As rádios comunitárias lutam para deixar a clandestinidade. A grande maioria não é regulamentada, mesmo havendo legislação para isso. Os militantes da categoria vivem em um limbo semi-oficial onde reina uma confusão raramente esclarecida: a fronteira entre uma emissão comunitária e uma transmissão pirata. Para o assistente administrativo Fernando dos Santos, presidente da rádio Comunidade de Brazlândia, no Distrito Federal, a culpa é da mídia. "Não somos piratas e nem clandestinas, são termos pejorativos contra nós. Só não temos autorização do governo", explica. Para Fernando, a rádio traz muitos benefícios,como valorizar artistas locais, disponibilizar informações de interesse comunitário e aumentar a interação na vizinhança. "As pessoas gostam de ouvir nomes de conhecidos na rádio e ter informações que não seriam divulgados em outros veículos", diz. Santos reclama da morosidade do governo. "O processo da minha rádio está há mais de dois anos no Ministério das comunicações, sem nenhuma resposta". A rádio de Brazlândia opera desde 1997.
Fernando Santos passou por vários problemas para manter a rádio. A emissora já foi fechada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pela Polícia Federal e teve o equipamento apreendido. Foi necessário uma ordem judicial para liberar o material. "Há pouco interesse que as rádios comunitárias funcionem. Os donos do poder econômico também querem controlar a informação", acusa.
Para ele, é necessário que as comunitárias não sejam tratadas como foras-da-lei. "Não interferimos com sistemas de comunicação dos bombeiros, polícia ou de aviões. Já enviamos cartas e eles responderam que isso não ocorre. Não queremos ser tratados como caso de polícia", insiste Santos.
A Anatel, no entanto, diz que o risco de rádios fora das especificações afetarem as telecomunicações é real. Em 2002, foram recebidas 5.430 denúncias de uso indevido do espectro eletromagnético. Destas, 60% diziam respeito a rádios não autorizadas. "A aparelhagem que guia aviões para o pouso e decolagem usam freqüências de FM próximas das rádios. O perigo é grande", informa Edilson dos Santos, superintendente de Radiofrequência e Fiscalização da Anatel.
Legalmente, as rádios comunitárias têm legislação própria _ a Lei Nº 9612 de 1998. A norma define que as emissoras deste tipo podem ter transmissores de no máximo 25 watts de potência, antena de no máximo 30 metros de altura e, obviamente, não ter fins lucrativos.
Os diretores devem ser brasileiros natos e a licença não pode ser transferida. A área de cobertura média é definida em um quilômetro, mas, na prática, dependendo do tipo de terreno, altura dos prédios e condições climáticas, o alcance pode chegar até quatro quilômetros.
Segundo o secretário de serviços de comunicação eletrônica do Ministério da Comunicação, Eugênio de Oliveira Fraga, as comunitárias prestam serviços à sociedade, mas têm que passar pelo processo legal. O processo para a concessão começa com uma solicitação ao Ministério das Comunicações, chamada "demanda de interesse". Depois, a pasta abre prazo de 30 dias para consulta pública de interessados em ter uma rádio no mesmo local. Se só haver um interessado, este encaminha a documentação para a análise técnica e jurídica. Se tudo estiver correto, o processo é encaminhado para o Congresso e passa pelas respectivas comissões no Senado e Câmara dos Deputados. Finalmente, a documentação segue para a Presidência da República para outorga. Só então o ministério poderá emitir a licença.
Fraga admite que o processo é lento e complicado. E que a maioria dos pedidos era engavetada no ministério. "Quando assumimos, encontramos mais de quatro mil pedidos parados. Criamos um grupo de trabalho para analisar os pedidos acumulados e acelerar o processo", diz o secretário. Ele afirma que o governo, agora, tem interesse em apoiar rádios comunitárias. Uma nova legislação está sendo elaborada para simplificar o procedimento. Com isso, o prazo médio para a outorga deverá cair de 18 para seis meses. Atualmente existem apenas 1.707 rádios comunitárias autorizadas. Calcula-se haver pelo menos três vezes mais rádios atuando sem autorização.
Uma coisa em que todos os lados concordam é que uma legislação mais flexível seria um benefício para todos.
O presidente da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraco), José pereira da Silva, afirma que as rádios comunitárias são importantes para aproximar as pessoas e que muitos municípios só têm esse veículo como meio de informação. "Hoje com R$ 7 mil você monta uma rádio. A maioria tira esse dinheiro do bolso e faz isso só por amor ao veículo", diz.
* Agência Brasil - ABr, em 24/06/2003 - Voltar ao topo da página