Usando números


( Sérgio Domingues – Monitor do NPC  e assessor do SINSPREV-SP )

Os números são uma arma importante para dar materialidade a nossas denúncias
contra o governo e os patrões. Mas, sem exageros.

Um hábito constante na comunicação sindical são os raciocínios genéricos do tipo: “o neoliberalismo vem causando a maior onda de desemprego de toda a história”. Ou “a dívida externa é injusta. Deve ser combatida”. Trata-se de raciocínios com os quais muitos de nós, militantes, ativistas, dirigentes e jornalistas de esquerda, concordamos com facilidade. Mas, não é isso que acontece quando falamos para um público maior,  portanto mais amplo, e ideologicamente mais sujeito ao bombardeio de informações da mídia oficial. O máximo que acontece com este tipo de público é estar descontente com os altos índices de desemprego, a péssima qualidade dos serviços públicos de educação, saúde, transportes, previdência. Daí a identificar esses problemas com o projeto neoliberal vai uma distância considerável.

Neste momento é que intervém nossa imprensa alternativa, fazendo as ligações necessárias entre os problemas cotidianos e as mazelas do capitalismo neoliberal. Mas não basta fazer aquelas denúncias genéricas exemplificados acima. É preciso dar materialidade a essas denúncias. Do contrário, o público, acostumado a nossas constantes denúncias, pode achar que trata-se de um exagero, uma “forçação de barra” típica de cutistas, petistas e comunistas em geral. Um forma de evitar esse impressão é utilizar um instrumento de rápida assimilação, grande impacto e relativo facilidade de obtenção. O uso de números.

Por exemplo: A Dívida Externa é injusta e rouba os direitos do povo etc. Que tal usar em uma matéria semelhante os seguintes números:

Veja a injustiça no mundo:

Desde 1960, as riquezas mundiais foram multiplicadas por 8.

Mas:

Um em cada 2 habitantes do planeta, vive com menos de US$ 2 por dia.
Um em cada 3 não tem acesso à energia elétrica.
Um em cada 4 sobrevive com menos de US$ 1 por dia.
Um em cada 5 não tem acesso à água potável.
Um em cada 6 é analfabeto.
Um em cada 7 adultos, um sofre de subnutrição.

Ou ainda, para ficar ainda mais claro, um exemplo mais local:

Veja o que daria pra fazer com o dinheiro da dívida externa brasileira:

Pagar um bônus de R$ 1,474,00 para cada brasileiro.

OU

Dar 45 mil reais para cada família que vive com 1 salário mínimo

OU

Criar 504 mil empregos na indústria automobilística

OU

Criar 10 milhões empregos na indústria têxtil

OU

Criar 15 milhões empregos na construção civil

OU

Construir mais de 15 milhões de casas populares

OU

Assentar quase 6 milhões de famílias de sem-terras, ao custo de 40 mil reais cada uma (*)

 Uma tabela dessas não obteria muito maior impacto? Claro que sim. Afinal, citar números e fontes sempre tem a vantagem da objetividade e clareza. E o acesso a estas informações ficou mais fácil com a internet. Sites como o do Dieese, Diap      e Agência Carta Maior, publicações como Caros Amigos, Carta Capital e Reportagem, oferecem material crítico e também servem para contestarmos números manipulados pelo governo e por seus cupinchas na mídia. É o caso da divulgação, no final de julho, de uma suposta queda no desemprego nas grandes capitais. Em um artigo escrito para a Agência Carta Maior, Bernardo Kucinski denuncia que a tal queda deve-se a um problema metodológico do IBGE, que considera inativo o trabalhador que deixou de procurar emprego mais de uma semana. Como aumentou o período de procura sem resultado, muitos trabalhadores deixaram de contar nas estatísticas. Na verdade, uma evidência de que a metodologia usada pelo IBGE já não dá conta do desemprego estrutural e de massa provocado pelo projeto neoliberal.

 

Sem afogar em números

É preciso, no entanto, tomar cuidado com os exageros. É preferível selecionar dois ou três dados de maior impacto a começar um desfile de números e porcentagens. Caso os números sejam importantes, o melhor é utilizar um boxe ao lado da matéria principal, que torne sua consulta facultativa. Além disso, é importante abordar um problema de cada vez. Nada de acumular números sobre desemprego, com percentagens de inflação, crescimento da economia etc. Ah! Cuidado com as siglas. Mais do que traduzir seu significado literal é preciso dizer o que significam de fato. Por exemplo “PIB quer dizer Produto Interno Bruto. Ou seja, tudo o que o país produziu em um determinado ano, sem descontar as despesas.” Pode não parecer muito científico, mas é melhor comunicar alguma coisa do que permanecer incompreendido.


* Dados de O Brasil Endividado, Reinaldo Gonçalves e Valter Pomar – Ed. Fundação Perseu Abramo - 1999

 

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