Apostando em promessas e acordos comerciais sequer articulados, o Brasil está desprezando a geração local de empregos e renda no desenvolvimento de uma tecnologia própria para a transmissão digital de sinais de TV. Mais do que isso: desconsiderou o interesse da China, o maior mercado consumidor do planeta. Em visita ao Brasil em maio, uma delegação chinesa procurou a Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET). Conforme o relato do engenheiro Miguel Cipolla Júnior na revista "Engenharia de Televisão", o chefe da delegação, Zhou Daí Qun, "manifestou interesse em estabelecer um acordo de cooperação entre China e Brasil no desenvolvimento de um padrão de televisão digital terrestre que possa atender às necessidades e interesses dos dois países, estabelecendo uma aliança com um país do Ocidente". Conforme noticiou "AcessoCom", o governo chinês vem patrocinando o desenvolvimento do Digital Multimedia Boradcast (DMB), que pretende lançar em 2003. Estratégia semelhante é defendida pelo professor Marcelo Zuffo, do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Em matéria da "Agência USP de Notícias", ele cogitou o adiamento da decisão por se tratar de um escolha geopolítica e que terá impacto nos próximos 30 anos. Segundo Zuffo, o Brasil tem total condições tecnológicas para, "no prazo médio de um ano, propor um padrão de TV Digital exclusivamente nacional". Seu laboratório já está fazendo uma parte das pesquisas. Até o final do ano, apresentará um protótipo de receptor de sinais digitais que custe R$ 30 e seja compatível com qualquer padrão a ser escolhido. No exterior, equipamentos similares oscilam entre US$ 150 e US$ 800. Diante de fatos novos, coletados longe da grande mídia e tornados públicos por "AcessoCom", está na hora da sociedade entrar de vez neste debate. Ou se mantém a política de exportar capital para fomentar a indústria de outros países, ou resolve-se gerar emprego e renda dentro do território nacional. Com um mercado potencial de 54 milhões de receptores de TV, o País tem cacife para escolher entre as possibilidades que se apresentam e até entre as que não foram apresentadas.
Brasil
desconsidera tecnologia própria para TV Digital
Começa
a ser rompida a cortina de fumaça que tem cercado no Brasil o padrão chinês
de tecnologia para a TV digital. Ignorada pela mídia de massa e mesmo por
parte da imprensa especializada, em maio de 2002 uma delegação chinesa
esteve no Brasil oferecendo parceria no desenvolvimento da tecnologia que o país,
até agora, se dispõe a comprar, por um alto preço, dos Estados Unidos, da
Europa ou do Japão. O negócio envolve um mercado estimado em R$ 100 bilhões
ao longo de dez anos.
No
início de agosto a revista "CartaCapital" apresentou, pela primeira
vez com destaque na mídia nacional, o padrão chinês Digital Multimedia
Broadcast (DMB). Até então, esta alternativa era ignorada pelo Brasil, que
deveria se decidir entre os padrões norte-americano (ATSC), europeu (DVB) e
japonês (ISDB). Conforme noticiou "AcessoCom", o ministro das
Comunicações, Juarez Quadros, declarou que nunca havia "ouvido falar do
padrão chinês", mesmo depois da visita da delegação daquele país.
Devedor
a credor
O
desconhecimento do ministro das Comunicações é particularmente
desconcertante face às preocupações, formalmente manifestadas tanto pelo
governo federal, como pelos grupos privados, quanto às condições de
transferência de tecnologia, diminuição de "royalties" e produção
local de aparelhos e componentes que deveriam ser possibilitadas pela
tecnologia de TV digital que o Brasil adotar. Apesar de todos estes cuidados,
o governo e as empresas brasileiras parecem estar desprezando uma proposta
para o país ser desenvolvedor de tecnologia e, portanto, passar de devedor a
credor de "royalties".
Quem
concorda com esta avaliação é o professor do Laboratório de Sistemas
Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP),
Marcelo Zuffo. Em entrevista ao site "Agência USP de Notícias", em
junho, ele declarou que o Brasil tem total condições tecnológicas para,
"no prazo médio de um ano, propor um padrão de TV Digital
exclusivamente nacional. 'Tecnicamente falando, somos capazes de ingressar
neste mercado utilizando tecnologia brasileira'", afirmou. Para ele, a
escolha de um padrão de TV Digital poderia ser "adiada e melhor
discutida". "Trata-se de uma escolha que terá impacto nos próximos
30 anos, além disso, será uma decisão geopolítica", afirmou Zuffo.
"É perfeitamente viável um país que possui 54 milhões de aparelhos de
TV como o Brasil propor um padrão com tecnologia própria. Nosso sistema
poderia ser uma boa mistura dos três em questão", considerou o
professor do LSI.
Decodificador
brasileiro
Prova
de que o Brasil tem condições de desenvolver tecnologia nacional para a TV
Digital foi a divulgação de um projeto do próprio LSI da USP. Até o final
do ano, os pesquisadores do laboratório pretendem concluir "um protótipo
de receptor de TV Digital Universal, que poderá operar de maneira
independente da modulação do sinal", conforme noticiou o site "Agência
USP de Notícias". Segundo o professor Zuffo, o decodidicador ("Set-Top-Box
Digital") "terá condições de ser adaptado em qualquer sistema de
TV Digital que venha a ser implantado no Brasil. 'Desenvolvemos este receptor
a um custo muito baixo, que deverá custar algo em torno de R$ 30'",
explicou Zuffo. Atualmente, decodificadores similares custam de US$ 150 a US$
800 no exterior. De acordo com Zuffo, o protótipo já será montado com condições
de acessar a internet e possibilitará "convergência de sistemas, ou
seja, poderá ser conectado a um telefone fixo ou celular".
Cooperação
estratégica
A
presença dos chineses no Brasil, omitida pela grande imprensa, foi revelada
em artigo, publicado na edição maio-junho da revista "Engenharia de
Televisão", da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e
Telecomunicações (SET). O texto é assinado pelo engenheiro Miguel Cipolla Júnior,
suplente no Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso
Nacional. O artigo informa que em 22/5, uma delegação chinesa, "que
veio ao Brasil a convite da Câmara de Comércio Brasil-China", visitou a
SET, no Rio de Janeiro (RJ). Os visitantes foram recebidos, além de Cipolla,
pelos engenheiros "Carlos Brito, Carlos Capelão, Marcelo Martins e
Valderez de Almeida Donzelli", para "trocar informações a respeito
do processo da TV digital terrestre naquele País".
Durante
a visita à SET, "o chefe da delegação, Zhou Daí Qun, manifestou
interesse em estabelecer uma cooperação entre China e Brasil no
desenvolvimento de um padrão de televisão digital terrestre que possa
atender às necessidades e interesses dos dois países, estabelecendo uma
aliança com um país do ocidente". Qun fez também "o convite para
que um grupo de trabalho visitasse a China para verificar o que lá está
sendo desenvolvido". Conforme "comentários do professor Zhixing
Yang, da Tsinghua University, o grupo de desenvolvimento teve grande apoio do
Governo e das Universidades da China". Concordando com Yang, o engenheiro
Cipolla ressalta que "isso demonstra que um grande projeto, como o da
migração da tecnologia de TV Digital, demanda investimentos não apenas de
empresas privadas, mas também o próprio governo, aliados à capacidade
intelectual de seus especialistas técnicos".
Modelo
próprio
A
delegação chinesa, na reunião com os engenheiros da SET, lembrou que
"a televisão Chinesa, através de 70.100 transmissores e
retransmissores, possui cobertura de 92,5% entre a população, e 100 milhões
de assinantes no serviço de cabo. Desde 1996 há grupos de pesquisas sobre a
TV digital na China. A primeira transmissão em circuito fechado de HDTV (TV
de alta definição) aconteceu em setembro de 1998 e o primeiro teste em
'broadcast' HDTV teve lugar em outubro de 1999".
"No ano 2000, zonas de teste foram preparadas pelo Governo para transmissões nas três maiores cidades da China: Beijing, Shangai e Shenzhen. Durante a análise dos sistemas existentes - ATSC, DVB-T e ISDB - os chineses perceberam que poderiam desenvolver um sistema próprio, melhor do que qualquer outro e que contemplasse transmissão de multimídia, HDTV, SDTV, Internet, Datacast, etc; para recepção fixas, móveis e portáteis, integração com celulares de última geração GSM e que tivesse algum canal de retorno, tendo em vista o tamanho do mercado e o domínio da tecnologia", destaca o texto de Cipolla.
Testes
em andamento
"Assim,
em março de 2001, a China submeteu à ITU (International Telecommunication
Union) sua proposta para o desenvolvimento de um padrão próprio. Desta
forma, foram apresentados cinco sistemas, três baseados em transmissão com múltiplas
portadoras (COFDM) e dois com portadora única. Os testes foram realizados
entre outubro de 2001 e abril de 2002. Os resultados serão analisados pelo
Governo até o fim deste ano. Posteriormente deverá ser formada um espécie
de Grande Aliança que no transcorrer de 2003 determinará o padrão de TV
Digital Terrestre para a China", informou a revista da SET. Segundo
Cipolla, os chineses "ainda não possuem um cronograma para o início
comercial de suas transmissões após a definição do padrão em 2003, mas já
afirmaram que os Jogos Olímpicos de 2008 serão transmitidos em HDTV. Em 10
anos, a China deve introduzir no mercado 350 milhões de aparelhos para recepção
digital".
Política
anunciada
Ignorando
as manifestações que surgem na comunidade científica brasileira e de um
potencial parceiro comercial do porte da China, o governo federal está
tocando seu calendário. Conforme o jornal "O Globo" de 20/8, a política
da TV Digital brasileira deverá ser anunciada no início de setembro. "A
política de implantação da TV Digital não diz qual é o padrão tecnológico
que será usado, mas traz orientações estratégicas", esclareceu o
ministro das Comunicações, Juarez Quadros. Segundo ele, a implantação começará
pelos grande mercados, como Rio de Janeiro e São Paulo, e "caberá a
cada emissora de TV decidir que tipo de aplicação do sistema digital será
utilizado e que serviços serão oferecidos às diversas regiões do País",
informa o jornal carioca.
Em
entrevista ao "Correio Braziliense", o secretário-executivo do
Minicom, Maurício Abreu, explicou como o ministério está pensando as etapas
da implantação. Segundo ele, a regulamentação precisará ser feita "tão
logo concluídas as análises sobre o modelo de negócios e o de transição.
No processo também deverá ser garantida a continuidade de atendimento ao
telespectador, nas atuais áreas de cobertura da televisão analógica e em
condições de recepção iguais ou melhores". Conforme o jornal, que
mantém a cobertura tradicional da grande imprensa sobre o tema, o Minicom
espera que o novo sistema de comunicação contemple o cidadão "como elo
mais importante da cadeia e para o qual tudo deve ser feito no sentido de que
a TV Digital seja aberta, livre e gratuita; contribua para garantir a
universalidade do idioma e a integração nacional".
Referências
Bibliográficas:
Governo
define política da TV digital - 20/8/2002
O Globo - Mônica Tavares
LSI
desenvolve protótipo de receptor e prepara-se para tecnologia de TV Digital -
18/6/2002
Agência USP de Notícias - Antonio Carlos Quinto
Set
reúne-se com Delegação Chinesa - 30/6/2002
Set - Miguel Cipolla
Contrapartidas
- 20/8/2002
Correio Braziliense - Da redação
Novos
rumos para TV digital - 20/8/2002
Correio Braziliense - Rosa Maria
Bases
para uma política nacional - 20/8/2002
Correio Braziliense - Da redação
Chip
faz a diferença - 20/8/2002
Correio Braziliense - Da redação
Como
funciona a tela - 20/8/2002
Correio Braziliense - Everton Venâncio
Tevês
de plasma já estão no país - 20/8/2002
Valor Econômico - Da redação
Cinema
em casa - 20/8/2002
Correio Braziliense - Everton Venâncio
Abert
negocia convênio com Banco do Brasil - 19/8/2002
Pay-TV Real Time News - Da redação