Cidadania: a arma contra o lixo na TV

(Luiz Carlos Merten)

Foi uma overdose de sexo na TV. Terça-feira, 8 da noite, na Globo. Em Mulheres Apaixonadas, Natália do Valle faz a dona de casa insatisfeita que morre de desejo pelo motorista. Ela vai para a janela e fica olhando o garanhão. Passa mal e corre para baixo do chuveiro, para tentar esfriar a paixão. Pobre Natália. Ficou lá, vestida debaixo d’água, se esfregando toda para simular masturbação, mas só simular. Sai a novela de Manoel Carlos e entra o Casseta & Planeta. O quadro de maior sucesso do programa, atualmente, é o Come Zero, para parodiar o Fome Zero. Mostra um bando de aflitos que não faz sexo há um tempão e sai pela rua atrás de mulheres que façam doações para a sua campanha.

Sai a Casseta e entra o quê? O Dia do Amor. A Globo mostrou na terça um especial com roteiro de Rosane Lima. Qual é o tempo do prazer? Em seu novo livro, Onze Minutos, Paulo Coelho estabelece justamente na duração expressa no título o tempo necessário para que o casal encontre a satisfação sexual. No especial da Globo, Gracindo Júnior demora exatos três minutos para satisfazer-se e sai para a rua para fumar seu charuto. Encontra Paulo Gorgulho, que não ultrapassou a marca dos cinco minutos. Não admira que as mulheres de ambos na trama, interpretadas por Ângela Vieira (salve!) e Rita Guedes, estejam subindo pelas paredes, como Natália antes de entrar no chuveiro em Mulheres Apaixonadas.

No fim do especial, um letreiro informou que a história é real e passou-se numa cidade do interior do Brasil, onde o prefeito, alarmado com o baixo teor de satisfação das mulheres do lugar, criou o Dia Municipal do Orgasmo. Cabem, a propósito do programa, duas considerações. A primeira é que nunca se viu numa trama de TV tantas referências a ejaculação precoce, orgasmo, todo esse instrumental, digamos, lingüístico, que acompanha as atividades das pessoas na cama, quando não estão dormindo. A segunda é que Gracindo Júnior demorou, mas ficou igualzinho ao pai dele, Paulo Gracindo. O prefeito da tal cidade era baseado no Odorico Paraguaçu de O Bem-Amado. A roupa, a inflexão da voz, era tudo idêntico.

A Globo, portanto, terça-feira à noite vivenciou uma verdadeira elefantíase da libido. Não era um fenômeno isolado. O telespectador que saiu da Globo para zapear encontrou, no mesmo horário, Adriane Galisteu discutindo amor e sexo na Record e Luciana Gimenez, na RedeTV!, recebendo Wanessa Camargo – que dessa vez não relatou pela enésima vez a perda da virgindade, mas contou, ó que bonito, que papai (Zezé Di Camargo) é seu grande conselheiro em questões de sexo. E Luciana, com aquele know-how que Mick Jagger conhece tão bem, dizia enternecida: “Olha, gente, que bonito, um pai que conversa francamente sobre sexo com a filha...”

Só faltou a Hebe, em cujo sofá o sexo é o pão-nosso-de-cada-segunda-feira. Ah, sim, era terça, por isso não havia Hebe para engrossar o caldo da permissividade. O que isso quer dizer? No atual quadro que impera na TV brasileira, nada. Mas existem aqueles momentos em que nada quer dizer tudo. Os pais, cada vez mais, preocupam-se com a qualidade do que a TV, verdadeira babá eletrônica, oferece a seus filhos, principalmente as crianças. Naturalmente que estamos todos preocupados com o lixo eletrônico que a TV oferece. O problema é que ele não atinge só as crianças. Atinge os adultos, também. Não é porque são eleitores e vacinados que os pais das pequenas vítimas são menos imunes aos estragos causados por essa exploração grosseira de conflitos pessoais ou pelo preconceito e pela pornografia embutidos nessas discussões falsamente francas do que continua sendo tabu para a maioria das pessoas. A arma contra isso não é censura. É cidadania. Não é só em defesa das crianças que a sociedade civil e o Estado precisam unir-se para forçar as redes a encarar suas responsabilidades sociais.

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