O
macaco não olha o próprio rabo
(Antônio Carlos Queiróz - Oficina de Informação: www.oficinainforma.com.br)
Em Cuba desde domingo para uma visita de seis dias, o
ex-presidente americano Jimmy Carter declarou nessa segunda-feira que, antes de
viajar para a ilha, reuniu-se com várias agências do governo dos Estados
Unidos para saber se havia algum tipo de evidência de que o país caribenho apóia
atividades terroristas em qualquer parte do mundo ou se compartilha informações
que pudessem ser utilizadas para o bioterrorismo. Carter afirmou que a resposta
que recebeu foi não.
A declaração foi dada quando o ex-presidente visitava, na
companhia do presidente Fidel Castro, o Centro de Engenheria Genética e
Biotecnológica, e foi uma resposta ao subsecretário de Estado americano, John
R. Bolton, que, há uma semana, acusou o governo de Fidel de pesquisar e
desenvolver armas biológicas e de transferir essa tecnologia a "outros
estados bandidos", como a Síria e a Líbia.
Numa conferência pronunciada no dia 6 de maio, na Fundação
Heritage, conhecida por suas posições conservadoras, Bolton afirmou que
durante quatro décadas Cuba manteve uma indústria biomédica bem desenvolvida
e ultramoderna que foi apoiada até 1990 pela União Soviética.
Disse que essa indústria é uma das mais avançadas da América
Latina e está na vanguarda da produção de fármacos e vacinas que se vendem
em todo o mundo. Acrescentou que, há tempos, analistas e desertores cubanos põem
em dúvida o propósito das atividades realizadas nessas instalações biomédicas.
Por fim, afirmou com todas as letras que "os Estados
Unidos consideram que Cuba está levando a cabo ao menos um trabalho ofensivo
limitado de investigação e desenvolvimento de guerra biológica. Cuba ofereceu
tecnologia de duplo uso a outros Estados renegados. Preocupa-nos que essa
tecnologia possa respaldar programas de armas biológicas nesses Estados.
Exortamos a Cuba que cesse toda a cooperação aplicável às armas biológicas
com os Estados renegados e que respeite plenamente todas as suas obrigações de
signatário da Convenção de Armas Biológicas".
Em resposta às acusações de Bolton, o presidente Fidel
Castro disse que a única verdade dita pelo subsecretário é que "Cuba
fica a 90 milhas do território continental dos Estados Unidos". Ele
desafiou o governo americano a provar as acusações e fez um balanço dos avanços
científicos alcançados por seu governo, a par da assistência médica que
oferece a dezenas de países.
Nos últimos 40 anos, afirmou, mais de 34 mil médicos e
trabalhadores de saúde prestaram serviços médicos gratuitos em países
pobres; atualmente, 2.671 médicos estão a serviço em países da América
Latina, Caribe e África. Castro disse também que 39.800 jovens procedentes de
mais de 120 países do Terceiro Mundo já se graduaram em Cuba na área da saúde,
em 33 especialidades universitárias e técnicas.
Com relação à transferência de tecnologia, o presidente
cubano explicou que fornece produtos e técnicas biológicas (medicamentos e
vacinas) para mais de 40 países, e que, no momento, mantém acordos de transferência
de tecnologia com 14 países: Índia, China, Brasil, Egito, Malásia, Irã, Rússia,
África do Sul, Tunísia, Argélia, Grã-Bretanha, Bélgica, Venezuela e México.
Ao contrário do que disse Bolton, não há no momento qualquer acordo com a Líbia
e, quanto ao Irã, o acordo prevê a proibição de qualquer utilização
incorreta das informações repassadas.
O subsecretário John R. Bolton foi desmentido matreiramente
nessa terça-feira pelo próprio secretário de Estado, Colin Powell. De acordo
com Powell, Bolton teria dito que os americanos acreditam "que Cuba tem
capacidade para pesquisar uma ofensiva biológica" mas, acrescentou,
"nós não dissemos que (Cuba) tem de fato algumas dessas armas, mas tem a
capacidade e potencial para conduzir esse tipo de pesquisa".
É verdade que Cuba tem muita experiência com armas químicas
e biológicas, mas sempre na condição de alvo dos Estados Unidos, como mostram
esses fatos retirados de um levantamento feito pela revista alternativa
americanaZ Magazine, com a qual colabora o pensador Noam Chomsky:
Em 1962, durante a Crise dos Mísseis, provocada pela ameaça
da União Soviética de instalar mísseis atômicos na ilha, os americanos
equiparam aviões de combate com armas químicas para atacar Cuba;
Em 1972, uma febre suína matou 500 mil porcos na ilha. O
governo cubano acusou os Estados Unidos de borrifar o vírus sobre o país;
Em 1979, o jornal Washington Post publicou reportagem sobre o
programa do governo americano de sabotagem da agricultura cubana, em vigor desde
1962, incluindo guerra biológica desenvolvida pela CIA;
Em 1997, novamente o governo cubano acusou os americanos de
espalhar agentes biológicos sobre plantações na Ilha.
É preciso notar, ainda, que não foi Cuba mas sim os Estados
Unidos que se recusaram, em julho do ano passado, a aceitar o protocolo que
vinha sendo negociado há seis anos para estabelecer mecanismos de fiscalização
do uso de armas biológicas. Entre outras razões, segundo confessou o
representante americano, Donald Mahley, porque o "acordo ameaça [abrir]
informações confidenciais sobre nossa nação e nossos negócios".
Sempre que puderam, os Estados Unidos procuraram evitar
compromissos para limitar a produção e o uso de armas químicas e biológicas,
como demonstram os seguintes fatos também elencados no levantamento da revista
Z Magazine: Em 1907, os Estados Unidos não participaram da Convenção
de Haia, que baniu o uso de armas químicas; Em 1928, estabeleceu-se
o Protocolo de Genebra, que proibiu o uso de gás e de armas bacteriológicas.
Muitos dos países que assinaram o tratado, como os Estados Unidos, apenas se
comprometeram em não usar esse tipo de armas em primeiro lugar;
Em 1941, em plena Segunda Guerra, o presidente Roosevelt
prometeu que os Estados Unidos não seriam o primeiro país a usar armas bioquímicas.
Em compensação, diga-se, em agosto de 1945, foram o primeiro (e até hoje, o
único) país a atacar outro (o Japão) com armas nucleares, bombardeando as
cidades de Hiroshima e Nagasáki;
Em 1947, o governo americano anunciou que possuía armas biológicas,
contendo germes patológicos, e o presidente Truman retirou do Senado o
Protocolo de Genebra, que estava sendo apreciado; Em 1945,
revelou-se que militares japoneses desenvolveram experiências de guerra biológica,
envolvendo pelo menos 3.000 pessoas. O governo americano protegeu oficiais de
suas forças armadas que foram acusados de cometer crimes de guerra por repassar
informações a respeito aos japoneses.
Em 1949, os Estados Unidos declararam que o julgamento por
parte da União Soviética de oficiais japoneses acusados de envolvimento em
ataques com germes não passava de "propaganda". O Exército americano
começou nesse mesmo ano a testar armas biológicas em cidades dos Estados
Unidos;
Em 1950, depois de iniciada a Guerra da Coréia, os Estados
Unidos foram acusados pela Coréia do Norte e pela China de usar armas biológicas.
No mesmo ano, na cidade de San Francisco, o Exército americano fez testes com
uma bactéria.
Em 1951, afro-americanos foram expostos na Virgínia a um
fungo que estava sendo pesquisado para o desenvolvimento de uma arma biológica
com alvos raciais específicos;
Em 1956, um manual do Exército explicitou que as suas armas
bioquímicas não haviam sido banidas;
Em 1959, uma resolução da Câmara dos Deputados que impedia
o país de usar armas bioquímicas em primeiro lugar foi vetada pelo presidente
dos EUA;
Em 1966, o Exército fez uma experiência com bombas contendo
germes no metrô de Nova York;
Em 1969, um acidente com armas químicas em Utah matou
milhares de ovelhas. O presidente Nixon declarou uma moratória na produção de
armas químicas. Junto com apenas dois outros países, os Estados Unidos votaram
contra a resolução da Assembléia Geral da ONU que baniu o uso de herbicidas e
gases lacrimogêneos em guerras. No mesmo ano, soldados americanos mataram
guerrilheiros vietcongues lançando esse tipo de gás em túneis onde eles
estavam abrigados;
Em 1971, o governo americano proíbe o uso direto de
herbicidas como o "agente laranja", que foi amplamente lançado sobre
florestas na Indochina, tendo destruído pelo menos 6% da produção de grãos
no Vietnã do Sul, suficiente para alimentar 600 mil pessoas durante um ano;
Em 1974, finalmente, os Estados Unidos ratificaram o
Protocolo de Genebra, de 1928;
Em 1975, a Indonésia invade e anexa o Timor Leste, com ajuda
americana; aviões borrifaram herbicidas sobre plantações;
Em 1980, o Congresso americano aprovou a construção de uma
fábrica de gás paralisante em Pine Bluff, Arkansas;
Em 1985, os Estados Unidos retomaram os testes de agentes
biológicos ao ar livre;
Em 1987, o vice-presidente Bush desempata uma votação do
Senado em favor do reinício da produção de armas químicas; Em
1988, o Iraque usa armas químicas contra a minoria curda em Halabjah e o
presidente Reagan bloqueia as sanções votadas pelo Congresso contra aquele país;
Em 1989, a Conferência de Paris, reunindo 149 países,
condena o uso de armas químicas, acelerando as negociações do tratado de
Genebra, que baniria esse tipo de arma. Mas a imprensa denuncia que os Estados
Unidos estavam planejando produzir gases venenosos mesmo depois da assinatura do
tratado.