Guerrilha
antipublicidade invade Metrô em Paris
(Selma Schnabel)
Um forte movimento
contra a propaganda está tomando de assalto os anúncios no Metrô parisiense,
fazendo uma defesa do espaço público contra a mercantilização da vida. Sarcástica,
inventiva e muito eficaz graças à Internet, essa guerrilha urbana sem líder
pode se estender para outros países.
Paris -
No Metrô parisiense, grandes cruzes negras cobrem as marcas e os visuais
publicitários. Desenhos, colagens, grafites e pichações recobrem inteiramente
os aliciadores anúncios de Natal : “a publicidade é uma droga pesada”,
“sirva-se, consuma, pague”, “mercadoria por toda parte, poesia em
nenhuma”...Inicialmente pontuais, essas operações de contrapropaganda
tornaram-se uma ação regular das noites de sexta-feira, em uma quinzena de
estações do Metrô de Paris, convocadas pelo “Stopub”, um coletivo de
organizações. Aquelas e aqueles que lutam atualmente contra o desmonte do
serviço público na França – artistas, profissionais da saúde, professores
e pesquisadores – recebem o reforço, nas noites de sexta, de centenas de
“guerrilheiros urbanos” armados de sprays, latas de tinta e cartazes feitos
em casa.
O objetivo é recobrir o máximo de cartazes publicitários em um movimento que reivindica a defesa do espaço e do tempo contra a invasão da propaganda. “Em face ao endurecimento da ofensiva capitalista, nós declaramos publicamente guerra contra esse novo tipo de totalitarismo e atacamos seu principal combustível: a publicidade”, anuncia um texto do “Stopub” que acusa a publicidade de invadir “nossos espaços públicos, a rua, a televisão, nossas roupas e nossos muros” e propõe a retomada do espaço público “através de um gesto coletivo e alegre de protesto”.
Um
feliz bordel
Sexta-feira, 19 de dezembro, 19 horas. É a última operação antipub antes do Natal. De 400 a 500 ativistas se distribuem em 16 pontos de Paris, atendendo a uma convocação que circulou pela Internet. Duas semanas antes, eram mais de mil a se movimentar pelo subsolo da cidade. Denis, jornalista, cola dólares nos olhos de personagens de cartazes publicitários; Yves, técnico teatral, cola cartazes desejando “Feliz Bordel!” (contrapondo-se ao “Feliz Natal!” publicitário); Marc, engenheiro, se deixa inspirar por sua lata de tinta preta, e Emily por seu “branco de Espanha” - uma mistura de calcário e água – “para facilitar o trabalho daqueles que vão limpar as paredes depois”. Emily, que passa três horas por dia no Metrô, exulta : “eu esperava esse movimento há muito tempo; a publicidade desresponsabiliza as pessoas e as entorpece; em 1968, eles autorizaram o crédito e depois as pessoas permaneceram tranqüilas...é claro que elas não vão abandonar tudo isso assim, com dez anos de propaganda sobre as costas!”
Jovem decoradora, Emily age como franco-atiradora ao lado de Marie, ainda estudante. Em cinco minutos, elas redecoram uma estação de Metrô sob o olhar estupefato dos usuários da linha, em sua maioria já conquistados pela publicidade. “A pub é uma extorsão”, comenta um velho argelino, encorajando a ação das duas. Uma mulher as cumprimenta espontaneamente: “Bravo, continuem ! Minha filha tem 13 anos e luta para comprar roupas sem marca...Eles deveriam nos pagar para vestir roupas de marca e não o contrário; servimos de muro de propaganda, contra nossa vontade!” Às vezes, é a incompreensão que domina, como no caso de uma mulher da região das Antilhas para quem os “antipubs” zombam de sua “razão de viver”, ela que “vive para a publicidade e faz o que a publicidade lhe diz”. “Madame, não esqueça que é você que paga a publicidade”, responde Denis, pedagogo.
Movimentando cerca de 200 bilhões de euros em 2000, a publicidade custa a cada francês cerca de 500 euros por ano. “Ela se assemelha assim a um imposto estabelecido pelas empresas, com o qual elas compram seu espaço de expressão”, prossegue Denis, apoiando-se nas teses de dois dos mais antigos grupos desse movimento – Resistência à Agressão Publicitária (RAP) e Caçadores de Pub.
“Uma
mídia ao nosso alcance, simples e gratuita”
Diante da amplitude e do forte impacto midiático desse movimento de jovens pichadores, a repressão policial e judiciária não tardou. No dia 28 de novembro, a polícia efetuou mais de uma centena de prisões na tentativa de reprimir uma ação que reuniu cerca de mil pessoas em várias estações do Metrô parisiense. O risco máximo é uma multa de 62 euros. Quanto à Justiça francesa, no dia 1° de dezembro, ela condenou o servidor de Internet alternativo “Ouvaton” a revelar o nome dos fundadores do site “Stopub” O objetivo era identificá-los e obrigá-los, sob pena de pesada multa, a fechar o site. “Descentralizar esse tipo de ação tornou-se imperativo”, explica Denis, jornalista e membro de um coletivo recém-criado que pretende “prolongar a guerrilha iniciada por “Stopub” tornando inaprisionável e mais eficaz a expressão contra a pub”.
Como? Graças à Internet e às impressoras. A idéia é criar um site - lejournaldesmurs.org (o jornal dos muros) está em via de construção -, que centralize a criação e difusão de mensagens intervindo na publicidade ou permitindo uma expressão crítica do sistema. Menos comandos, menos prisões, cada internauta poderá, de maneira autônoma e ativa, enviar e carregar mensagens, imprimindo-as em suas casas e colando-as, na manhã seguinte, quando partem para seus trabalhos.
“Não pretendemos mudar o sistema, mas a emergência de uma mídia alternativa particular está a caminho”, conclama o manifesto desse grupo que se proclama “a-pub”, “pois ela não nos interessa, ou interessa muito pouco”. O objetivo é, portanto, a retomada da palavra sobre os muros e paredes, “única mídia ao nosso alcance, simples e gratuita”. Uma democratização da mídia urgente e necessária que vem encontrando eco internacional a julgar pelas mensagens que chegam do mundo inteiro no site do “Stopub” e que permitem prever o surgimento, em breve, de sites gêmeos ao journaldesmurs.org no Chile e, quem sabe, no Brasil.
O
manifesto do “journaldesmurs.org”, disponível também em português, pode
ser pedido pelo e-mail denis_la_pub@no-log.fr. Mais informações sobre o
movimento antipub nos seguintes endereços:
www.adbusters.org e, em breve, www.lejournaldesmurs.org
Tradução : Marco Aurélio Weissheimer