E a maioria dos outros veículos tratando a eleição
como a tomada do poder pelo povo. Ou seja, como a tomada do poder pelo povo. E
aguardando ansioso a hora em que todos, governo, PT, Lula e “o povo” quebrem
a cara.
O
preço a ser pago pela tática vitoriosa
O
fato de que Duda Mendonça tenha sido bem sucedido do ponto de vista da tática
eleitoral não impede que o governo eleito seja vítima dos ataques da grande mídia.
Ao contrário, o discurso genérico, o silêncio sobre temas políticos e a ênfase
na publicidade sorridente ganhou a eleição, mas deixou um preço a ser pago. O
clima de “união nacional” presente na imprensa escrita e falada pode criar
dificuldades no momento em que o governo petista precisar colocar o dedo em
algumas das muitas feridas de um dos países mais desiguais do mundo. Este
é o preço da tática eleitoral de Duda. Os poderosos não vão ceder em seus
interesses, até porque nunca o fizeram em 500 anos de história. Mas eles vão
querer inverter a lógica. Vão dizer que quem está sendo intransigente (ou
voltou a sê-lo) é o governo dos barbudos. Que o “Lulinha paz e amor”
finalmente está mostrando suas garras.
Diante
disso, que faremos? Combater a grande mídia sem abrir mão da crítica fraterna
Nós, da mídia alternativa, militantes/profissionais do movimento sindical e popular, o que podemos fazer? Nosso papel será o de denunciar os ataques da grande mídia. Buscar compensar as desinformações e distorções dos jornalões, TV e rádio. O problema é que continuamos com instrumentos tímidos perto do poderio da grande mídia. Por isso, é urgente aproveitar a situação favorável para lutar para que o monopólio dos meios de comunicação comece a ser questionado. Por outro lado, um governo como o de Lula com certeza cometerá muitos erros. Tais erros serão objeto de ataques de todos os lados. Inclusive, do nosso lado. O melhor caminho não será defender o governo a todo custo, ignorando erros que serão perfeitamente normais. Ao contrário, precisamos continuar a exercer a crítica que for necessária, até para ajudar a corrigir rumos e escolhas. E a melhor maneira de garantir que nossa crítica será fraterna é combiná-la com a denúncia dos ataques da grande mídia. Com isso, podemos apontar erros e equívocos sem fazer o jogo do inimigo.