Ex-produtora da TV Globo tem cabeça a prêmio

(Comunique-se)

Na manhã desta segunda-feira (10/06), uma ligação movimentou a redação de Comunique-se. Era Cristina Guimarães, ex-produtora da TV Globo, que saiu do país por estar sendo ameaçada por traficantes da Rocinha. Autora da reportagem "Feira de Drogas na Rocinha", exibida no Jornal Nacional em agosto do ano passado, Cristina pediu rescisão indireta da emissora porque não teria recebido apoio da direção da empresa quando começou a sofrer ameaças. O contato com Comunique-se foi feito por intermédio do Centro de Direitos Humanos, que pretende pedir apoio do Ministério da Justiça e da Polícia Federal nas investigações do caso da jornalista. 

Durante seis anos, Cristina foi produtora-repórter da Globo. Como Tim Lopes, jornalista assassinado na semana passada, elas utilizava microcâmeras escondidas para fazer reportagens investigativas. Hoje, vive escondida, com medo de ter o mesmo destino do colega. "Tenho certeza de que Tim foi assassinado por causa da série Feira de Drogas", diz. E alerta: "Acho que todos que participaram das reportagens correm o risco de serem assassinados", referindo-se aos colegas Tyndaro Menezes, Flávio Fachel e Renata Lyra, também vencedores do Prêmio Esso de Telejornalismo 2001.

Comunique-se: O que levou você a procurar nossa redação para falar sobre o seu caso?
Cristina Guimarães: Soube da matéria que vocês fizeram com o Oswaldo Manesch (assessor da Defensoria Pública; leia aqui) e entrei no site para ler. Não gosto de me expor nem de aparecer. Mas decidi conversar com alguém para saberem o que realmente aconteceu comigo.

Comunique-se: Por que você vive se escondendo?
CG: Soube que os traficantes da Rocinha estão oferecendo R$ 20 mil pela minha cabeça. Pedi proteção à Globo, mas ninguém me ouviu. Disseram que eu estava ficando maluca. Decidi sair do país e estou sobrevivendo graças à ajuda de amigos.

Comunique-se: Quando e em quais circunstâncias você começou a sofrer ameaças?
CG: Eu e Tim (Lopes) éramos os repórteres investigativos do Jornal Nacional, da Globo. A chefia de Redação me chamou, em julho do ano passado, apresentando a pauta sobre a feira de drogas. Pediram que eu fizesse duas matérias, uma na Rocinha e outra na Mangueira. Tive que ir três vezes em cada favela. Disseram que as imagens não estavam boas e me mandavam voltar. Fiquei visada, embora sempre tenha me fantasiado para fazer reportagens. Tinha esse cuidado para não ser reconhecida. No caso da Rocinha, usei boné, roupa surrada, parecia um homem. Já cheguei a me disfarçar de prostituta e até de bicheira. Também para não causar desconfianças, eu tinha verba para comprar drogas. Mas, por favor, não sou viciada. Gosto só de uma cervejinha.

Comunique-se:  Como soube que os traficantes estavam atrás de você?
CG: A matéria sobre foi ao ar no dia 13 de agosto de 2001. No dia seguinte, eu estava de férias. Tive que fazer uma cirurgia. Um mês depois eu voltei e os motoristas terceirizados me disseram que homens estranhos estavam rondando a Globo. Estavam me procurando. Tive certeza disso quando fui cobrir uma matéria na Defensoria Pública. Um traficante da Rocinha havia sido preso. Quando entrei na sala onde ele estava, ele me olhou e disse: "Você esteve na Rocinha vestida assim e assado?". Ele descreveu exatamente o que eu usava quando fui fazer as imagens da feria de drogas. Daí, ele disse que minha cabeça estava à prêmio. Os traficantes estavam oferecendo R$ 20 mil para quem me matasse.

Comunique-se: Você comunicou isso à direção de jornalismo da Globo?
CG: Contei, mas não levaram muita fé. Tentei me acalmar e viajei para Belém para fazer uma matéria. Quando voltei, li uma nota na Folha dizendo que um produtor do Esporte Espetacular havia sido seqüestrado e levado para a Rocinha. Mas soube que a ordem na emissora era abafar o caso. Foi aí que entrei em pânico. Conversei com a chefia de reportagem e ninguém se manifestou. Percebi que a Globo não ia me apoiar. Decidi então entrar na Justiça. Pedi rescisão indireta alegando que a Globo não me protegia. O Ministério do Trabalho concedeu uma liminar e eu saí da empresa.

Comunique-se: O produtor ao qual você se refere era o Carlos Alberto de Carvalho?
CG: Era, ele foi levado para um barraco na Rocinha. Bateram muito nele. Queriam que dissesse quem foi o responsável pelas imagens da feira de drogas na favela. Mas ele não sabia porque trabalhava em uma editoria diferente da minha. Sei que a ocorrência do seqüestro está na 15ª DP.

Comunique-se: Você acha que o assassinato de Tim Lopes tem a ver com a matéria sobre a Feira de drogas?
CG: Tenho certeza disso. Acho que todos que fizeram a série de reportagens correm o risco de serem assassinados (Tyndaro Menezes, Flávio Fachel e Renata Lyra). Tim era meu amigo. Nós dois implantamos a microcâmera na Globo. Acho que o Tim já estava visado. Mexemos em um ninho de vespas. A polícia sempre soube da feira de drogas, mas só nós tivemos coragem de denunciar.

Comunique-se: Como é a sua vida hoje?
CG: Logo depois do caso do Carlos Alberto de Carvalho, fugi com medo de ser assassinada. Hoje vivo escondida. Não posso dizer onde, mas é fora do Brasil. Venho pedindo ajuda à Anistia Internacional, que está investigando meu caso. O governo americano me apóia. No site deles, contam a minha história. Sinto-me isolada, sendo difamada pela Globo. E muito sentida porque precisou alguém morrer para me ouvirem.

Fonte: Comunique-se 10/6/2002)

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