(Ivson Alves - www.comunique.com.br)
Qual a razão para estas duas maneiras de ver uma mesma questão, no caso a corrupção? Tenho duas hipóteses, não excludentes e talvez até complementares:
1. Medo de perder anunciantes - Claro que o governo, somando todos os três níveis, mas mais especificamente o federal, é, provavelmente, o maior anunciante do país e por isso, teoricamente, com um poder de pressão gigantesco, poder esse já usado nos tempos da ditadura, no âmbito federal, para sufocar, por exemplo, o finado Correio da Manhã. Os tempos, porém, são outros e por isso ao mesmo tempo em que são poderosos para pressionar, os governos são vulneráveis à pressão da mídia, seja no atacado, seja no varejo; em público ou nos bastidores. Lembra do recente piti do JB reclamando de ter recebido bem menos publicidade do governo Lula do que os outros jornais? E esbravejou com todos os números de tiragem e circulação acachapantemente contra ele...
Empresas privadas, porém, são diferentes. Por ser impossível encurralá-las em público por acusações de discriminação na distribuição de verbas publicitárias, elas podem detonar um veículo por tempo suficiente para fazê-lo sofrer muito. Exemplo é o daquela faculdade flagrada por uma tevê dando vaga a analfabeto e que cortou a publicidade no jornal pertencente ao mesmo grupo proprietário da tevê até que os dois veículos flagrassem uma outra fast food de diploma também fazendo bandalheira e passassem a acusar o MEC de desleixo. Ou seja, passou-se a acusar o Poder Público e tirou-se o foco da empresa privada.
2. Ideologia - O Papa é infalível para os católicos. É um dogma. O equivalente na mídia brasileira diz que a iniciativa privada é melhor que o Poder Público, em qualquer campo, incluindo o moral. Assim é inconcebível que pessoas tão decentes e limpas quanto empresários, dirigentes ou mesmo simples funcionários de (grandes) empresas privadas corrompam ou sejam corrompidos, soneguem impostos, pressionem e ameacem consumidores, contratem pistoleiros de aluguel ou realizem quaisquer outras ações capituladas como infração à lei.
Claro que há um obstáculo aí: a realidade. Afinal, para que haja um crime há que se ter pelo menos um criminoso, sendo que, no caso específico da corrupção há, obrigatoriamente, um corrupto - servidor público ou não - e pelo menos um corruptor do outro lado, positivo e operante? Um problema e tanto para nossos veículos, não é? Mas só teoricamente. Afinal, não seria um mero detalhe como a vida real que iria abalar um dogma tão arraigado e querido da nossa mídia. Em sendo assim, toda vez que há uma denúncia juntando servidores públicos e pessoas ligadas a empresas privadas num crime, os veículos, depois de um primeiro momento em que se apresentam os personagens da trama, passam a se concentrar sobre os servidores do Estado, esquecendo - e fazendo esquecer - o resto.
Blair e
BBC - Lembra-se do escândalo (justo) que foi a divulgação de que aquele bobo
do Jason Blair tinha falsificado matérias publicadas no New York Times? Pois é.
Agora há um outro escândalo no outro lado do Atlântico, atingindo outra
instituição do jornalismo, a BBC. Infelizmente, a cobertura me parece
incompleta. Se o lado político - Blair cai ou não - e de fofoca - o cai-cai na
empresa - estão sendo bem esmiuçados, sinto falta de uma discussão sobre a mídia
mesmo.
Em primeiro lugar, todas as matérias falam de "falhas na reportagem" de Andrew Gilligan, mas não dizem especificamente que falhas foram essas, aliás admitidas pelo próprio ex-repórter da BBC. Afinal de contas, a parte essencial das matérias - a de que o governo inglês, assim como o americano, certamente exagerou e, provavelmente, mentiu aos seus cidadãos sobre a descoberta de armas biológicas no Iraque de Saddam Hussein -, esta parte fundamental se confirma a cada dia, não?
Há outras questão que nos concerne de perto, mas creio que atrairia a atenção dos não-jornalistas: a relação entre nós e nossas fontes, e os controles pelos quais passa uma matéria antes de ser publicada ou ir ao ar (essa última questão também foi mal abordada no Caso Blair). O pobre professor David Kelly ficou exposto na matéria de Gilligan? Como? Por quê? O repórter esquentou mesmo as declarações do especialista? Como ele fez isso e por quê? Como um superior de Gilligan faria para checar as afirmações deste na matéria? Se tinha meios para averiguar, por que não o fez? Se não tinha, como fazer para que tenha no futuro? Por aí vai...
Esse Caso da BBC-Gilligan-Kelly, me parece, é até mais rico para um debate sobre o fazer jornalístico do que o Caso Blair. Talvez também por esse motivo o ângulo puramente deontológico esteja sendo deixado de lado. Afinal, tem muita gente nas nossas redações que teria que começar a explicar algumas normas do nosso trabalho no dia-a-dia - ou a falta de existência delas - e isso seria uma ameaça e tanto.
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