( Reginaldo C. Moraes )
I.
Neoliberalismo é ...
uma corrente de pensamento e uma ideologia, uma forma de ver e julgar o mundo social;
um
movimento intelectual organizado;
um
conjunto de políticas adotadas pelos governos neoconservadores e propagadas
a partir de organizações multilaterais (Banco Mundial e FMI).
O
liberalismo clássico, dos séculos XVIII-XIX, era a ideologia do capitalismo
comercial e manufatureiro.
O neoliberalismo, em nossos dias, é a ideologia do capitalismo
na era de máxima financeirização da riqueza, a era da riqueza mais do que líquida,
a ideologia dos senhores do capital volátil e especulativo. Constitui,
basicamente, um ataque às formas de regulação da economia como
o
socialismo,
o
reformismo keynesiano,
o
Estado-de-bem-estar,
o
terceiro-mundismo e o desenvolvimentismo latino-americano.
II.
O liberalismo clássico
As
idéias básicas do liberalismo foram marcadas por Adam Smith, no livro A
Riqueza das Nações, de 1776. Seu credo político pode ser resumido no
seguinte mandamento: desregulamentar e privatizar as atividades econômicas,
reduzindo o Estado a três funções:
a
manutenção da segurança interna e externa,
a
garantia da propriedade, dos contratos e
a
responsabilidade por serviços essenciais de utilidade pública.
Para os
liberais, a ordem social não deveria ser regulada pela economia, mas pelo
movimento espontâneo do mercado. E o mercado é resultado das
iniciativas individuais livres, da procura do lucro. A motivação do
interesse próprio
estimula o empenho, incita ao trabalho
estimula o engenho, a criatividade,
a inovação
recompensa a poupança, a abstinência presente,
remunera o investimento.
Segundo
os liberais, quais são os inimigos
dessa ordem eficiente, justa e equilibrada?
Os
regulamentos estatais
As
corporações profissionais e os grupos de interesse organizado
Como
ideologia, isto é, como doutrina, surge logo no início do século XX.
Como
movimento intelectual organizado, porém, vai deslanchar em 1944, com a publicação
do livro de Friedrich von Hayek, O Caminho da Servidão, o
manifesto-fundador do neoliberalismo. Um pouco mais tarde, em 1947, na Suíça,
Hayek liberou a fundação da Sociedade do Mont Pèlerin, uma espécie de
Internacional Neoliberal.
Já
o terceiro aspecto, as políticas de governos neoconservadores, deveriam
esperar um pouco mais. As datas importantes são 1980, com a chegada de Reagan
ao governo dos EUA, e 1979, com Margaret Thatcher no governo britânico. Mas
experiências neoliberais bastante duras haviam sido feitas no terceiro mundo.
Em 1973, no Chile, com a política econômica e social do governo Pinochet. E em
1976, na Argentina, com a ditadura do general Videla.
A
partir do início dos anos 1980, planos de “ajuste neoliberal” foram
aplicados em vários países, particularmente na América Latina.
Fundamentalmente,
a conjuntura é marcada pela crise das regulações, crise do chamado
“Consenso keynesiano” do pós-guerra, uma política de intervenção
reguladora do Estado visando:
a
criação de pleno emprego,
a
moderação de desequilíbrios sociais excessivos e politicamente perigosos,
o
socorro a países e regiões economicamente deprimidas,
a
manutenção de uma estrutura de serviços de bem-estar (habitação, saúde,
previdência, transporte urbano, etc),
a gradual implantação de políticas sociais que moderassem desigualdades materiais.
IV.
As orientações políticas do neoliberalismo
AS
orientações estratégicas do neoliberalismo podem ser indicadas em duas
palavras-de-ordem:
privatizar
empresas estatais e serviços públicos;
"desregulamentar" a
economia, isto é, diminuir a interferência dos poderes públicos sobre os
empreendimentos privados.
Essas são as grandes diretrizes estratégicas
do neoliberalismo. Mas elas são popularizadas em temas mais cotidianos, que
acompanhamos pelos jornais e pela TV, quando vemos:
os
protestos de empresários contra pressões fiscais “insuportáveis”;
as
denúncias de políticos conservadores contra as
políticas redistributivas, que eles chamam de paternalistas, demagógicas
e contraproducentes;
as
campanhas de organizações empresariais contra “o tamanho do Estado”.
a
resistência contra a regulamentação dos contratos particulares (leis
trabalhsitas, controle de mensalidades escolares e aluguéis, etc).
V.
Cenários
do inferno produzido pela intervenção estatal – segundo os liberais:
a
regulação legislativa, a atuação do Estado-empresário e a oferta de
bens públicos e os serviços de proteção social
confundem
o mercado,
levam
ao emprego irracional dos recursos
desestimulam
e deseducam os indivíduos);
Estado
se torna instrumento de grupos
de pressão, de privilégios
Generaliza-se
o discurso demagógico das políticas sociais, como forma de esconder privilégios
Crescem
as despesas públicas e as necessidades financeiras dos governos
(endividamento, emissão monetária, inflação);
Cresce
a tributação, que acaba por desestimular o trabalho e a atividade
produtiva, provoca evasão, fraudes fiscais e o desenvolvimento de economia
subterrânea (informal).
VI.
Terremotos no mundo do trabalho
Segundo o consultor de empresas William Bridges, no livro Mudança nas
Relações de Trabalho, a desregulamentação da economia iria levar a uma
forma mais moderna e dinâmica de organização social, caracterizada pelo fim..
do
assalariamento clássico,
da
lógica do emprego permanente,
dos
acordos e regulamentos protetores,
dos
salários calculados automaticamente a partir de convenções coletivas
detalhadas.
Um
novo mundo trabalhista surgiria, caracterizado por
autonomia
gestão e contratação flexíveis
ajustes permanentes na duração e na qualidade do
trabalho
salário ajustado ao desempenho
individualização das remunerações
fim das profissões padronizadas: ziquezagues na
história de vida profissional.
Nesse maravilhoso mundo novo, teriamos uma infinidade de “patrões de
si mesmos”. As empresas seriam
mais “enxutas”, cercadas por indivíduos e pequenos grupos de
"parceiros", terceirizados.
VII.
Os bens públicos e as políticas sociais.
Os
neoliberais partem de uma constatação. Os bens e serviços produzidos na
sociedade são definidos por dois mecanismos de manifestação e agregação das
preferências:
o
Mercado – ondem reinam as escolhas individuais, as iniciativas
descentralizadas. No mercado predominam as relações do tipo
cliente-fornecedor,
a
Política – em que as escolhas e decisões são coletivas, as iniciativas
são centralizadas e grande número de bens e serviços são compartilhados
ou consumidos em comum.
Os neoliberais dizem o seguinte, com relação aos serviços sociais: em
muitos casos pode-se individualizar o usuário (consumidor ou cliente) e cobrar
pelo acesso ao bem. Um exemplo é o caso dos “serviços educacionais”. Ao
invés de uma política pública de educação, os neoliberais dizem que devemos
deixar que os indivíduos façam a sua própria política de educação,
no mercado de serviços escolares.
O economista norte-americano Milton Friedman, por exemplo, prega
a distribuição de ‘cupons’ aos pais de crianças, dando-lhes a
oportunidade de escolher e comprar serviços educacionais fornecidos pela
iniciativa privada, comentando: "os pais poderiam expressar sua opinião a
respeito das escolas diretamente, retirando seus filhos de uma escola e
mandando-os para outro -- de modo muito mais amplo do que é possível agora. Em
geral, eles agora só podem tomar tal atitude arcando com os elevados custos de
colocar os filhos numa escola particular ou trocar de residência. Quanto ao
resto, só podem expressar seus pontos de vista através de complicados canais
políticos."
Uma outra alternativa é construir verdadeiras simulações do mercado,
mesmo em atividades em que a propriedade e a operação sejam públicas. Por
exemplo: descentralizar esses serviços, tornando locais (municipais, regionais)
a produção e/ou distribuição de determinados bens e serviços antes
oferecidos num âmbito nacional. Com isso se visaria tornar mais
"competitiva" a oferta dos bens e serviços. O cidadão seria
convertido em cliente ou consumidor. Escolheria entre municípios-fornecedores.
Desse modo, a reforma do setor púlbico criaria situações que permitam a
resposta a este tipo de alternativa: "se você quiser esta cesta de bens, a
este preço, vá para aquela cidade X, se quiser outra configuração vá
para a cidade Y". Enfim, produziriamos uma espécie de simulação
do mercado, a existência de estruturas, regras e processos que emulem processos
de mercado (ou análogos ao mercado) na esfera que antes era pública, ou política.
VIII. Três lemas das políticas públicas na era dos “ajustes estruturais”: focalizar, descentralizar, privatizar.
Focalizar,
quer dizer substituir a política de acesso universal pelo acesso seletivo. O
acesso universal quer dizer: todo
cidadão, indiscriminadamente, tem direito ao serviço. O acesso seletivo
permite definir mais limitadamente e discriminar o receptor dos benefícios. Por
isso, em muitos países submetidos a programas de ajuste neoliberal, as políticas
sociais são praticamente reduzidas a programas de socorro à pobreza absoluta.
Descentralizar
operações -- o que não quer dizer necessariamente desconcentrar o
poder, as decisões políticas mais estratégicas, a gestão dos grandes fundos
públicos.
Privatizar
–
o que pode ser feito de diversas maneiras:
transferir
ao setor privado a propriedade das empresas estatais e das agências de políticas sociais, tais como saúde,
educação, moradia, assistência social, etc.;
transferir
ao setor privado a operação ou gestão desses serviços. Como?
delegando
competências ao setor privado ou ao chamado “terceiro setor”;
mantendo
as competências na esfera pública-estatal, mas submetendo esses entes
estatais a controles de mercado ou que simulem mercados. Em outras
palavras, criando em certas esferas dos serviços públicos sistemas de
avaliação que simulem a relação
fornecedor-cliente.
IX.
Diagnóstico, prognóstico, terapêutica – ou: queda, penitência e salvação
das almas, segundo o evangelho neoliberal
Diagnóstico. As massas pobres
-- incompetentes ou indolentes, mal-sucedidas na competição pela vida –
ganharam, infelizmente, o direito de votar, de organizar-se e
de atuar na política. Exerceem esse poder “roubando” os ricos e
proprietários – esforçados, criativos e bem-sucedidos. Esse “confisco”
de suas propriedades ou das rendas por elas gerados é feito
através de impostos e taxações progressivas.
Prognóstico. A criação de políticas
redistributivas, políticas sociais do Estado, voltadas para os pobres, é o
resultado dessa democracia sem limites, irresponsável. Esse regime político
gasta cada vez mais (e mal) e taxa cada vez mais (e mal).
Além disso, as políticas sociais em expansão criam também,
inevitavelmente, uma burocracia estatal poderosa e irresponsável. Previsão do
tempo futuro, feita pelos sábios neoliberais: tirania estatal, arbitrariedades
e incerteza, degradação dos valores empreendedores, a “ditadura das
maiorias”, a estagnação econômica. Apocalipse! E qual o caminho da salvação?
O remédio amargo, a penitência, dura mas necessária...
Terapêutica. Cortemos o mal pela
raiz, dizem nossos neoliberais. E qual é a raiz? É preciso salvar o mundo político
da influencia perniciosa das massas pobres, incompetentes, mal-sucedidas.
Reduzir as ações do poder público, do Estado. Desregulamentar, privatizar,
emagrecer o Estado. Livrar da influencia das massas os funcionários que que
controlam botões decisivos da política pública, como as finanças e a aplicação
da justiça. Para que eles não sejam vulneráveis à voz das urnas e das ruas,
inconsequentes, volúveis e insaciáveis. As massas ganharam o direito ao voto
– pois então tratemos de esterilizar o voto. Mas isso é insuficiente. A
participação extra-eleitoral das massas também tem de ser contida. Por isso,
nos processos de “ajuste” neoliberais é importante quebrar a espinha dos
sindicatos e das entidades trabalhistas em geral..
Os propagandistas do neoliberalismo volta e meia
insinuam que a história chegou ao fim, com a vitória do capitalismo global e
dos valores do mundo livre, da civilização ocidental.
Porém,
a história, rebelde, resiste a confirmar essas afirmações e volta e meia
explodem contradições que colocam a nu a verdadeira moral da “estória”
neoliberal:
“Daqueles
que nada têm ainda mais lhes será tirado; para aqueles que tudo têm, ainda
mais lhes será dado” (Mateus, 13, 12)