Onde está uma saída nacional?
As grandes empresas de comunicação brasileiras vivem uma grave crise econômica e procuraram o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para que as ajude a encontrar uma saída – este é um fato. Que atitude deve tomar o banco estatal para ajudar numa solução que corresponda aos interesses nacionais? esta é a questão.
No Brasil, os meios de comunicação da massa formam uma espécie de oligopólio, muito evidente no caso do mais abrangente desses meios – a televisão – no qual as Organizações Globo têm, por diversos critérios, mais da metade do controle. Em 2002, no Brasil, 58,7% das verbas de publicidade - principal fonte de sustentação dos grandes veículos de comunicação - foram para a televisão e, dessa parte, 78% foram para a Globo e suas 113 emissoras próprias ou afiliadas, que tiveram 51% da audiência no horário das 18 às 24 horas.
O controle dos meios de comunicação do país no campo da televisão por cinco grupos de alcance nacional – Globo, SBT (Sílvio Santos), Bandeirantes, Record e Rede TV - se faz através da articulação deles com organizações regionais e está embricada com a posse de rádios e jornais. Os estudiosos do assunto, entre os quais destaca-se Daniel Herz, de nosso Conselho Editorial e também do novo Conselho de Comunicação Social do Congresso do país – frequentemente apontam a cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, como um exemplo desse domínio. Lá a Globo tem como afiliada a RBS. O grupo tem os dois principais jornais da praça: Zero Hora e Diário Gaúcho. Tem também o principal canal em UHF, a TV Com, canal 36. Tem ainda: o Canal Rural, transmitido pela NET, teve a cabo; algumas das principais emissoras de rádio AM (Gaúcha e Farroupilha) e FM (Atlântida e 102FM).
No estudo dos meios de comunicação brasileiros, o destaque dado à Globo, que é uma organização de imprensa e entretenimento, freqüentemente obscurece o papel dos grandes jornais diários e as grandes revistas semanais que, por suas redações de centenas de funcionários e centenas de colaboradores regulares e pessoas dispostas a lhes prestar informações, tem papel central na formação política da opinião pública, com certeza o principal papel da imprensa. Nesse sentido, se poderia dizer que, junto com a Globo - que tem também seus jornais diários, no Rio e em São Paulo - a Folha de S. Paulo, o jornal O Estado de S. Paulo e a Editora Abril – dona da Veja, uma das maiores revistas semanais de informação do mundo - são as quatro mais poderosas organizações de imprensa no país.
Todas essas empresas estão em crise. A crise é maior nas Organizações Globo e no Grupo Abril, que foram mais fundo na ilusão do Plano Real e da chamada revolução das comunicações e pretenderam criar grandes empresas de televisão por satélite ou a cabo e fracassaram em virtude do fracasso desse plano e da não expansão do mercado do país. A Globo deve perto de 1,5 bilhão de dólares; a Abril, cerca de 250 milhões. Mas todos devem – e todos fizeram dívidas em dólar na época em que a moeda americana valia cerca de um real e a estão pagando agora, muito mais cara, com o dólar a cerca de três reais.
As saídas que estão sendo preparadas para essa crise se baseiam em crédito estatal e socorro do capital estrangeiro. O governo Fernando Henrique Cardoso aprovou no Congresso Nacional uma legislação que abriu a possibilidade de grupos estrangeiros adquirirem até 30% do controle dos veículos de imprensa e de as empresas do setor se estruturarem de forma diferente – não apenas sob controle de pessoas físicas nacionais, como mandava a lei anterior.
Há poucos dias, as três principais entidades do setor – a ANJ, Associação Nacional dos Jornais, a ANER, Associação Nacional dos Editores de Revista, e a ABERT, Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão – bateram à porta do BNDES. Depois do encontro com o presidente do banco, Carlos Lessa, as três entidades distribuíram nota na qual anunciaram a contratação da ex-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e ex-diretora do próprio BNDES, Maria Sílvia Bastos Marques para preparar estudo do setor e uma "proposta de política de financiamento para as empresas da indústria de comunicação social".
A dificuldade maior parece ser a de encontrar uma saída que atenda aos "interesses nacionais", pelo menos no caso do BNDES, um banco que está, felizmente, ainda, sob a direção de um nacionalista convicto. O governo passado, sob aplauso, diga-se de passagem, em certos casos até entusiástico de todos esses grupos, desmantelou o critério constitucional que permitia distinguir entre empresas brasileiras em geral, ou seja, instaladas no país, de empresas brasileiras de capital nacional. Além disso, mesmo as empresas jornalísticas brasileiras dirigidas e controladas por brasileiros, como é o caso indiscutível da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo, se consideram, no geral, internacionalistas. Basta ver o tratamento recente que deram ao próprio Lessa quando o BNDES comprou ações da empresa para garantir o seu "controle nacional". Na segunda-feira dia 24, por exemplo, a Folha publicou mais uma de suas notas baseadas em fontes não identificadas que sugere que o governo está preparando a substituição de Lessa.
Todos os defensores da ajuda aos grandes grupos de comunicação brasileiros que já se manifestaram no debate parecem esquecer que no capitalismo, a crise é uma forma de purgar os excessos cometidos. Não se deve imaginar que não há outras soluções fora dos grandes grupos atuais ou mesmo de um rearranjo na atual estrutura do oligopólio.
Não se pode esquecer, nem mesmo, que existe uma imprensa de pequenas empresas que, embora com pouco capital e alcance menor, é nacional e verdadeiramente preocupada com interesses nacionais e populares – é o caso de Caros Amigos, Brasil de Fato, Correio da Cidadania, revista Forum e, entre muitas outras, é claro, Reportagem, a revista do site da Oficina de Informações.