Usando
números
Os números
são uma arma importante para dar materialidade a nossas denúncias
contra o governo e os patrões. Mas, sem exageros.
Um
hábito constante na comunicação sindical são os raciocínios genéricos do
tipo: “o neoliberalismo vem causando a maior onda de desemprego de toda a história”.
Ou “a dívida externa é injusta. Deve ser combatida”. Trata-se de raciocínios
com os quais muitos de nós, militantes, ativistas, dirigentes e jornalistas de
esquerda, concordamos com facilidade. Mas, não é isso que acontece quando
falamos para um público maior, portanto
mais amplo, e ideologicamente mais sujeito ao bombardeio de informações da mídia
oficial. O máximo que acontece com este tipo de público é estar descontente
com os altos índices de desemprego, a péssima qualidade dos serviços públicos
de educação, saúde, transportes, previdência. Daí a identificar esses
problemas com o projeto neoliberal vai uma distância considerável.
Neste
momento é que intervém nossa imprensa alternativa, fazendo as ligações
necessárias entre os problemas cotidianos e as mazelas do capitalismo
neoliberal. Mas não basta fazer aquelas denúncias genéricas exemplificados
acima. É preciso dar materialidade a essas denúncias. Do contrário, o público,
acostumado a nossas constantes denúncias, pode achar que trata-se de um
exagero, uma “forçação de barra” típica de cutistas, petistas e
comunistas em geral. Um forma de evitar esse impressão é utilizar um
instrumento de rápida assimilação, grande impacto e relativo facilidade de
obtenção. O uso de números.
Por exemplo: A Dívida Externa é injusta e rouba os direitos do povo etc. Que tal usar em uma matéria semelhante os seguintes números:
Veja
a injustiça no mundo:
Desde
1960, as riquezas mundiais foram multiplicadas por 8.
Mas:
Um
em cada 2 habitantes do planeta, vive com menos de US$ 2 por dia.
Um em cada 3 não tem acesso à energia elétrica.
Um em cada 4 sobrevive com menos de US$ 1 por dia.
Um em cada 5 não tem acesso à água potável.
Um em cada 6 é analfabeto.
Um em cada 7 adultos, um sofre de subnutrição.
Ou ainda, para ficar ainda mais claro, um exemplo mais local:
Veja
o que daria pra fazer com o dinheiro da dívida externa brasileira:
Pagar
um bônus de R$ 1,474,00 para cada brasileiro.
Dar
45 mil reais para cada família que vive com 1 salário mínimo
Criar
504 mil empregos na indústria automobilística
Criar
10 milhões empregos na indústria têxtil
OU
Criar
15 milhões empregos na construção civil
Construir
mais de 15 milhões de casas populares
Assentar
quase 6 milhões de famílias de sem-terras, ao custo de 40 mil reais cada uma (*)
Uma
tabela dessas não obteria muito maior impacto? Claro que sim. Afinal, citar números
e fontes sempre tem a vantagem da objetividade e clareza. E o acesso a estas
informações ficou mais fácil com a internet. Sites como o do Dieese, Diap
e Agência Carta Maior, publicações como Caros Amigos, Carta Capital e
Reportagem, oferecem material crítico e também servem para contestarmos números
manipulados pelo governo e por seus cupinchas na mídia. É o caso da divulgação,
no final de julho, de uma suposta queda no desemprego nas grandes capitais. Em
um artigo escrito para a Agência Carta Maior, Bernardo Kucinski
denuncia que a tal queda deve-se a um problema metodológico do IBGE, que
considera inativo o trabalhador que deixou de procurar emprego mais de uma
semana. Como aumentou o período de procura sem resultado, muitos trabalhadores
deixaram de contar nas estatísticas. Na verdade, uma evidência de que a
metodologia usada pelo IBGE já não dá conta do desemprego estrutural e de
massa provocado pelo projeto neoliberal.
É
preciso, no entanto, tomar cuidado com os exageros. É preferível selecionar
dois ou três dados de maior impacto a começar um desfile de números e
porcentagens. Caso os números sejam importantes, o melhor é utilizar um boxe
ao lado da matéria principal, que torne sua consulta facultativa. Além disso,
é importante abordar um problema de cada vez. Nada de acumular números sobre
desemprego, com percentagens de inflação, crescimento da economia etc. Ah!
Cuidado com as siglas. Mais do que traduzir seu significado literal é preciso
dizer o que significam de fato. Por exemplo “PIB quer dizer Produto Interno
Bruto. Ou seja, tudo o que o país produziu em um determinado ano, sem descontar
as despesas.” Pode não parecer muito científico, mas é melhor comunicar
alguma coisa do que permanecer incompreendido.
*
Dados de O Brasil
Endividado, Reinaldo Gonçalves e Valter Pomar – Ed. Fundação Perseu
Abramo - 1999