Quantas
ruas há no mundo?
(Gustavo Barreto)
Perigosa é a relação do leitor com o campo da informação, já que submerso em um número exaustivo de textos pouco pode pensar, como já demonstraram inúmeros estudos. Mais perigosa, no entanto, é a relação do jornalista com as notícias.
Entregue a um mundo em que é preciso saber pouco sobre tudo, este luta diariamente – ou pelo menos deveria – contra aquela “idéia geral” dos fatos, aquele consenso criado e fundamentado apenas na confusão de informações. Algo como “apóiem nossas tropas”, ou “o Brasil precisa crescer para combater a desigualdade”. Frases tão fortes quanto vazias.
Na área econômica, por exemplo, conta-se nos dedos quantos jornalistas sabem dizer exatamente quais são os benefícios que nos traz o baixo índice do risco-Brasil – se é que há – enquanto todas as redações exaltam cada vez mais os avanços do indicador.
Na área política, são incontáveis os comentários sobre possíveis ganhos eleitorais e estratégias a serem tomadas. Pelos engravatados, é claro. Minúcias enclausuradas nos mais distantes e obscuros gabinetes governamentais são tidas como o grande pulo do gato, a frase decisiva – definitivamente tudo o que faltava para você entender o que se passa neste país e porque ele não vai para frente.
Até a edição de amanhã, é claro.
O detalhamento ultra-refinado das estratégias dos nossos engravatados representantes nos bastidores de Brasília permite ao mais humilde trabalhador conhecimento técnico de como seus representantes o enganam, preparado para, assim que for eleito, estar pronto para uma boa briga partidária. É claro que esse dia nunca vai chegar – já que não há informação que provoque mudança –, mas isso é o de menos.
Não deveríamos ficar tão chateados com o ex-diretor financeiro da Parmalat, Fausto Tonna, que desejou aos jornalistas “morte lenta e dolorosa”, por noticiarem a fraude de bilhões de EUROs da empresa. Inconscientemente, Tonna estava profetizando o que ocorre com a imprensa mundial, que se tornou em muitos cantos um departamento de entretenimento informativo, cujo nível de superficialidade e distância em relação aos direitos humanos beira o ridículo.
Sem essa percepção mais aprofundada de alguma realidade mais concreta, os produtores de informação – jornalistas ou não – acabam fazendo perguntas extremamente complexas, simulando uma tentativa de entender este estranho mundo, mas conseguindo apenas criar contas desnecessárias para que os donos do poder possam trabalhar com mais tranqüilidade. Permitem-se desafios para provarem a si próprios que podem superar uma charada – exatamente como numa aula de matemática.
Mais ou menos como fazer uma reportagem sobre quantas ruas há no mundo. Ou tentar te convencer, nas últimas quatro linhas, que o título deste artigo faz algum sentido.
Janeiro de 2004
Gustavo Barreto é estudante de Comunicação e editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net)