Imprensa
pública não deve ser partidária, diz Eugênio Bucci
(Bia Barbosa)
O recado foi curto e
grosso: “zelar pela imagem do governo é função das relações públicas do
planalto, e não da Radiobrás”. Em palestra dada na Assembléia Legislativa
de São Paulo na segunda-feira (29), o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci,
fez questão de deixar claro que o papel da empresa que dirige é fazer um
jornalismo público de qualidade, que garanta o direito do cidadão à informação,
e não necessariamente falar bem do presidente.
A convite do deputado
estadual Vicente Cândido, Bucci falou das relações entre mídia, governo e
militância. Num auditório repleto de petistas, as palavras do número um da
Radiobrás podem ter desagradado intimamente os militantes do partido, mas isso
não impediu que o jornalista saísse de lá aplaudido.
Eugênio Bucci lembrou da
manifestação dos servidores públicos em Brasília, no dia 11 de junho, que não
foi noticiada na página na internet da Radiobrás, nem na Voz do Brasil.
Segundo ele, neste dia, a informação foi sonegada à população, fato que não
deve se repetir. “Eu, pessoalmente, posso apoiar um lado da situação, mas
uma instituição pública não pode”, afirmou. “Essas instituições
pertencem ao público e o dever do Estado é fazer com que elas trabalhem para
os cidadãos, e não para o governo. Precisamos conviver com a verdade. Todo
cidadão tem direito de saber tudo”, disse Bucci. No dia seguinte à manifestação,
a página da Radiobrás trouxe um editorial reconhecendo o erro.
Esta seria a grande
diferença entre comunicação pública e partidária. Para o presidente da
Radiobrás, o conflito de opiniões é normal e necessário para a democracia.
Num governo democrático, o apoio da população deve vir a partir do domínio
dos fatos, o que aumentaria o escopo de cidadãos que participam da construção
do governo, “discordando, se for o caso”.
Para alcançar esse
objetivo, a Radiobrás está qualificando seu quadro de funcionários. Essa
iniciativa tem sido sistematicamente criticada nas páginas de grandes jornais
do país, que avaliam que uma imprensa ligada ao Estado não pode exercer
concorrência aos veículos privados. Recente reportagem do jornal O Estado de
S. Paulo, por exemplo, intitulada "Planalto cria supermáquina de informação
oficial", criticou o "agigantamento do noticiário oficial" e
comparou a nova Radiobrás ao Departamento de Imprensa e Propaganda da era
Vargas.
Independência
A discussão da
necessidade de um jornalismo público no país foi abordada na palestra a partir
do ponto de vista de independência do capital. Bucci lembrou que, com o
Iluminismo, nasceu a idéia de uma imprensa independente do Estado para garantir
a formação da opinião pública. Mas, ao mesmo tempo, a partir deste momento,
a informação adquiriu um caráter de mercadoria. A premissa da independência
do Estado passou a enxergar a imprensa como algo estritamente comercial.
Esta relação, segundo o
jornalista, acabou gerando no Brasil grandes bolsões geográficos e demográficos
onde não há informação simplesmente porque o mercado não vê potencial de
lucro. Em paralelo, nos falta a chamada pulverização da publicidade, que
evitaria o monopólio da receita de um veículo por parte de um único
anunciante e sua conseqüente influência na cobertura dos fatos. “No Brasil,
o direito à informação não é assegurado pelo mercado”, afirmou Bucci.
“Os princípios públicos que orientam o jornalismo foram negligenciados e o
capital subverteu, de alguma forma, a relação com o Estado”, acredita.
Por isso, para a
imprensa, segundo ele, ser independente do capital é tão ou mais importante do
que ser independente do próprio Estado. Bucci lembrou da cobertura da guerra
contra o Iraque feita pela BBC de Londres, cujo modelo a Radiobrás busca se
aproximar. Ao contrário do jornalismo comercial norte-americano, que se mostrou
submisso às fontes oficiais, a TV inglesa se diferenciou justamente por ser uma
empresa pública.