Ingenuidade do governo Lula

Hamilton Octavio de Souza

Nenhum cidadão que assuma funções públicas pode agir com ingenuidade. Muito menos quem tenha responsabilidade de governo ou está em atividades políticas. Isso é fundamental para não incorrer em erros, cometer injustiças, seguir pelo caminho equivocado.

Esse preâmbulo é necessário para que se entendam corretamente alguns assuntos alardeados pela mídia comercial-burguesa nas últimas semanas, especialmente quando sensacionaliza as relações do governo Lula com o PT e de ambos com determinados militantes.

Todos nós sabemos que a imprensa comercial-burguesa, constituída pelos principais jornais e os grandes grupos que monopolizam as concessões de rádio e TV, foi importante aliada do governo FHC na defesa do neoliberalismo e da entrega do País ao capital estrangeiro.

Todos nós sabemos que essa mídia apoiou sem vacilar a candidatura do tucano José Serra e de seus aliados para os governos estaduais, da mesma forma que havia apoiado as duas eleições de FHC em sua aliança com a direita representada pelo PFL, PTB e PPB.

Todos nós sabemos que essa mídia foi obrigada a engolir a manifestação popular do País expressa através da eleição de Lula e de vários aliados do PT, em parte porque as empresas de comunicação estão estranguladas economicamente e desesperadas em conseguir verbas públicas do novo governo.

Está claro que a imprensa comercial-burguesa não pode, por motivos táticos, abrir suas baterias contra a totalidade do governo Lula, mesmo porque integram o governo vários representantes do empresariado e dos setores conservadores.

Desde antes da posse do atual governo, a imprensa comercial-burguesa adotou uma estratégia em relação ao novo poder de Lula e do PT, algo que não é novo nem sofisticado nem criativo, mas que acaba sempre pegando os ingênuos.

A mídia tenta passar para a opinião pública a idéia de que o Lula, mesmo sem escolaridade e com pouca cultura, é uma pessoa de muita sensibilidade, de diálogo amplo com todos os setores e realmente bem intencionado (pelo menos durante algum tempo) em fazer um governo voltado para os pobres e injustiçados.

No entanto, a imprensa tenta mostrar que o “problema” do Lula é o seu partido, o PT, que é um partido “confuso”, cheio de pessoas com propostas muito “divergentes”, que vive em “conflito” interno e que sempre tem dificuldade em conter os seus inúmeros “radicais”.

Ou seja, a mídia joga com a possibilidade de afastar Lula de sua trajetória num partido de esquerda para torná-lo mais próximo dos setores tradicionais da burguesia nacional, de forma que o seu governo não se constitua em nenhuma ameaça aos privilégios das elites (econômicas e políticas) que sempre dominaram o poder no País.

A outra jogada da mídia é tentar identificar, destacar, rotular e isolar, dentro do PT e do governo, os militantes petistas mais firmes nas posições programáticas e políticas e mais inflexíveis nos processos de cooptação em andamento.

Nesse sentido, a mídia comercial-burguesa destaca o “radicalismo” de determinadas personalidades do partido, como se fossem elas que estivessem causando maior dano ao governo, e faz a execração pública dessas personalidades de forma a atiçar sobre elas toda a repulsa da militância e dos apoiadores do governo petista.

O pior dessa história é que os experientes dirigentes do PT, agora nos altos postos do governo federal, agem com total ingenuidade, entram na arapuca e acabam promovendo uma autofagia estrategicamente estimulada pelas elites conservadoras do País.

Está faltando, na imprensa e no Planalto Central, quem mostre ao governo e ao País quem são os verdadeiros inimigos do governo Lula e do PT. E certamente não são os “radicais” apontados pela mídia comercial-burguesa.

* Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor de Jornalismo na PUC-SP.

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