No
meio da crise econômica dos três principais centros de poder econômico do
mundo – Estados Unidos, Japão e Europa – que vivem uma recessão econômica,
personalidades das ciências sociais e econômicas de diferentes escolas de
pensamento e de organismos internacionais, se reuniram em Havana para debater
sobre as diferentes alternativas e formas de garantir o desenvolvimento econômico
eqüitativo.
A
conjuntura em que se realizou o Encontro, era ímpar, dado o agravamento da
crise econômica internacional, os terríveis ataques de 11 de setembro nos
Estados Unidos, a pressão para a implementação da Área de Livre Comércio
das Américas (ALCA) e a crise da Argentina, fiel seguidora da receita e do
modelo neoliberal.
A
estrutura do encontro constituiu-se de plenárias de debates, com diversos
temas, como por exemplo: Os fracassos do Consenso de Washington, com Joseph E.
Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia 2001; Sistema Monetário Internacional, com
Robert Mundell, Prêmio Nobel de Economia 1999; Debate com o Banco Mundial,
representado por Guillermo Perry, Ian Golden e Luis Pereira da Silva;
Perspectivas para América Latina e Caribe e o novo Contexto Internacional com
Charles Collyns, do Fundo Monetário Internacional (FMI); A atual crise econômica
na Argentina, com Aldo Ferrer (Argentina), Atílio Bóron (Argentina) e Jorge
Beinstein; Crise Econômica Globalizada e Gasto Militar, com John Saxe-Fernández
(UNAM Win Dierckxsens), Orlando Caputo (Chile); Alternativas frente a ALCA,
Osvaldo Martinez Martinez (Cuba), Carlos Juan Moneta (Argentina) e Atílio Bóron
(Argentina); Os Desafios dos Direitos Humanos frente à Globalização, com
Adolfo Pérez Esquível, Prêmio Nobel da Paz. Por fim, o encerramento com o
Presidente de Cuba, comandante Fidel Castro, assíduo participante do Encontro.
Os
trabalhos realizados pelas mais diferentes comissões discutiram: temas monetários
e financeiros; relações comerciais internacionais; os atores sócio-econômicos
da promoção do desenvolvimento; integração e cooperação econômica;
recursos humanos e mercados de trabalho; ciência e tecnologia em função do
desenvolvimento.
O
Prêmio Nobel de Economia de 2001, norte-americano Joseph E. Stiglitz, Professor
da Universidade da Columbia, afirmou que a globalização deve ser meio e não
fim, visando criar a sociedade que queremos ter, com desenvolvimento sustentável,
democrático, com justiça social e com o melhoramento da sociedade humana.
Declarou
que os postulados do Consenso de Washington eram uma hipocrisia, na palestra
magna que inaugurou os debates deste 4º Encontro Internacional de Economistas
sobre Globalização e Problemas do Desenvolvimento, único do seu tipo no
mundo, pela pluralidade de pensamentos que participam.
“O
neoliberalismo preconizou”, afirmou Stiglitz, “que ao liberar as forças do
mercado, o crescimento econômico chegaria a todos os países, pelo efeito
vazamento. Contudo, a distribuição das riquezas tem sido cada vez mais
desigual e se descumpriu o previsto”.
Ele
colocou em dúvida o que chamou de hipocrisias do Consenso de Washington, porque
o primeiro dever de um governo é criar empregos. E questionou quais eram os
benefícios que estas reformas econômicas trouxeram para os trabalhadores.
Propôs
uma agenda alternativa, geradora de empregos, onde as novas tecnologias levem ao
crescimento da produtividade; onde sejam garantidos níveis de educação à
população, com infra-estrutura firme, sem corrupção e outras mazelas.
O
professor Stiglitz pronunciou-se sobre a necessidade de criar bens públicos
globais, ao alcance de todos, como a segurança, a estabilidade do crescimento
mundial, o emprego, o cuidado do meio ambiente.
O
Nobel de Economia 2001 concorda com a idéia do financiamento para o
desenvolvimento, rejeitando os critérios de que essa ajuda não é necessária
para os países subdesenvolvidos. “Esse apoio é necessário para criar bens
políticos globais, ao alcance de todos”, precisou. Aconselhou as nações
para reduzirem as despesas em armas e para dedicarem mais verbas à educação e
à saúde.
O
Prêmio Nobel da paz, Adolfo Pérez Esquível, com a palestra “Os Desafios dos
Direitos Humanos frente à Globalização” enfatizou a importância do
encontro, qual seja, recuperar o Pensamento Próprio, a identidade dos nossos
povos, a capacidade criativa do pensamento e dos ideais para sermos homens e
mulheres livres. Segundo ele: “Temos em nossos povos raízes e um legado
histórico e cultural extraordinário. A memória é necessária, não para
ficarmos presos ao passado, mas para nos ajudar a iluminar o presente, e depende
da coragem de cada um de nós a construção do futuro. Não há outro caminho.
A construção do Pensamento Próprio é a resposta ao Pensamento Único
globalizado, que busca massificar as consciências e submetê-las à perda das
identidades culturais, ao consumismo que nos consome, à falta de liberdade, a
esse pensamento que se baseia na dominação e não na liberação e vida dos
povos”.
Segundo
ele, no dia 11 de setembro do ano passado, quando do atentado terrorista sobre
as Torres Gêmeas, que teve um forte impacto no mundo, com milhares de mortos,
também a FAO informava que neste dia morreram no mundo mais de 35 mil crianças
de fome. As Nações Unidas e os governos não escutaram a sua voz, a morte de
mais de 35 mil crianças que sofrem o genocídio todos os dias, não é notícia.
E conclui este ponto afirmando: “O terrorismo tem muitos rostos, não é
somente com armas que se mata e se domina; estamos frente ao” terrorismo econômico
“que mata mais que as guerras, arremessando todos os dias a bomba silenciosa
da fome, semelhante a várias bombas atômicas, sendo mais poderosas e
destrutivas que as lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki”.
Esquível
ainda reforçou, que vivemos num sistema econômico internacional de grandes
desigualdades, que impõe preço a tudo e nada mais vale. “Devemos perceber
que preço e valor não são a mesma coisa. Que há valores que não podem ser
cotizados pela Bolsa de Valores, como é a dignidade humana, os direitos à
soberania e a autodeterminação dos povos. As Bolsas de valores financeiras
desvalorizam o ser humano e o reduzem a uma simples mercadoria do dever e do
haver, de perdas e ganâncias. Sacrifica-se a vida dos povos no altar do bezerro
de ouro”.
Afirmou
que nos falam do “livre mercado”, quando os países ricos subvencionam sua
produção e deixam sem recursos os países pobres, que devem submeter-se aos
seus interesses e preços. “O certo é que nunca o mercado esteve mais
amarrado do que agora. Hoje a humanidade está presa no labirinto da especulação
financeira, em seus mecanismos injustos que oprimem os povos e os submetem à
dominação através dos mercados e da especulação. A Dívida Externa atua
como mecanismo de dominação e exploração, com um alto custo para o
desenvolvimento e para a vida dos povos”.
Ao
finalizar sua intervenção, Adolfo Pérez lembrou Galeano, que em relação aos
meios de comunicação define com profundidade e ironia a situação “Em
um mundo sem alma nos obrigam a aceitar como única possibilidade que, não há
povos, mas mercados; não há cidadãos, mas consumidores; não há cidades, mas
aglomerações; não há relações humanas, mas competências mercantis".
Pela
primeira vez, o Fundo Monetário Internacional (FMI) veio a Cuba para participar
de uma importante reunião de economistas, onde se analisariam os custos da
globalização e os problemas que são obstáculos ao desenvolvimento em boa
parte do mundo, apesar de ser do próprio Fundo o receituário econômico que
trouxe problemas sem precedentes, em especial, aqui na América Latina (vide a
Argentina).
Antes
do Representante do FMI, houve a apresentação do Banco Mundial, e que
propiciou um excelente debate em relação às conseqüências das políticas
neoliberais. Charles Collyns, que representou o FMI no encontro, elogiou o
evento. “Tudo esteve muito bem organizado, os debates foram muito fortes, mas
com respeito e rigor acadêmico. Demonstra que se pode abordar todos os assuntos
importantes para Cuba e dos demais países e instituições que também foram
convidadas. Por tudo isso, creio que foi positivo para mim, como creio que foi
para os executivos do Banco Mundial. Podemos aprender um pouco mais e conhecer
outros pontos de vista que são importantes para o nosso trabalho. Valeu à pena
vir à Cuba", frisou Collyns.
O
que impressionou Collyns, foi a presença de Fidel Castro em todas as sessões
dos debates: "Sempre o vi muito atento, escutando a todos os presentes,
intervindo também, com muito interesse e concentração. É impressionante,
quer saber todos os detalhes de tudo que está acontecendo”, disse.
Com
relação ao debate sobre a ALCA, cabe ressaltar a definição de Osvaldo
Martinez Martinez, Presidente do Centro de Investigação da Economia Mundial,
afirmando que o neocolonialismo neoliberal, que é como uma nova tentativa
de invasão territorial, quer converter a região em território exclusivo das
transnacionais norte-americanas. Considerou que a ALCA merece oposição
porque quer despojar nossos países de suas defesas mais elementares, tirar dos
latino-americanos o direito a regular aquilo que as nações ricas tiveram em
seu momento para desenvolver-se, porque tenta converter em mercadorias de lucro
a saúde e a educação. Tenta tornar os estados subordinados do mercado e dos
seus “donos”. Um dos seus elementos é a igualdade, mas a igualdade entre
desiguais faz aumentar a desigualdade. O estudioso cubano assegurou que é
necessário opor-se à ALCA, pois se trata de uma cruzada contra o Estado e as
empresas públicas e pretende despojar aquelas poucas que percam seu sentido
social e colocá-las sob a disciplina do mercado, da competência neoliberal.
Foi no show que ouvi de algumas pessoas do movimento que tudo foi muito bonito e importante, mas talvez nada tenha se comparado às visitas que membros do MST fizeram a algumas favelas do Rio de Janeiro. Pena que eu não estava lá para ver. Fica para a próxima. Ficou impresso na memória, porém, a capacidade com que o MST disputa a hegemonia na sociedade: dos músicos ao biju, passando pela editora que eles criaram, à coreografia que eles chamam de mística e na qual são mestres.
Ivo Petry Sobrinho é economista, coordenador geral do Sindaspp e participou como delegado do IV Encontro Internacional de Economistas de Havana, Cuba. Este relato é baseado na participação do evento e nas publicações de alguns veículos de imprensa de Cuba: Globalización 2002, El Economista e Diário Granma de Cuba. Voltar ao topo da página