Dessa vez, a Polícia Federal não poupou nem a universidade. Dando sequência à tarefa ininterrupta e ao que parece prioritária de lacrar rádios comunitárias nos quatro cantos do país, um agente da Polícia Federal lacrou, no dia 14 de abril passado, a Rádio Interferência, que funcionava no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
A notícia foi publicada no portal Comunique-se, de 17 de abril passado. Segundo relato de alunos, o policial não apresentou mandado judicial e autuou a professora Suely de Almeida, decana do Centro de Ciências Humanas, como responsável pelas "ações ilegais" dos alunos.
A inspeção à Rádio Interferência teria ocorrido a pedido da ANATEL "para averiguar interferências nas transmissões do Aeroporto Santos Dumont", de acordo com um grande jornal carioca. No entanto, o engenheiro de telecomunicações e professor Hugo Melo, da UFRJ, explicou que os sinais de aviação operam numa faixa de freqüência (até 300MHz) muito diferente das rádios FM (de 88 a 108MHz). Ele ressaltou ainda que o equipamento da rádio é profissional, de alta qualidade, e que dificilmente apresentaria uma distorção desse nível.
Rafael Rosenhayme, do núcleo de programação da rádio, disse que o policial não permitiu que os alunos pudessem ler o conteúdo da "notificação" que alegou ter em mãos.
A legitimidade da ação foi questionada por estudantes e pela Reitoria. Por se tratar de uma universidade federal, somente a PF pode ingressar no campus. E, mesmo assim, de acordo com o procurador-geral da UFRJ, Ronaldo de Albuquerque, a Reitoria deveria ter sido previamente informada da ação.
A chefe-de-gabinete do reitor da UFRJ, professora Ângela Gonçalves, se disse surpresa com a atitude da Polícia. Declarou também que a posição da Reitoria é de apoio aos
estudantes e que serão tomadas providências para o retorno das transmissões. Segundo ela, os alunos não podem ficar sem uma atividade laboratorial como a rádio.
Rádio quer manter independendência
A Rádio Interferência funciona desde 1985 no campus da UFRJ na Zona Sul do Rio de Janeiro, sem concessão ou vínculo institucional. A gestão, programação e divulgação da rádio são feitas pelos estudantes. A emissora funciona como atividade laboratorial e de comunicação comunitária, mas nunca se submeteu ao controle acadêmico e nem buscou a regularização legal.
De acordo com os alunos, a legalização prejudicaria o trabalho da rádio. A legislação brasileira para rádios comunitárias estabelece limites rígidos e impraticáveis para a transmissão. Enquanto a lei só permite a potência de 25 watts para o equipamento, a Interferência vem operando com 50 watts. O raio de alcance do sinal, que legalmente só pode ser de 1km, tem ultrapassado os 10km, chegando mesmo à cidade vizinha de Niterói.
A localização privilegiada do campus da UFRJ, na entrada da Baía da Guanabara, permite que a rádio alcance quase toda a Zona Sul da cidade, área de classe média e alta.
A freqüência em que ela opera (91,5 MHz FM) é vazia no rádio carioca. A programação da Interferência, desde sua fundação, caracteriza-se por diferenciar-se das rádios
comerciais, dando espaço a bandas alternativas, música regional ou popular (como choro e samba de raiz) e jornalismo crítico, voltado para a comunidade dos bairros alcançados. Nesses 18 anos de funcionamento, esta é a primeira vez que a Rádio Interferência é visitada pela polícia.
Estudantes se mobilizam para a reação
Depois do fechamento da rádio, alguns estudantes contataram as principais entidades de rádios comunitárias do Rio e do Brasil, como a AMARC (Associação Mundial), a FARC (Federação Regional), a UNIRR (União das Rádios Regionais) e o CRIAR (ONG de assessoria e capacitação), além de parlamentares que têm atuação específica na área de radiodifusão independente, além da grande imprensa. Advogados especializados foram acionados, como o Dr. Orlando Cunha, criminalista, e o Dr. Davi Bittencourt, da FARC, para prestar consultoria jurídica.
Os estudantes decidiram que a transmissão só será retomada quando a Reitoria formalizar o apoio prometido pela chefe-de-gabinete. Enquanto isso, no entanto, poderá ser feita a transmissão via Internet, numa parceria que já vinha sendo articulada entre a Interferência, a Rede de Rádios Livres (www.radiolivre.org) e o Centro de Mídia Independente - CMI.
Taís Ladeira, representante da Associação Mundial das Rádios Comunitárias e Cidadãs - AMARC - para a América Latina, afirma que a situação das rádios livres e comunitárias não se alterou com o Governo Lula. Segundo ela, a autonomia das agências reguladoras cresceu a tal ponto que o próprio governo já não tem mais controle sobre a política nacional para as rádios livres. As delegacias regionais do Ministério das Comunicações foram todas fechadas na gestão FHC.
No III Fórum Social Mundial, em janeiro, a Interferência foi uma das rádios livres que, junto com a Rádio Muda (Campinas-SP) e outras, redigiram uma carta exigindo o fim imediato do fechamento das rádios e a devolução dos equipamentos apreendidos. O documento foi encaminhado para o Ministro das Comunicações, Miro Teixeira. As informações são do Portal Comunique-se de 17/04/2003.
* Secretário de Comunicação da Abraço-MG Agência Brasil - ABr, em 24/06/2003 - Voltar ao topo da página