O que está por trás dos ataques a Duda Mendonça

(Paulo Cezar da Rosa)  
Diretor da Veraz Comunicação

"No meio do caminho tinha uma pedra"
Carlos Drummond de Andrade

Dois dos principais órgãos de informação do país começaram uma guerra que promete ser uma pedra no caminho do governo Lula. Primeiro foi o Estadão, com uma matéria intitulada "Planalto cria supermáquina de informação oficial". Logo abaixo da manchete, a legenda explicava: "Radiobrás é ampliada para levar noticiário do governo, de graça, a 100 milhões de pessoas". A matéria criticava o "agigantamento do noticiário oficial" e abria espaço para o estabelecimento de um paralelismo com o Departamento de Imprensa e Propaganda da era Vargas. "É o DIP do século 21", conforme declaração de Prisco Viana, alçado pelo jornal à condição de testemunha da história.

Em seguida, num domingo, veio a Folha de São Paulo, ampliando o tratamento do tema. Ancorada numa entrevista com o ministro Luiz Gushiken, o tratamento da Folha ao tema seguiu um curso diferenciado, mais declaradamente de oposição, e centrado na crítica ao papel de "ministro da propaganda" conferido a Duda Mendonça. A Folha dedicou quase três páginas do primeiro caderno, com manchetes que falam por si: Duda será "ministro da propaganda" de Lula | Em 3 anos, PT deu a Duda o mesmo que Maluf | Governo quer dar estímulo para a mídia do interior | Congresso pode mudar "A Voz do Brasil" | Com Lula, audiência da Agência Brasil cresce 44% .

No dia seguinte, o UOL NEWS, site do grupo Folha, dizia que "Duda Mendonça é escândalo em potencial". O UOL deu sequência ao assunto usando declarações do senador Arthur Virgílio (PSDB/AM), que também é colunista do UOL News. Para Virgílio, a única maneira de Mendonça provar que não está fazendo nada suspeito é começar a perder as licitações. "Ou ele começa a perder para mostrar que estou errado ou então ele começa a ganhar contas importantes e isso dá Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)."

O assunto merece atenção. No Rio Grande do Sul, o governo Olívio Dutra foi derrotado em grande medida pela oposição da mídia. Foi ela quem primeiro declarou guerra ao governo. Foi ela quem teceu no imaginário do eleitor uma campanha de contrapropaganda que o governo não soube enfrentar e da qual o PT gaúcho ainda não se recuperou. Por outros caminhos e também por outros motivos, o mesmo pode estar se estruturando no cenário nacional.

Três em um

O ataque oposicionista à política de comunicação do governo, na verdade, se dá em função de três questões diferentes, que merecem ser elucidadas. São elas a "supermáquina de informação", o "marketing político permanente" centralizado nas mãos de Duda Mendonça e a "mudança de mãos" das contas governamentais. Todas as três se articulam e, junto com o processo - inexorável- de reestruturação da mídia, esboçam um projeto audacioso de reforma nas comunicações no Brasil.

A "supermáquina de informação" talvez seja a principal preocupação dos grupos que historicamente controlam a informação. De fato, grupos como Folha e Estadão sempre retiraram sua força do virtual monopólio e uso para seus próprios interesses da informação no Brasil. Há mais de uma década, Perseu Abramo, num artigo escrito em 1988, em meio ao debate da Assembléia Nacional Constituinte, desnudava os novos contornos que os meios de comunicação de massas no Brasil re-democratizado vinham adotando. Conforme Abramo, os órgãos de imprensa manipulavam a informação e começavam a atuar como partidos. "Se não são partidos políticos na acepção rigorosa do termo, são, pelo menos, agentes partidários, entidades para-partidárias", afirmava Abramo.

De 88 em diante, os meios de comunicação de massas praticamente lideraram a onda neoliberal e a imposição do pensamento único no Brasil no final do século. É essa liderança que uma Radiobrás transformada em "supermáquina da informação" põe em risco. A matéria do Estadão é clara ao alertar que "o governo passa a fazer a cobertura jornalística em todos os campos, não se restringindo mais à divulgação dos acontecimentos oficiais, e oferece esse noticiário gratuitamente, privilegiando seu enfoque dos acontecimentos".

A ação do governo neste aspecto promete uma mudança radical no cenário da comunicação no Brasil. Uma rede de mais de mil emissoras de rádio e retransmissoras de TV e mais de mil jornais espalhados pelo país, que historicamente produz seus noticiários com base nas informações que recebe das agências de notícias privadas, vai contar com uma informação de qualidade, pública e gratuita fornecida pela Radiobrás. Com isso, grupos como a Folha e o Estadão com certeza perderão poder. A eles não interessa qualquer iniciativa que democratize o acesso à informação no país. E antes ainda que ela se apresente melhor configurada, reagem furiosamente tentando configurá-la como uma iniciativa autoritária, um "DIP do Século XXI".

Operação Duda Mendonça

Quando assumiu a Secretaria de Comunicação, Luis Gushiken encontrou um processo em andamento. O governo Fernando Henrique vinha organizando um profundo processo de centralização na comunicação governamental, particularmente no terreno da propaganda. O processo de centralização era parte da política de re-estruturação e internacionalização da mídia. Falidos, os grupos de comunicação no Brasil estavam vendo na entrada do capital internacional uma tábua de salvação. Uma contra-partida lógica seria o governo, como maior anunciante do país, oferecer garantias para a vinda dos capitais. Uma das medidas seria colocar nas mãos das agências multinacionais a administração das contas do governo (**) como forma de garantir o fluxo dos recursos dos cofres públicos para os veículos "globalizados". Para viabilizar esse processo, a centralização dos recursos, com o afastamento dos interesses "menores" dos ministérios, era essencial.

Gushiken deu continuidade à centralização, mas está promovendo outro curso e outro projeto. Na licitação da Secom, que passou a deter a maior verba do governo, Duda Mendonça ficou em primeiro lugar. E o poder conferido ao publicitário baiano no terreno do marketing tem sido tão grande que a Folha já o classifica como "ministro da propaganda".

De fato, o que se vislumbra no terreno da propaganda e do marketing é uma novidade no país. Nunca, nenhum governo deu tanta importância ao setor e contou com tantos recursos centralizados. Numa sociedade onde é essencial a qualquer projeto político sério a sua exposição através de meios de comunicação de massas e a realização de um marketing permanente, os detentores dos seus meios de produção parecem espantados com a capacidade do governo Lula de utilizar as regras do jogo da comunicação em seu favor. Como a contribuição de Duda Mendonça para isso é decisiva, ou no mínimo simbolicamente parece muito importante (até porque Duda pegou também a conta do PT), tornou-se estratégico para a oposição combatê-lo.

Mudança de mãos

Nem o PT, nem ninguém na esquerda, fez muito pela democratização da comunicação no Brasil nas últimas décadas. O fato de ser governo, entretanto, tem uma consequência natural no terreno da propaganda, em particular das contas públicas. Elas tendem a mudar de mãos e ajudar a democratização do setor.

A mudança de mãos acontece por um motivo óbvio. É claro que o critério técnico é fundamental, mas, para além dele, para fazer boa propaganda, a agência precisa conhecer a alma do cliente, saber de seus problemas e seus desejos mais íntimos. Se isso se aplica à propaganda comercial, na propaganda política o fator confiança se apresenta com mais força ainda. Por isso, há uma tendência a que parte das agências que mantiveram por décadas contas governamentais venham a perdê-las. E novas agências passem a atuar.

Acossados por uma crise sem precedentes, os meios de comunicação no Brasil têm receio desta mudança. Qual será a política de distribuição das verbas? As novas agências terão compromissos com outros setores? Haverá garantias de que os recursos vão continuar saindo dos cofres públicos para os cofres dos veículos com a mesma regularidade? Quando Artur Virgílio praticamente exige que Duda Mendonça pare de ganhar as licitações do governo, ele está se apresentando como porta-voz de todos estes temores.

Reformar é preciso

A cena que se apresenta oferece uma oportunidade: é possível fazer uma reforma de toda a comunicação ao longo dos próximos anos; é possível democratizar e modernizar nosso sistema de comunicações; é possível desenvolver junto disso uma profunda transformação cultural no país. Muitos dos passos que estão sendo dados apontam nesse sentido.

Para fazer esta mudança, entretanto, todo cuidado é pouco. O maior erro quase sempre é subestimar o poder que detêm os meios de comunicação no Brasil. Para o bem, e para o mal, eles foram decisivos em vários momentos da história recente do país.

Duda Mendonça, nomeado "consultor especial" pelo ministro Luis Gushiken para os assuntos relativos à estratégia de comunicação do governo, parece ter uma desconfiança benigna do papel da mídia. Num seminário que realizamos com ele em janeiro de 2002, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, o publicitário perguntava: "Quem fala a verdade? A publicidade e o marketing ou a imprensa controlada por meia dúzia de famílias no Brasil?"

Essa desconfiança é um bom começo, assim como operar com as regras do jogo da comunicação e do marketing em favor do governo. Agora, se na longa jornada que se anuncia, o governo saberá o que fazer com todas as pedras no meio do caminho, só o tempo dirá.

(**) No final do governo FHC havia 44 agências atendendo o governo. Destas, 12 eram agências multinacionais. Elas já detinham cerca de 60% das verbas. Uma eleição de Serra, com certeza levaria a uma maior centralização e internacionalização.

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