Votação da PEC 5/2002 – Abertura da mídia ao capital estrangeiro

É hora de defender a nação e corrigir o equívoco da Câmara dos Deputados
(Manifesto aos Senadores) 

A abertura das empresas brasileiras de mídia ao capital estrangeiro, possibilitada pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 5/2002, é um assunto cuja importância tem passado desapercebida para a população em geral e mesmo para muitos dos setores organizados da sociedade. Por isso, as entidades do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, através deste manifesto, alertam para as graves e irreversíveis conseqüências da aprovação desta emenda constitucional, enquanto ainda é possível evitá-la.

Os parlamentares, tanto os da base governista, como os da oposição, continuam desconsiderando as graves conseqüências da aprovação desta alteração da Constituição: vulnerabilidade da soberania nacional, intensificação da concentração do mercado, aniquilação da capacidade de concorrer pelas empresas que não se associarem ao capital estrangeiro, redução do mercado de trabalho e o domínio do mercado brasileiro pela produção audiovisual internacional.

Infelizmente, o governo Fernando Henrique Cardoso abdicou da condição de magistrado e mobilizou os partidos da sua base de apoio no Congresso para aprovar a PEC 5/2002. Ressaltamos que no dia 19/11/2001, o Presidente da República recebeu, em audiência, representantes dos principais grupos de comunicação do país, comprometendo-se com estes a apoiar a aprovação da mudança da Constituição. Desde então, o presidente tem se negado até mesmo a conceder audiência a entidades da sociedade civil que pretendiam expor-lhe outras posições e argumentos sobre o assunto.

No Congresso Nacional, sob forte pressão dos maiores grupos de mídia do país, os parlamentares da oposição e muitos outros parlamentares patriotas, dos mais diversos partidos, estão sendo assediados com uma abordagem superficial e falaciosa, a qual rebatemos com os seguintes argumentos:

1) É um contrasenso antecipar medidas isoladas, como a abertura da mídia ao capital estrangeiro, às vésperas de um amplo processo de redefinição do modelo institucional e jurídico da área das comunicações.

2) A capitalização das empresas de mídia e a solução dos atuais problemas financeiros dos grandes grupos do setor continua sendo a única justificativa para a mudança da Constituição que permitirá a abertura ao capital estrangeiro. Nenhuma outra alternativa com capital e agências nacionais, apesar de existir, entretanto, foi considerada com seriedade e profundidade.

3) Os supostos controles e salvaguardas introduzidas pela PEC 5/2002 à ingerência dos investidores estrangeiros, apesar do discurso ufanista até mesmo de certos parlamentares de esquerda, nada garantem e têm sido motivo de pilhéria da parte de empresários, por serem inócuos e inaplicáveis: quem vai cometer a imprudência de investir em uma empresa na qual não poderá influenciar na administração?

4) A presença de sócios estrangeiros nas empresas de mídia e o risco real de ingerência destes na gestão administrativa e no conteúdo dos veículos de comunicação constitui ameaça objetiva ao interesse público e à soberania nacional.

5) É injustificável a aprovação de novos princípios constitucionais ou textos legais que não expressem ampla base de consenso na sociedade, face grande número de disposições constitucionais e legais, referentes à área das comunicações, que atualmente são ostensivamente descumpridos, com a complacência do Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e da Procuradoria Geral da República.

Neste manifesto fundamentamos detalhadamente esta base de argumentação que não estamos conseguindo repercutir na mídia. Os principais veículos de comunicação do país estão utilizando sua cobertura editorial para fazer mera propaganda em favor das aprovação da PEC e escondem ou estimagtizam as posições contrárias, buscando condicionar a opinião pública e o próprio Congresso Nacional.

O país está prestes a sofrer a imposição de interesses internacionais em um setor que é estratégico e exerce decisivas determinações sobre a economia, a política e a cultura.

As entidades do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação  alertam que ainda há tempo de reagir e evitar situações que se tornarão irreversíveis.

 

 

Argumentação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
em defesa da rejeição da PEC 5/2002 pelo Senado Federal

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/2002, que abre as empresas de mídia à participação do capital estrangeiro, segue tramitando com uma incomum celeridade no Senado Federal, sem aprofundamento do debate sobre o seu mérito. Desde que chegou ao Senado, em 27/2, em 42 dias, a PEC ficou pronta para ser votada no plenário.

Sob intensa pressão do empresariado de comunicação, as bancadas dos diversos partidos com representação no Senado estão sendo levadas a simplesmente aprovar o texto acordado na Câmara dos Deputados, contra o qual votou contra apenas o PDT. O objetivo é aprová-lo sem qualquer emenda, pois se isto acontecesse implicaria no seu retorno à Câmara dos Deputados, o que o empresariado de comunicação quer evitar a todo custo.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação reitera sua posição contrária à disposição que abre as empresas de mídia brasileira à participação do capital estrangeiro em função dos seguintes argumentos:

1) É um contra-senso antecipar medidas isoladas, como a abertura da mídia ao capital estrangeiro, às vésperas de um amplo processo de redefinição do modelo institucional e jurídico da área das comunicações.

A alienação, mesmo parcial, do capital e do conseqüente controle das empresas nacionais de mídia a empresas estrangeiras não pode ser premissa para um processo de reconstituição institucional e jurídica da área das comunicações, que é urgente, mas está sendo debatida de forma fragmentada. Esta área encontra-se jurídica e institucionalmente em estado caótico: a legislação está defasada e, em muitos casos, é simplesmente descumprida; há conflito de competência entre a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Ministério das Comunicações; prepara-se, sem o amparo da lei, a introdução de uma revolução nos sistemas e no mercado de comunicação com a implantação da tecnologia digital nos segmentos de TV, rádio e TV por assinatura e as empresas de comunicação conjunturalmente enfrentam uma crise financeira que as deixa particularmrnte vulneráveis. Neste cenário, a entrada do capital estrangeiro tem sido tratada pelas empresas como uma saída simplista e pragmática para a solução imediata de seus problemas de “caixa”. Tratam, assim, de uma questão que é estratégica para a área das comunicações e para a democracia no país como se fosse um mero problema empresarial e conjuntural. O empresariado propõe que, ao invés de formularmos as bases de um novo modelo para a área das comunicações, optemos por antecipar isoladamente a definição de um aspecto particular – a questão do capital estrangeiro – que deveria ser conseqüência da formulação deste mesmo modelo.

Não há como enfrentar a crise da mídia brasileira com medidas isoladas desconsiderando, entre outros, os seguintes problemas:

2) A capitalização das empresas de mídia e a solução dos atuais problemas financeiros dos grandes grupos do setor continua sendo a única justificativa para a mudança da Constituição que permitirá a abertura ao capital estrangeiro. Nenhuma outra alternativa com capital e agências nacionais, apesar de existir, entretanto, foi considerada com seriedade e profundidade.

Até agora, a única justificativa para a abertura da mídia ao capital estrangeiro é a alegada necessidade de capitalizar as empresas do setor que estariam enfrentando uma grave crise. De fato, o mercado de mídia atravessa um crise conjuntural com a retração do mercado. Os mesmos grupos que hoje se ressentem da crise, em 2000 festejavam o ano de melhor desempenho do setor na última década.

Até hoje, entretanto, nenhum estudo com a profundidade necessária foi apresentado. As empresas de mídia não abrem seus números e a real situação de suas finanças é desconhecida. Não há comprovação senão sobre a existência de um período conjuntural de retração do mercado de mídia.

Ao contrário de diversos outros setores da economia, que temem a concorrência do capital externo, as grandes empresas de mídia do país querem a presença dos estrangeiros no país. As motivações dos grupos de mídia e seus argumentos em defesa da abertura do setor ao capital estrangeiro, entretanto, são contraditórios. Entre 1995 e 2000, período em que tramitaram as propostas de emenda constitucional que resultaram na aprovação da PEC na Câmara dos Deputados, em 21/2, as organizações Globo foram o grupo que mais resistiu à abertura ao capital estrangeiro, com o compreensível temor de ter de defrontar-se com concorrentes à altura. Esta posição só se alterou em meados de 2001, quando a Globo – também passando a enfrentar problemas financeiros, principalmente, nas suas operações de TV por assinatura – resolveu então apoiar a abertura. Assim as condições políticas para sua aprovação deslancharam.

As oposições aceitaram facilmente a tese de que a abertura ao capital estrangeiro constitui a única alternativa para a capitalização e a solução dos problemas financeiros das empresas de mídia.

O economista e deputado Aloizio Mercadante (PT-SP), na sessão da Câmara de 11/12/02, que votou a PEC em primeiro turno, chegou a citar outras possibilidades, como a mobilização de recursos do BNDES ou dos fundos de pensão. Mas nem nesta sessão, e nem ao longo do debate, tais alternativas foram analisadas a fundo.

Na mesma sessão de 11/12, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) chamou a atenção à falta de informações confiáveis para uma análise do setor e defendeu a abertura do capital das empresas de mídia a brasileiros e não a estrangeiros.

O empresário do ramo de mídia e deputado José Carlos Martinez (PTB-PR), também na sessão de 11/12, afirmou que votaria a favor da emenda, "mas com 'voto triste'". Para Martinez, com a aprovação da PEC 203/95, o país estava "capitulando ao mercado financeiro". Com a lógica do seu raciocínio empresarial, Martinez lembrou que "este País pratica juros de 30%, enquanto lá fora se praticam juros de 2%. Será possível a empresários estrangeiros comprar 30% das nossas empresas porque financiarão sua compra a juros de 2%. E não é possível a empresários brasileiros permanecer com seus 30% porque têm de financiar sua participação a juros de 30%".

Argumentos como estes, produzidos até mesmo pelos  próprios empresários e parlamentares situacionistas, entretanto, não sensibilizaram nem seus pares e nem as oposições que, no fundamental, sucumbiram à tese de que sem a abertura da mídia ao capital estrangeiro, não se conseguirá capitalizá-las e resolver seus problemas financeiros.

As oposições não questionaram o argumento de que a entrada do capital estrangeiro assegura saída para a atual crise das empresas de mídia do país. Desconsideram, entre outros aspectos, que uma das fontes de problemas dos principais grupos de mídia brasileiros é, justamente, o fracasso dos empreendimentos de TV por assinatura. O contraditório é que o segmento de TV por assinatura encontra-se em crise apesar de já ter liberação de participação do capital estrangeiro em bases bem superiores aos 30% permitidos pela PEC 203/95 votada na Câmara (49% na TV a cabo e 100% no MMDS e no DTH, sendo que estes dois últimos serviços não são regulamentados por lei, apenas por decreto). Ou seja, a entrada do capital estrangeiro não imuniza as empresas contra crises de mercado e a prova disso é que alguns dos operadores de TV a cabo já estão apoiando o projeto de lei 175/2001, do Senado, que pretende ampliar o capital estrangeiro, nestas empresas, de 49% para 100%. Nesse aspecto, aliás, os próprios empresários estão divididos. Os que não estão no ramo de TV por assinatura, por exemplo, querem que a TV a cabo e as outras modalidades de TV por assinatura passem a seguir as restrições da televisão aberta e tenham a participação do capital estrangeiro reduzida de 49% para 30%, em conformidade com o previsto na PEC 5/2002.

Finalmente, cabe ressaltar o tom de escândalo com que foi registrado pela mídia – mais precisamente os concorrentes da Globo – o aporte de R$ 230 milhões que o BNDES prepara-se para injetar na Globo Cabo, sendo que, com este valor, entre 1997 e 2002, as organizações Globo receberiam do BNDES aportes e financiamentos no valor total de R$ 695 milhões.

Tais informações revelam que, não só é possível capitalizar as empresas de mídia com soluções nacionais, como isto já vem acontecendo, embora beneficiando, de forma privilegiada, alguns conglomerados de mídia.

Consideramos que a qualificação da atuação, a saúde financeira e a independência das empresas brasileiras de mídia são questões estratégicas para a democracia e para o desenvolvimento do país

A solução dos seus problemas e a busca de condições adequadas para o cumprimento das suas funções sociais é assunto de relevante interesse público. A existência de grandes e fortes empresas de mídia no país é imprescindível para fazer frente à concorrência externa e para potencializar o país como exportador de produção audiovisual

Por isso é inaceitável atribuir-se a investidores estrangeiros a função de escolher quais os grupos de mídia vão se capitalizar, quais serão fortalecidos, quais sobreviverão e quais morrerão no mercado brasileiro. Para preservar o interesse público e fortalecer a democracia, ao invés de recorrermos a investidores estrangeiros como sócios das empresas de mídia, o BNDES ou outras agências capazes de viabilizar a capitalização das empresas do setor deveriam ser mobilizados para abrir linhas de financiamento, democraticamente disponíveis para todas as empresas de mídia que as necessitarem.

Isso não exclui que o BNDES ou as referidas agências componham as linhas de financiamento que serão abertas com a captação de capital externo

Entre as contrapartidas à oferta destas linhas de financiamento deveria ser incluída, além das garantias usuais, vale ressaltar, a exigência da introdução de elementos profissionalizantes e modernizadores na gestão das empresas de mídia que captarem recursos junto ao BNDES. Também é imprescindível que este suporte à capitalização das empresas do setor seja orientado por políticas públicas que assegurassem condições de equilíbrio de concorrência no mercado interno e viabilizassem que também pequenas e médias empresas e produtores independentes sejam beneficiados e tenham efetivas condições de produzir para o mercado audiovisual

Promovida arbitrariamente, de acordo com os interesses de mercado, a capitalização empreendida pelos investidores estrangeiras será naturalmente orientada para as grandes empresas e desequilibrar, ainda mais, a concorrência no mercado brasileiro que já é altamente oligopolizado e concentrado em algumas poucas empresas.

3) Os supostos controles e salvaguardas introduzidas pela PEC 5/2002 à ingerência dos investidores estrangeiros, apesar do discurso ufanista até mesmo de certos parlamentares de esquerda, nada garantem e têm sido motivo de pilhéria da parte de empresários, por serem inócuos e inaplicáveis: quem vai cometer a imprudência de investir em uma empresa na qual não poderá influenciar na administração?

Como contrapartida à abertura das empresas de mídia ao capital estrangeiro, o relator Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), cuja família atua no ramo de mídia no Rio Grande do Norte, intermediou a negociação do empresariado com as oposições, incluindo no texto da PEC a exigência de que os brasileiros deverão deter no mínimo "setenta por cento do capital total e votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens", sendo que estes "terão poder decisório para gerir suas atividades e para estabelecer o conteúdo da sua programação". A emenda também estabelece que "a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada" serão "privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos".

A cobertura editorial do tema, realizada pelos veículos das grandes empresas de mídia do país, de um modo geral, resumiu-se à propaganda da aprovação da PEC. Alguns poucos veículos, entretanto, abriram espaço para manifestações críticas, apontando que especialistas do mercado de mídia consideram que restrições formais à ingerência dos grupos estrangeiros constituem um contrasenso.

"'Esse negócio não existe, diz Luciano Corrêa, sócio da Mídia Investimentos, especializada em investimentos no setor de mídia no Brasil. Nenhum grupo do exterior se interessaria pelo Brasil. 'É absolutamente inconcebível que algum investidor cometa a irresponsabilidade de aplicar recursos sem o direito de dirigir o uso desse capital e de aprovar ou reprovar certas decisões administrativas". Corrêa ressalta que "a proposta de emenda à Constituição, sob o ponto de vista do investidor, é absolutamente inconseqüente e irrelevante, porque pretende regular o que não vai ocorrer. Nenhum investidor terá como cumprir as suas obrigações fiduciárias e investir capital em uma empresa sem direito de influenciar em sua administração".

Na mesma linha de raciocínio, Carlos Madrazo, vice-presidente para a América Latina do banco ING Barings, sediado em Nova York, questiona as restrições impostas ao ingresso do capital estrangeiro na mídia, a começar pela limitação da participação a 30%. O analista, entretanto, admite uma postura política dos grupos estrangeiros: "As empresas só se interessariam em investir no Brasil para ter uma posição privilegiada se apostassem numa maior abertura no futuro".

O jurista Fábio Konder Comparato também enfatiza que "um grupo só decide investir em outro pelo retorno financeiro que ele pode dar ou pelo poder que pode proporcionar. E as empresas jornalísticas no Brasil estão superendividadas. Nenhuma é rentável. Ou seja, o interesse dos estrangeiros que decidirem pôr dinheiro aqui só poderá ser o de tentar dominar a empresa e impor seus interesses, sejam lá quais forem".

Esta opinião também é compartilhada pelo "advogado Modesto Carvalhosa, especializado em direito societário. Na sua opinião, apesar de os sócios estrangeiros não poderem interferir formalmente na administração das empresas, vão conseguir influenciar a gestão dos negócios por meio dos investimentos. 'Mesmo proibidos de fazer acordos com acionistas, poderão fechar parcerias de investimentos e, com isso, direcionar o perfil da empresa".

O deputado situacionista Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), durante a sessão da Câmara que votou a PEC em primeiro turno, fez uma manifestação mais contundente do que a maioria dos oposicionistas: "Abrir o capital com 30%, mesmo com as precauções louváveis, com restrições e amarras de nada adianta. Não há nada que fale mais do que o dinheiro de um sócio estratégico."

Nesta mesma sessão da Câmara, entre os oposicionistas, o deputado Inácio Arruda (PcdoB-CE) foi, talvez, o que tenha feito o encaminhamento de votação mais melancólico: "Hoje, mesmo participando do acordo, reafirmamos que estamos abrindo mão de mais um setor da economia nacional. O Bloco Parlamentar PSB/PCdoB encaminha o voto favorável à matéria, com todas as ressalvas que estabelecemos nas emendas, para que haja o mínimo de garantia. Deixamos claro que estamos abrindo ainda mais nossa economia para o setor privado".

Embora admitindo os "riscos que estamos correndo", ao fazer o encaminhamento do voto da bancada do PT, no dia 11/12, o deputado Aloizio Mercadante (PT-SP), esclareceu que a defesa do voto "sim" estava ocorrendo em função do acordo firmado que teria assegurado "garantias mínimas".

O deputado José Genoíno (PT-SP) adotou uma posição ufanista, considerando a formulação da PEC um "grande avanço". Chegou a afirmar que "pela primeira vez, ela lança os fundamentos de uma regulação e do controle público sobre a mídia" e que, "nas atuais circunstâncias, representa o início de uma reorganização da mídia".

Além das garantias formais atribuída pela PEC a brasileiros – as mesmas rebatidas por parlamentares, empresários e juristas – os deputados petistas Mercadante e Genoíno deram grande destaque ao fato de que a emenda aprovada exige que "os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art.221" da Constituição.

As disposições da PEC 203/95, apresentadas como inovações, na verdade, constituem apenas fortalecimentos formais de disposições atualmente existentes, sem nenhuma garantia adicional. Os dois parlamentares parecem esquecer que, em quase 14 anos de vigência do referido artigo 221, os seus efeitos não se fizeram sentir – permanecendo o mesmo virtualmente inaplicado, sem sequer ter sido elaborada a lei que nele está prevista. A atribuição de tanta importância ao artigo 221, após a abertura do capital das empresas de mídia, portanto, é insustentável.

A indisposição do Governo Federal para viabilizar condições elementares de acompanhamento e de fiscalização da composição das empresas de mídia pode ser avaliada pela negativa dada pelo Ministério das Comunicações e pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em dar acesso aos nomes do acionistas ou cotistas das empresas concessionárias ou permissionárias das emissoras de televisão e rádio, embora estas informações devessem ser públicas.

4) A presença de sócios estrangeiros nas empresas de mídia e o risco real de ingerência destes na gestão administrativa e no conteúdo dos veículos de comunicação constitui ameaça objetiva ao interesse público e à soberania nacional.

A preservação, sob controle nacional, das empresas de mídia – que têm crescente importância cultural, política e econômica na contemporaneidade e cumprem um papel decisivo na disseminação de idéias, concepções e valores – consiste em um aspecto fundamental da afirmação da soberania nacional. A situação internacional aberta a partir dos trágicos episódios de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, atualizou de forma dramática muitos dos argumentos que diversas entidades apresentaram publicamente no decorrer da tramitação das PECs que resultaram no substitutivo aprivado pela Câmara dos Deputados. Caso tivéssemos hoje a mídia brasileira sob controle estrangeiro, especialmente dos conglomerados norte-americanos, não teríamos disponíveis as informações a respeito da crise internacional em curso que, principalmente na mídia impressa, atualmente estão sendo veiculados e possibilitam a avaliação dos interesses do país diante da emergência de um poder imperial que passou a ser exercido abertamente em escala mundial pelos Estados Unidos. Teríamos, isto sim, a mera mobilização, em território nacional, da agressiva máquina de propaganda que está sendo operada no interior daquele país e em todos os seus veículos espalhados pelo mundo, expressando exclusivamente seus interesses. Ou seja, mesmo com todos os problemas e limitações verificados na atuação das atuais empresas familiares brasileiras de mídia, a preservação do controle destas empresas no interior do país é fundamental para a afirmação da soberania nacional. O contrário disso é a entrega dos principais meios contemporâneos de produção da cultura e de disseminação de idéias, valores e concepções a interesses estranhos aos do país.

5) É injustificável a aprovação de novos princípios constitucionais ou textos legais que não expressem ampla base de consenso na sociedade, face grande número de disposições constitucionais e legais, referentes à área das comunicações, que atualmente são ostensivamente descumpridos, com a complacência do Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e da Procuradoria Geral da República.

Persistem inócuas e inaplicadas as seguintes disposições da Constituição Federal:

Além disso, a maior parte dos grandes grupos de mídia do país, utilizando artifícios que não resistem à menor análise, exorbitam os limites legais de propriedade de emissoras de televisão e de rádio

E nem o Congresso Nacional, nem o Governo Federal, nem a Justiça, nem a Procuradoria da República tomam qualquer atitude

O Congresso há dez anos está desrespeitando a Lei 8389/91, que determinou a composição e instalação do Conselho de Comunicação Social até março de 1992

A mensagem passada, com esta conduta do Congresso e dos demais poderes da República, para as empresas e para a sociedade é trágica: a área das comunicações é um terreno do “vale tudo”

Pode-se acreditar que novas formulações legais para a área das comunicações, sem o amparo em sólidas bases de consenso na sociedade, vão assegurar a preservação assegurar a preservação do interesse público e da soberania nacional? Pode-se acreditar que novas disposições constitucionais, que não constituíram base de consenso na sociedade, como as salvaguardas, serão aplicadas?

Proposta do Fórum: a criação de um novo cenário

As entidades integrantes do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação  consideram inadmissível a antecipação da abertura ao capital estrangeiro como uma medida isolada no contexto de um processo de reconstituição tecnológica, jurídica e institucional da mídia no Brasil que é urgente e, apesar disso, está sendo debatido e implementado aos pedaços.

Também é inaceitável que se cogite em negociar a abertura da mídia ao capital estrangeiro em troca da mera formulação de textos legais quando se constata um espantoso desrespeito da legislação da área das comunicações no país. O Brasil já tem textos legais demais sem efetividade. A Constituição está repleta de princípios para a área das comunicações que persistem desprezados. A lei 8389/91, que regulamenta o Conselho de Comunicação Social, está sendo descumprida pelo próprio Congresso Nacional há quase 10 anos. O Congresso e o Executivo também desrespeitam a Lei 8977/95, a Lei da TV a cabo. A legislação básica do rádio e da televisão – a Lei 4117 e o Decreto-Lei 236 – está sendo, em muitos aspectos, ostensivamente descumprida pelas empresas de comunicação, com a omissão do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e da Procuradoria da República, esta última escandalosamente submissa ao Governo Federal. Portanto, para o Fórum e para o Congresso Brasileiro de Cinema, são inaceitáveis soluções que se resumam apenas à aprovação de textos legais.

As entidades signatárias têm a convicção de que as definições sobre a organização e o papel social da mídia constituem um dos temas críticos da contemporaneidade. As nações que encontrarem respostas adequadas terão assegurado um decisivo fator de potência e desenvolvimento, nos planos econômico, político e cultural.

Temos o entendimento de que o caráter privado dos empreendimentos que predominam na mídia brasileira não elide o interesse público e a responsabilidade social que pesa sobre o conjunto e sobre cada uma das empresas de comunicação, com o decisivo papel cultural, político e econômico que cumprem nas sociedades contemporâneas. Até o momento, contudo, os empreendimentos de comunicação se erguem e atuam sem representação formal na esfera pública, mediados apenas por relações de mercado, que não esgotam seu papel político e cultural.

Para o estabelecimento de relações democráticas em torno da atuação da mídia, por isso, acreditamos ser necessária uma relação de compromisso entre o Estado, o setor privado e a sociedade civil, em bases politizadas, afirmadoras de princípios éticos e sustentadas pelo alcance do consenso na sociedade.

Mais do que leis e regulamentos, necessitamos de instituições capazes de possibilitar a permanente pactuação e repactuação, com a dinâmica exigida pela área das comunicações, das soluções a serem adotadas, baseadas no consenso, para que a mídia cumpra democraticamente seus papéis econômicos, políticos e culturais em consonância com o interesse público.

Por isso, apelamos aos parlamentares e aos partidos que têm verdadeiro compromisso com a Nação para que:

- necessidade de capitalização das empresas de mídia;
- definição do padrão tecnológico e o modelo de serviços para a TV digital;
- nova regulamentação para a comunicação social eletrônica;
- criação de condições para a ampliação do número de leitores de jornais e revistas;
- soluções nacionais para a caítalização das empresas de mídia;

-
fortalecimento da capacidade de produção audiovisual do país, visando o mercado interno e a exportação.

Brasília, 15 de abril de 2002

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraço

Conselho Federal de Psicologia – CFP

Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social – Enecos

Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão – Fitert

Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

Rede Brasil de Comunicação Cidadã - RBC

Sociedade de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom

Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – Andes

União de Redes Radiofônicas – Escritório Brasileiro da Amarc – Unirr – Amarc

 

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