Governo
gasta R$ 763 mil em cartilha que defende a Reforma da Previdência
(Sérgio
Domingues)
Há uns
dois meses, começaram a chegar às residências brasileiras uma cartilha
chamada "Saiba Tudo sobre a Nova Previdência do Servidor". Trata-se
de uma peça de propaganda que defende a Reforma da Previdência proposta pelo
governo Lula. Segundo números divulgados pelo governo e publicados pelo jornal
Agora de 29 de julho de 2003, a correspondência foi endereçada a pelo menos
1,7 milhão de servidores ativos e inativos. Ainda segundo a matéria do jornal,
os gastos em correios ficaram em R$ 763 mil. O que representa o total previsto
no Orçamento para o acompanhamento de conflitos no campo e mais que o triplo do
que foi gasto pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, no primeiro
semestre, com esse tipo de serviço.
E para
que gastar tanto dinheiro? Para defender uma proposta que é o oposto do que a
cartilha afirma e que ainda falseia dados. Vamos a alguns dos aspectos da
publicação.
Contribuição
dos servidores existe desde 1938
A
cartilha começa mal. Logo na primeira página diz que “até há pouco tempo
os servidores não contribuíam para as suas aposentadorias”. Primeiro, seria
preciso explicar o que o governo quer dizer com “pouco tempo”. Segundo uma
outra cartilha, da CONDSEF, esta bem mais útil para o país, não é verdade
que os servidores contribuam há pouco tempo. Ao contrário, desde 1938, os
funcionários públicos já contribuíam com o IPASE (Instituto de Previdência
e Assistência Social). Era uma contribuição de 4% a 7% sobre o total de sua
remuneração. De 1952 a 1973, passaram a contribuir com 7,2%. Em 1974, 80% dos
servidores passaram a contribuir para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS)
com alíquotas que variavam de 8% a 10% sobre um teto estabelecido. Em 1988, o
Regime Jurídico Único (RJU) introduziu o direito à contagem recíproca, mas não
foi feita a compensação financeira entre os regimes. Ou seja, tudo que foi
arrecadado até então sumiu. Em 1993, o desconto variava de 9% a 11% sobre a
remuneração. E em 1997, foi unificada para os atuais 11%.
Boa
notícia: o ruim vai continuar ruim
Mas a
cartilha não fica por aí. Na página 4, diz que “para os atuais aposentados
e pensionistas não haverá mudança alguma.”
À
primeira vista, a informação aparece como se fosse algo de bom. Como se manter
os atuais aposentados e pensionistas ganhando as atuais miseráveis e
vergonhosos benefícios fosse positivo. Boa notícia seria, por exemplo, o fim
do fator previdenciário, que aumentou o tempo necessário para a aposentadoria.
Boa notícia seria a de que os direitos roubados pelo governo anterior seriam
devolvidos. Entre eles, a aposentadoria por tempo de serviço e a aposentadorias
especiais por insalubridade e condições perigosas de trabalho, que ficaram
mais difíceis.
Na
mesma página, o texto afirma que para os trabalhadores vinculados ao INSS, a única
mudança será o aumento do teto de aposentadoria para R$ 2.400,00. Só não
explica que o aumento do teto somente fará efeito para a grande maioria daqui a
uns 20 e poucos anos. Ao passo que o desconto passa a ser feito desde já.
Na página
5, o texto afirma que não haverá privatização da previdência porque com o
aumento do teto de aposentadoria do INSS, menos gente vai procurar a previdência
privada. O problema é que com a criação da previdência complementar fechada
para os servidores públicos, o setor privado vai ganhar clientes com salários
mais elevados que a média dos trabalhadores. Como é que isso vai acontecer?
Não
privatiza agora, mas aponta para a privatização
Em
primeiro lugar, o sistema de previdência complementar vai ser de tipo fechado.
Ou seja, serão fundos que podem ser formados por entidades associativas
(sindicatos, por exemplo). Portanto, entidades sem fins lucrativos. Mas, para
conseguir os rendimentos necessários para pagar as aposentadorias futuras,
esses fundos vão entregar a administração do dinheiro arrecadado para
administradoras que vão fazer aplicações no mercado financeiro. Exatamente o
que aconteceu na Argentina, no Chile e até nos Estados Unidos. E em todos esse
países, os fundos quebraram devido aos altos e baixos das bolsas de valores e
do mercado financeiro. E aí sobrou para os governos. Tiveram que arcar com o
prejuízo. O setor privado chega, lucra, quebra e o governo estatiza a dívida
que fica.
Em
segundo lugar, os servidores públicos que irão para a previdência
complementar estão entre aqueles que fazem parte de uma minoria que ganha
melhor no serviço público. Por isso mesmo é que deveriam continuar
contribuindo para o governo e não passar a contribuir com fundos de previdência
complementar. Por outro lado, os governos nunca contribuíram com sua parte de
empregadores. Ao criar os fundos de previdência complementar, além de abrir mão
de um dinheiro que poderia melhorar as aposentadorias e benefícios do INSS por
exemplo, o governo ainda vai ter que pagar sua parte, tirando ainda mais verbas
das áreas sociais. Com isso, a previdência pública só vai piorar, abrindo
espaço para defender sua privatização num futuro não muito distante.
Ou seja, diferente do que a apresentação alega no início da publicação, esta proposta de mudanças da Previdência não faz “parte de um grande projeto da reconstrução do Estado”. O que ele faz é colocar o patrimônio público ainda mais a serviço do mercado.