A informação além do mercado: entrevista com Eugênio Bucci

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Rita Freira, para o III Ciranda

III Ciranda - Os meios de comunicação,  os mesmos que, de alguma forma,  ajudam a produzir a guerra como espetáculo ou como negócio, estão concentradíssimos em poucas mãos. Como é possível furar esse cerco?

Eugênio Bucci – São dois problemas que podemos tratar de modo diferente. Uma questão inicial é a concentração dos meios de comunicação em poucas mãos, o que conspira contra o ideal democrático da comunicação porque, estando em poucas mãos, as instituições midiáticas tendem a refletir menos a diversidade e a pluralidade. Isso é possível enfrentar com legislação, com limites ao monopólio, ao oligopólio, à propriedade cruzada dos meios de comunicação. São limites conhecidos das democracias.

Do outro lado, o tom publicitário da comunicação pública hoje – e quando eu digo comunicação pública não estou me referindo à comunicação das empresas públicas, mas à comunicação à qual o público está exposto, à comunicação que tem acesso ao público – o tom publicitário dessa comunicação é um problema porque transforma em discurso de mercado o que deveria ser um discurso para a cidadania, transforma em prática publicitária o que deveria ser uma mediação do debate público, e assim por diante.

As fronteiras entre o que é informação de interesse público e o que é anúncio publicitário se desfizeram nas décadas finais do século XX. Então, isto é uma outra preocupação porque nós podemos ter uma comunicação que não esteja concentrada nas mãos de poucos, mas em que prevaleça o discurso publicitário. Essa é uma preocupação de segunda ordem.

Hoje, em resumo, é preciso conseguir uma ordem democrática em que a informação de interesse público esteja preservada, senão no todo, mas na sua parte essencial, do interesse de mercado. Isso, às vezes, o jornalismo de mercado ainda tenta fazer, mas, muitas vezes, não consegue porque está subordinado à dinâmica dos grandes conglomerados. Então, aí, a informação pública pode ser um suporte importante.

III Ciranda – Os meios públicos de comunicação?

Eugênio Bucci – Exatamente: os meios que não tenham o lucro como objetivo, que não existem para vender mercadoria, nem para construir imagem de mercadorias. Esses meios públicos, sejam eles financiados por verbas do Estado ou por verbas de organizações não governamentais, podem ser uma ajuda para que o cidadão tenha acesso à informação de relevância, informação que dialogue com a cidadania, com o direito à informação, e com os direitos em geral, e não apenas uma informação que existe para vender.

III Ciranda – E é possível que esses meios escapem do controle de uma burocracia excessiva?

Eugênio Bucci – Sem dúvida, claro que é possível...

III Ciranda – Falando da Radiobrás, como vai ser isso?

Eugênio Bucci – A Radiobrás é uma empresa que tem o dever legal de cobrir e difundir o movimento do governo federal e de seus ministros e, portanto, tem uma face de comunicação governamental. Às vezes, até de comunicação estatal, que pode ser de boa qualidade e pode ser democrática. De outro lado, ela concentra atividades que podem ser entendidas como comunicação pública, um pouco mais distante da função estatal.

A Radiobrás tem, por exemplo, a TV Nacional que, praticamente, funciona como uma televisão educativa no Distrito Federal. No site Agência Brasil, ela difunde uma série de informações de interesse público que não são necessariamente a divulgação das ações do Estado. Essas duas esferas, o público e o estatal, se combinam de forma diferenciada dentro das atividades da Radiobrás, mas fundamentalmente ela existe para cobrir e difundir os atos de governo. Isso ela deve fazer com qualidade, com compromisso com a cidadania, com competência.

O que nós verificamos, no entanto, é que hoje nós estamos no Brasil em um momento histórico sem precedentes e um momento histórico singular. Porque não há contradição entre o que aquilo que o cidadão tem direito de saber e aquilo que o governo tem interesse em comunicar. Essa unicidade e essa singularidade desse momento histórico é uma coisa sem precedentes porque hoje nós temos um governo sabe que a sua grande força está na construção da cidadania. Informação publica de relevância pública é fundamental para a construção da cidadania. Então há uma sintonia entre a informação a que o cidadão tem direito e a informação que o governo tem interesse legítimo em difundir. Nós vivemos um governo que, pela primeira vez, não quer esconder que existe fome no Brasil. Ao contrário,  quer mostrar. Nós vivemos um governo que, pela primeira vez, traz um presidente da República ao Fórum Mundial de Porto Alegre. Então, há um encontro como nunca houve. E isso abre um campo sem precedentes também para a informação pública.

III Ciranda – A Radiobrás tem como contribuir para o florescimento da imprensa independente no Brasil, para a consolidação dessa imprensa que surge e atua muito sozinha, muito dispersa, e que vem fazendo um esforço imenso de se articular, como se vê aqui no Fórum?

Eugênio Bucci - Isso é importante porque nós temos que observar com bastante rigor aquilo que é função legalmente estabelecida para a Radiobrás. Como uma empresa pública, a exemplo de todas as empresas públicas, ela tem uma função a cumprir e não pode se afastar disso. Não é uma incumbência legal da Radiobrás estimular a imprensa independente ou a imprensa de outra natureza. As suas obrigações legais devem ser rigorosamente observadas e cumpridas. Não há na Radiobrás, nem haverá, um corte ideológico para um lado ou para outro lado. Há um cumprimento com compromisso e competência de suas atribuições legais. O que existe, além da Radiobrás, é que nós vivemos um momento em que o espírito crítico e o dever legítimo de participação de vários segmentos impõem a emergência de mais pluralidade no sistema geral de comunicações do nosso país. E isto é um sinal de vitalidade democrática. Não vai ser estimulado nem desestimulado pela Radiobrás. Isto escapa às competências legalmente dadas a esta empresa pública. O momento é propício, sem dúvida é propício. E isso não tem relação direta alguma com as atividades da Radiobrás.

III Ciranda – Uma última pergunta que vários veículos da comunicação de regiões diferentes do país gostariam de encaminhar a você nesta entrevista: a concentração da informação no eixo Rio, São Paulo, Brasília. Como é que isto muda ou pode mudar no Brasil ?

Eugênio Bucci - Do ponto de vista da Radiobrás, isto muda conforme o governo desloca o foco da informação. Quando o  Lula, por exemplo, logo no início do ano,  vai ao semi-árido, ele traz para o centro do debate público e para o foco da própria mídia a realidade daqueles lugares em que ele esteve, ele e seus ministros. Isso é o que desloca a centralidade exercida pela região Rio, São Paulo e um pouco por Brasília. Não é uma conseqüência da nossa vontade que promove esse descolamento, mas uma conseqüência dos movimentos que vêm do próprio governo como sujeito político. Isso promove uma visibilidade maior para regiões esquecidas do Brasil.  Nós temos dois grandes exemplos que é o semi-árido e é o que acontece aqui em Porto Alegre. Por que é que a Radiobrás está presente nestes lugares? Porque o presidente se deslocou pra eles. Se deslocando pra eles, junto da comunicação do governo, ele promove também um deslocamento do olhar da grande imprensa. Nunca o semi-árido teve a visibilidade que teve e nunca o Fórum Social Mundial teve a visibilidade que teve.

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