Em
clima de grande espetáculo, os EUA relaxam antes de atacar um país sem armas
com o que há de mais letal em máquinas de guerra
Sem
medo e sem culpa: Fuzileiros se bronzeiam na piscina à sombra dos jatos que vão
lançar 3 mil bombas sobre Bagdá
As
imagens falam por si. Enquanto o mundo se revolta com a perspectiva de um novo
ataque americano ao Iraque, os homens encarregados de conduzi-lo estão
relaxados e felizes. Divertem-se. As duas fotos desta página, publicadas no
mundo inteiro na semana passada, sublinham o fato óbvio: os fuzileiros que
tomam banho de sol à sombra dos jatos -- com direito a piscina de plástico, bóia
colorida e óculos escuros --, assim como os soldados que correm atrás da bola
no deserto, não têm nada a temer.
Eles
são parte de uma força de 270 mil homens que está
armada
até os dentes com o que há de mais moderno e eficaz na tecnologia de matar.
Para eles o ataque ao Iraque é uma versão ampliada de uma batalha de videogame
– emocionante e violenta, mas segura. Do outro lado espera por eles um exército
desmoralizado e desarmado, eficiente apenas na repressão aos inimigos do
regime. Logo, o alvo e vítima principal das forças anglo-saxônicas será a
população civil de 25 milhões de iraquianos, metade dos quais tem menos de 14
anos. Os EUA planejam atirar 3 mil mísseis Tomahawk sobre Bagdá apenas nas
primeiras 48 horas da invasão. A cidade de Tikrit, berço e base do poder de
Saddam Hussein, deve ser “riscada do mapa”. Os americanos calculam gastar 6
quilos de explosivos por iraquiano – e, como lembrou o jornal britânico The
Guardian, a possibilidade de retorno de fogo é zero. É por isso que os bravos
rapazes americanos brincam tranqüilos à beira da piscina e maltratam a bola de
alma leve. Quem vai morrer são os outros. Quinhentos mil outros, segundo a ONU.
Qualquer
que seja o nome que se dê – guerra, massacre ou desfile militar -- o evento
do Oriente Médio vai tomando ares de superprodução de mídia. Na terça-feira
11 o Pentágono anunciou a contratação do diretor de arte George Allison para
preparar o cenário das entrevistas militares durante o conflito. Allison tem 43
anos e vasta experiência em Hollywood e na TV americana. Receberá US$ 200 mil
para montar no Catar um cenário espetacular para as aparições de Tommy Franks,
o general que vai comandar as tropas americanas. O estúdio de US$ 250 mil foi
levado de avião pelo Federal Express ao custo de US$ 47 mil. Tem um mapa de
batalha de 12 metros formado por cinco telas de plasma de altíssima definição
e dois pódios. Atrás desse cenário high-tech há uma sala de controle que
necessita de pelo menos três operadores. “Assim como a guerra mudou, a mídia
também mudou”, explica James Wilkinson, diretor de comunicação do Pentágono
e ex-assessor de comunicação do presidente George W. Bush. “Os militares têm
de se adaptar.”
De
alma leve: Tropas americanas maltratam a bola no Kuwait enquanto esperam para
atacar
Basta um olhar sobre a história para perceber que a adaptação vem ocorrendo célere. Na I Guerra Mundial, em 1914, a elite americana mandou seus filhos morrerem nas trincheiras da Europa em grande quantidade. Mal havia jornais. Na II Guerra, em 1945, as baixas entre a plutocracia foram muito menores – caíram na Ásia e na Europa os filhos dos imigrantes e dos negros, além dos homens comuns. No Vietnã, com a presença da TV, lutaram apenas os que não tinham meios de escapar – Bill Clinton e George W. Bush, por exemplo, não foram. Nessa guerra a cobertura de imprensa e o número de mortos – cerca de 40 mil – romperam a coesão doméstica e produziram a maior derrota militar da história americana. Agora Bush quer evitar as duas coisas. A imprensa está sendo controlada e adulada, para anestesiar a opinião pública. E as mortes americanas serão contornadas por bombardeios que devem reduzir o Iraque a um Estado Neanderthal antes do primeiro desembarque. Quando os fuzileiros marcharem sobre Bagdá terão o estômago forrado por galinha tailandesa, fetuccine com champignon e frutos do mar – três das 24 opções de cardápio da sua bóia. Os iraquianos terão fome e medo. E talvez tenham na mão uma bandeirola americana.