Roberto
Marinho não exibe documentos que falsificou
(Tribuna da Imprensa, em 28/7/2003)
No início do mês, a juíza Regina Lúcia Chuquer de Castro Lima, da 42ª Vara Cível, deu prazo de 10 dias para que o empresário Roberto Marinho e seus três filhos apresentassem em juízo os originais de uma série de documentos, cujas cópias eles próprios usaram judicialmente para tentar provar a legalidade da transferência do controle da antiga Rádio Televisão Paulista S/A para o nome do presidente de honra da Organização Globo. O prazo se esgotou e os papéis não foram entregues, com os advogados da família Marinho alegando não terem conseguido encontrar os documentos nos arquivos da TV Globo Ltda., que também é ré no processo, ao lado de Marinho e dos três filhos - Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto. Nos meios forenses, sabia-se que os documentos originais não seriam apresentados, porque o exame pericial das cópias já fora conclusivo, com o Instituto Del Picchia de Documentoscopia classificando-as de "grosseiramente falsificadas", porque estavam datadas de 1953 e 1964, mas seus textos continham número de CIC (hoje, CPF), controle que só seria adotado pela Receita Federal a partir de 1970. No linguajar jurídico, trata-se de "anacronismo insuperável", uma prova irrefutável de falsidade. A juíza Regina Lúcia de Castro Lima nomeou a técnica Denise Gonçalves de Moraes Rivera, especialista em Documentoscopia, para realizar a perícia judicial nos documentos. Como os originais não foram anexados aos autos, a perita Denise Rivera deverá oferecer um laudo conclusivo apenas sobre as cópias dos documentos (recibos, procurações e substabelecimentos).
Andamento
Após a análise dos papéis, a perita deverá responder aos quesitos que os advogados das partes elaboraram. Depois, apresentará suas conclusões, para que a juíza possa então decidir sobre a falsidade ou autenticidade dos documentos, que já estão sendo investigados também pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e pela Procuradoria da República em São Paulo. O processo, que corre na 41ª Vara Cível, é uma ação declaratória de inexistência de ato jurídico. Está sendo movido pelos herdeiros das famílias dos irmãos Ortiz Monteiro e Manoel Vicente da Costa, acionistas majoritários da antiga Rádio Televisão Paulista S/A (hoje, TV Globo de São Paulo). Se perder a causa, Marinho e seus três filhos terão de devolver o controle da TV Globo de São Paulo para os autores do processo, que então passam a ter direito de reivindicar judicialmente também a indenização pelos prejuízos sofridos nos últimos 40 anos.
Empresário
não sabe como comprou a TV
Para
comprovar a legalidade da transferência do controle da antiga Rádio Televisão
Paulista S/A, a família Marinho inicialmente anexou ao processo uma série de cópias
de documentos (procurações, substabelecimentos e recibos).
Submetidos
à perícia pelo Instituto de Documentoscopia Del Picchia, os papéis, datados
de 1953 e 1964, foram considerados grosseiramente "fabricados" na década
de 70, porque já continham número de CIC (hoje, CPF). Diante do laudo dos
peritos, o juiz da 41ª Vara Cível, Leandro Ribeiro da Silva, então determinou
que a família Marinho apresentasse em juízo os documentos originais, no prazo
de dez dias. A ordem judicial, porém, não foi cumprida, e 36 dias depois o
juiz não somente revogava este importante despacho, que até então,
estranhamente, sequer havia sido publicado, como também se afastava do caso,
declarando-se "suspeito", por ser amigo de um dos advogados.
Contradição
Depois
que os documentos foram declarados falsos pela perícia, contraditoriamente a
família Marinho tentou demonstrar ter adquirido o controle da emissora de outra
maneira, exibindo em juízo a cópia de um contrato de compra e venda, celebrado
com Victor Costa Petraglia Geraldine Júnior, herdeiro do conhecido diretor de
televisão Victor Costa. Porém, conforme ficou provado nos autos, Victor Costa
jamais fora proprietário da emissora, mas apenas administrador. Por isso, não
havia em seu inventário sequer referência ao fato de ser controlador da Rádio
Televisão Paulista S/A. Portanto, seu filho também não poderia se declarar
dono da empresa, tampouco transferi-la para terceiros.
Defesa
Para
tumultuar o processo, os advogados de Roberto Marinho também defenderam a tese
de que os irmãos Ortiz Monteiro e seu cunhado Manoel Vicente da Costa não eram
os verdadeiros donos e controladores de 52% do capital da emissora. Mas tanto o
eram que, mesmo depois de mortos, Hernani Ortiz Monteiro (falecido em 1962) e
Manoel Vicente da Costa (em 1964) continuaram participando das decisões da
empresa tomadas por Roberto Marinho, mediante pseudo procuradores inteiramente
desconhecidos pelas respectivas famílias. Por ter usado estas procurações
depois das mortes deles, o empresário Roberto Marinho teria cometido crime de
estelionato (art. 171 do Código Penal, segundo um dos pareceres da Procuradoria
da República de São Paulo. Pareceres mostram muitas ilegalidades
Constam
do processo contra a família Marinho dois pareceres emitidos pela Procuradoria
da República em São Paulo. Em um deles, a procuradora Melissa Garcia Blagitz
de Abreu e Silva, do Núcleo Criminal, faz a seguinte afirmação:
"Diante
do relatado, tudo indica que houve vários fatos ensejadores de ilegalidades
cometidas por Roberto (Marinho). Há indícios de que as procurações e
substabelecimentos utilizados nos atos de transferência do controle acionário
da Rádio Televisão Paulista S/A para Roberto (Marinho) foram falsificados, com
base, entre outros fatos, no citado laudo." Além da falsidade documental,
a procuradora da República identificou outros crimes que o presidente de honra
da Organização Globo e um de seus colaboradores, Armando Piovesan, teriam
cometido à época. "Por outro lado, tanto a Armando (Piovesan) como a
Roberto (Marinho), por terem representado Hernani (Junqueira Ortiz Monteiro, um
dos maiores acionistas), através de procuração que não mais surtia efeitos,
poderia ser imputado o crime de estelionato (art. 171 do Código Penal), por
omitirem o falecimento do outorgante da procuração à época dos fatos,
conforme Certidão de Óbito juntada às fls. 44, mantendo em erro os demais
acionistas e as autoridades federais", denuncia a procuradora Melissa Abreu
e Silva.
Concessão
O outro
parecer emitido pela Procuradoria-Geral da República em São Paulo confirma que
o empresário Roberto Marinho e a TV Globo Ltda. falsificaram documentos não
somente para assumir o controle da antiga TV Paulista, como também para
legalizar a situação da emissora junto ao Ministério das Comunicações.
Subscrito pela procuradora Cristina Marelim Vianna, o parecer assinala que "houve, na década de 60, transferência ilegal do controle acionário da atual TV Globo Ltda., visto ter a negociação se baseado em documentação grosseiramente falsificada", destacando que "tal como se deu, esteado em documentação falsificada, o ato de concessão estaria eivado de nulidade absoluta".