(Elvira Lobato * )
Repetindo
seus antecessores João Baptista Figueiredo (1979-85) e José Sarney (1985-90),
o presidente Fernando Henrique Cardoso distribuiu concessões de rádios e
televisão a aliados políticos.
Pelo
menos 13 deputados federais - além de deputados estaduais, prefeitos,
ex-deputados e candidatos a cargos eletivos- receberam concessões de rádios e
TVs educativas. Em seu primeiro pronunciamento pela TV como presidente, Fernando
Henrique prometeu pôr fim ao uso político de concessões de radiodifusão e
anunciou que elas passariam a ser vendidas em licitações públicas. "O
governo não estabelecerá nenhum balcão nem canal algum para a prática do
"toma lá, dá cá'", afirmou.
Ele
acabou com a distribuição política das emissoras comerciais, tornando obrigatória
a venda das concessões por licitação pública. Mas deixou uma porta aberta
para a negociação política: as emissoras educativas continuaram sendo
concedidas pelo Executivo. Em sete anos e meio de governo, além das 539
emissoras comerciais vendidas por licitação, FHC autorizou 357 concessões
educativas sem licitação. Figueiredo distribuiu 634 e José Sarney 958 -
basicamente comerciais - igualmente sem licitação.
A
distribuição foi concentrada nos três anos em que o deputado federal Pimenta
da Veiga (PSDB-MG), coordenador da campanha de José Serra, esteve à frente do
Ministério das Comunicações. Ele ocupou o cargo de janeiro de 99 a abril de
2002, quando, segundo seus próprios cálculos, autorizou perto de cem TVs
educativas. Pelo menos 23 foram para políticos.
A
maioria dos casos detectados pela Folha é em Minas Gerais, base eleitoral de
Pimenta da Veiga, mas há em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia,
Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Roraima e Mato Grosso do Sul.
Políticos
O ex-ministro dos Esportes, deputado federal Carlos Melles (PFL-MG), recebeu uma
TV educativa para São Sebastião do Paraíso, onde a mulher dele é prefeita. A
concessão saiu quando ainda era ministro, em abril de 2001, em nome da Fundação
Educacional e Cultural Sudoeste Mineiro.
A Fundação Cultural Campos de Minas, de parentes do presidente da Câmara,
deputado federal e candidato a governador de Minas Aécio Neves (PSDB-MG),
recebeu TV em São João Del Rey.
O decreto de concessão foi assinado por FHC, no dia 5 de julho do ano passado.
No mesmo dia, o deputado federal Cleuber Carneiro (PFL) recebeu uma TV educativa
para a cidade de Januária (sua base eleitoral), no norte de Minas. A concessão
saiu em nome da Fundação Cultural de Januária, dirigida por filhos do
deputado.
O
deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB- MG), pai do advogado Geral da União,
José Bonifácio Borges de Andrada, recebeu concessão de TV para sua cidade,
Barbacena, em nome da Fundação José Bonifácio Lafayette de Andrada. O
decreto do presidente é de 8 de março deste ano.
Em
junho, FHC contemplou o grupo do deputado federal e candidato ao Senado Hélio
Costa (PMDB-MG), adversário de Bonifácio Andrada. A TV saiu para Barroso,
vizinha a Barbacena, em nome da Fundação Minas Gerais.
Depois
de aprovadas pelo Ministério das Comunicações e pelo presidente da República,
as concessões passam pelo Congresso, onde são referendadas. A maioria das
concessões autorizadas por FHC ainda está no Congresso.
Disputas
O deputado federal Nárcio Rodrigues (PSDB- MG), presidente da Comissão de Ciência
e Tecnologia da Câmara, obteve concessão de TV para sua cidade, Frutal. A
outorga foi dada à Fundação Cultural e Artística de Frutal, da qual fazem
parte, entre outros, o pai e a sogra do parlamentar.
Para
atender a aliados políticos, o governo atropelou outros grupos e empresários
que já retransmitiam TVs educativas no interior, amparados em antigas licenças,
sem a força legal da concessão. Há situações de conflito em Sete Lagoas e São
Sebastião do Paraíso, em Minas Gerais, e também em Petrópolis, no Estado do
Rio.
Em
Sete Lagoas, três grupos políticos - do ex-governador Eduardo Azeredo
(candidato do PSDB ao Senado), do deputado federal Márcio Moreira (PPB) e do
ex-prefeito e candidato a deputado estadual Marcelo Cecé (PTB) - controlam a
Fundação Educacional Comendador Avelar Pereira de Alencar, que recebeu um
canal de TV educativa em abril. Um grupo local, que explora o mesmo canal há
dez anos, recorreu à Justiça.
Em
São Paulo, pelo menos duas concessões de TV educativa foram dadas à entidades
ligadas a políticos: a Fundação Cultural Anhanguera, ligada ao deputado
federal André Benassi (PSDB-SP), recebeu concessão para Várzea Paulista. A
segunda concessão - para uma TV em Presidente Prudente - foi dada à Fundação
Agripino Lima, ligada ao deputado federal Paulo Cesar de Oliveira Lima
(PMDB-SP).
A
maior parte das emissoras educativas autorizadas por FHC foi para universidades,
igrejas e profissionais de radiodifusão, mas grande número foi parar em fundações
ligadas a políticos.
A identificação dos políticos favorecidos é difícil porque eles não
aparecem como responsáveis pelas fundações na documentação existente nos
cartórios e no Ministério Público. Em geral, se fazem representar por
parentes, assessores e pessoas de confiança.
A
Fundação Quilombo, que recebeu as seis concessões aprovadas para o Estado de
Alagoas (cinco rádios e uma TV) tem como presidente a assessora do deputado
federal João Caldas (PL-AL), Maria Betânia Botelho Alves. Ela disse que o
deputado é o "instituidor" da entidade.
No Maranhão, a Fundação Nagib Haickel, do deputado estadual Joaquim Haickel
(PTB), obteve concessões de TV educativa para as duas maiores cidades (São Luís
e Imperatriz) e seis rádios.
Jornalista da sucursal do Rio/Folha de S.Paulo (25/8/02). Votar ao topo da página