Folha de São Paulo já definiu como deve ser o governo Lula

(Sérgio Domingues)

28 de outubro. Lula já eleito, a Folha de São Paulo traz na manchete da capa “Lula Presidente”. Logo abaixo e ao lado da foto do presidente eleito, uma especialidade da casa. Um editorial de capa. Nele, outra especialidade da casa: a linguagem do editorial louva com palavras e ameaça com subentendidos.

Vejamos: a peça jornalística começa dizendo que “o resultado de ontem é demonstração eloqüente de que nossa democracia comporta real alternância no poder dentro das regras do jogo.”

Olha quem vem falar em regras do jogo

Isso soa mais como se fosse uma condescendência. Depois de 8 anos de pensamento único, com FHC eleito e reeleito à base da unanimidade burra alimentada pela grande mídia, temos “real alternância no poder”. Eles deixaram. Permitiram que Lula fosse eleito. Obrigado. Estamos todos agradecidos por finalmente vocês, senhores da Folha, Globo, da Veja etc, terem permanecido “dentro das regras do jogo.” Afinal, desde que a figura política de Lula surgiu ameaçando interesses poderosos, quem desobedece as regras do jogo não temos sido nós, do PT, da CUT, do PcdoB, PSTU etc etc. Esta é a especialidade deles. Da grande mídia, dos banqueiros, empresários, latifundiários. Inclusive, nestas últimas eleições, em que o TSE mudou as regras com o jogo em andamento.

A Folha diz a quem devemos frustrar

Mas vamos em frente. Depois de nos premiar com sua condescendência, a Folha agora quer ensinar a governar: o governo de Lula, diz o editorial, “terá que fazer frente a uma situação dramaticamente adversa, em que a preservação do equilíbrio econômico, hoje ameaçado, demandará alta competência e responsabilidade. Parte das expectativas despertadas pela eleição será frustrada, outra parte será eventualmente atendida após um período duro e impopular. Ceder à tentação demagógica será converter a vitória em mais uma aventura populista, fadada ao fracasso.”

Em primeiro lugar, o equilíbrio econômico não está ameaçado “hoje”, mas desde que a economia do país perdeu a pouca autonomia que tinha através da dolarização disfarçada pelo Plano Real e da entrega de nossas principais empresas e setores estatais ao capital internacional. Desde então, não temos qualquer meio de equilibrar coisa alguma, porque os centros do poder econômico do País estão cada vez mais fora de nossas fronteiras.

Em segundo lugar, a Folha não só prevê que parte das expectativas serão frustradas, como já escolheu qual parte deve sê-lo. O editorial diz que “ceder à tentação demagógica será converter a vitória em mais uma aventura populista, fadada ao fracasso”. Ora, a Folha não chamaria de demagógicas medidas que atendessem as expectativas dos grandes empresários e do capital internacional. Tais medidas seriam consideradas medidas duras, difíceis, mas "responsáveis e necessárias". Portanto, apenas medidas que diminuam a pobreza e a desigualdade serão tratadas como demagógicas e populistas. E ai do governo Lula se ceder às tentações do populismo. A Folha do alto de sua sabedoria chamá-lo-á à razão. Ficamos todos tranqüilos com tamanha vigilância.

Folha: imparcial desde que se concorde com ela

Por fim, a Folha encerra o editorial em grande estilo: “Ao saudar a legitimidade do presidente Lula, a Folha se compromete a manter sua linha editorial de independência e crítica, na convicção de que o melhor serviço que um jornal presta ao país é iluminar, questionar e discutir a atuação de seus governantes.”

A Folha é realmente maravilhosa. Depois de nos ensinar o que considera ser a linha justa do governo. Depois de receitar que o novo governo não deve “ceder à tentação demagógica”, melhorando os índices sociais, por exemplo. Depois de determinar quais expectativas não devem ser frustradas. Depois de tudo isso, o jornalão se compromete a “manter sua linha editorial de independência e crítica”. Claro que desde que essa “linha editorial de independência e crítica” não seja desafiada com medidas demagógicas e as expectativas dos poderosos não sejam frustradas.

Se é assim age que o jornal que se considera o mais moderno, imparcial e crítico da grande imprensa brasileira logo após uma vitória histórica dos trabalhadores, imagine o que vem por aí. Imagine o que vem de publicações como Veja, Época, Jornal da Tarde, o Globo, Jornal do Brasil. Claro que não vão mostrar suas garras logo de cara. Não vão desafiar um governo eleito com 52 milhões e a primeira bancada do Congresso, desde já. Mas, o editorial da Folha já sinaliza que não vacilarão em defender a atual política econômica com unhas e dentes.

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