Reportagem
do Estadão diz que a “União é o melhor patrão do País”. O governo Lula
deveria ficar contente. Afinal, este é um dos motivos alegados para eleger José
Alencar como vice-presidente. O problema é que a União tem sido bom patrão
apenas para uma minoria. E pelo andar da Reforma da Previdência, continuará
sendo.
“Funcionalismo
federal é a categoria mais bem paga do País”. Esta foi a manchete do Estadão
de domingo, dia 20. A reportagem de Silvio Bressan refere-se a um estudo que
cruzou dados do censo de 2001 com os do Balanço Geral da União do mesmo ano.
Segundo o estudo, ao que parece encomendado pelo governo, o funcionalismo
federal é a categoria mais bem paga do país. Diz a reportagem, que “na média,
entre ativos e inativos, o servidor federal recebe R$ 2.700 por mês, rendimento
mais do que sete vezes superior à média do trabalhador brasileiro, que é de
R$ 380 por mês.”
Mas,
Bressan deixa claro que esta média esconde grandes diferenças dentro do
funcionalismo. Pois, “enquanto os civis da União recebem, em média, R$ 2,2
mil por mês, os colegas do BC ficam com R$ 7 mil, os do Legislativo percebem R$
7,9 mil e os do Judiciário embolsam R$ 8 mil mensais. O Ministério Público da
União fica com uma média de R$ 12,5 mil por mês.” O repórter só deixou de
lado os R$ 4,6 mil recebidos pelos militares e que aparecem apenas na tabela
publicada no corpo da reportagem.
Taí
um prato cheio para defender a Reforma da Previdência que circula pelo
Congresso Nacional. Não porque denuncia privilégios. Mas, porque explora a miséria
em que o governo Cardoso deixou o país para justificar corte de direitos.
Afinal, a manchete é bem clara. Eles ganham muito. Não têm do que reclamar.
Muitos
companheiros dirão. Mas, isso é um escândalo mesmo. Num país de 54 milhões
de miseráveis, em que a média salarial não chega a R$ 400,00, uma categoria não
pode ganhar a média de R$ 2,2 mil. E muito menos de R$ 4 mil ou R$ 12 mil.
Mal
comparando, lembro que duas décadas atrás, muita gente (atrasada) questionava
as greves dos metalúrgicos do ABC porque se tratava de uma categoria que já
recebia salários acima da média. Nós, que apoiávamos o movimento argumentávamos,
primeiro, que se tratava de um setor que gerava os maiores lucros na indústria
nacional. Que esses lucros saíam da exploração de seus trabalhadores.
Portanto, se ganhavam bem, ainda assim recebiam uma parte muito pequena em relação
ao lucro que geravam com seu trabalho. Em segundo lugar, os salários começaram
a subir exatamente porque os trabalhadores metalúrgicos arrancavam reajustes à
base de muita luta. E, por fim, essas lutas beneficiavam a todos os
trabalhadores, fosse porque ensinavam o caminho da luta, fosse porque obrigavam
os patrões a abrir mão de uma pequeníssima parte de seu lucro, que iria para
o consumo e ajudaria a manter a economia em expansão.
Claro
que este não é bem o caso dos servidores públicos. Eles não geram lucro. Não
produzem riqueza. Mas, nem por isso são inúteis. Vendem sua força de trabalho
para o Estado, que deveria utilizá-la para prestar serviços públicos decentes
à população. O Estado está muito longe de fazer isso, tudo bem. Mas, as
empresas automotivas também não produzem automóveis para o bem da maioria.
Nem por isso, condenamos o salário pago aos metalúrgicos. O fato é que se
trata de um problema de classe. Nem o Estado, nem as montadoras transformarão a
utilização da força de trabalho de seus trabalhadores em bem-estar para todos
sob o capitalismo. Enquanto isso, vamos brigar por justiça social. Mas não
jogando trabalhadores contra trabalhadores.
Espera
aí, diriam logo meus companheiros, mas olha só os salários desses juízes,
parlamentares, militares. Um abuso! Pois é, aí é que mora o problema. O
governo alega que fixar o teto para aposentadoria dos servidores públicos em R$
2.400,00 atinge apenas uns 20% do funcionalismo. Então, os possíveis marajás
estão no meio da minoria. O problema é que essa minoria não tem salários
altos à toa. Por um lado, pode ser pelo fato de que desempenhem atividades
estratégicas e que precisam ser melhor remunerados. Mas, por outro, a maioria
do funcionalismo público perdeu nos últimos dez anos mais de 50 direitos e
ficou 8 anos sem reajuste. E essa maioria não inclui os melhor remunerados.
Estes receberam do governo Fernando Henrique reajustes diferenciados. Reajustes
oferecidos em troca da docilidade do Judiciário em relação a atos
inconstitucionais, em troca de reformas que ignoraram direitos adquiridos de
trabalhadores e servidores, em troca da escandalosa compra da emenda da reeleição,
etc etc.
Já,
a maioria mal paga só não perdeu mais direitos porque se mexeu e promoveu
greves e manifestações. Se estes servidores algum dia freqüentaram um lobby,
não foi para fazer lóbi. Foi para pressionar governo e parlamento na base de
invasões e ocupações que tiveram nos parlamentares do PT e na CUT todo o
apoio.
Aí,
chega o jornalão da Marginal do Tietê e diz que o melhor patrão do país é a
União. Claro que é. Primeiro, porque os governos anteriores precisaram pagar a
preço de ouro suas irregularidades. Segundo, porque os servidores resistiram
com unhas e dentes aos ataques a seus direitos e, terceiro, porque exatamente
por isso o funcionalismo acabou sendo o setor que menos sofreu com a tragédia
do desemprego. A tragédia que se abateu sobre o restante da classe
trabalhadora, e por isso mesmo, enfraqueceu sindicatos com enorme tradição de
luta como os próprios metalúrgicos, os químicos, condutores, etc. Uma tragédia
que levou ao achatamento salarial, perda de direitos, terceirização e enorme
informalidade no mercado de trabalho.
Julho de 2003