MST
& Canudos: Imprensa não evoluiu em 100 anos
(Breno
Menini
* )
Os Sertões, livro de Euclides da Cunha que retrata a Guerra de Canudos,
completou 100 anos no mês passado, e parece que realmente foi escrito para ser
lembrado. Ao contrário do que muitos pensam, o autor não utilizou recursos
jornalísticos para escrever a obra. Euclides queria que o livro fosse lido e
relido por gerações futuras, e conseguiu: é um clássico da literatura
brasileira. O que muitos não sabem é que a abordagem do autor na cobertura do
episódio Canudos foi a mais calhorda e baixa em toda a imprensa do Brasil na época.
Euclides
da Cunha, enviado especial do jornal O Estado de S. Paulo, nada mais fazia a não
ser confirmar as notícias que o Exército transmitia. Ele participava dos
banquetes que o alto escalão do Exército brasileiro realizava. Comia e bebia
com os oficiais, e dessa forma nunca poderia produzir um texto imparcial.
Euclides, em toda a sua obra, não conseguiu denunciar as barbaridades
praticadas pelo Exército. Ele quase não fala da prática de decapitação dos
rebeldes, o que prova que sua "cobertura", se é que podemos chamar o
que ele fez de cobertura, não foi fiel à realidade dos acontecimentos. Todos
sabiam que os soldados cortavam as cabeças dos canudenses, antes e depois de
mortos. As matérias publicadas pelo Estado de S.Paulo não passavam de falsos
relatos de um jornalista medíocre, que teve medo de desempenhar seu papel
social.
Mas
o intuito desse artigo não é falar mal de Os Sertões nem de seu autor. A
abordagem de Euclides da Cunha na revolta de Canudos é a mesma que a grande
imprensa faz quando se fala em MST. O Movimento dos Sem-Terra muito se assemelha
a Canudos. Parece difícil imaginar, mas ambos têm em comum a ligação com a
terra e a posição contrária aos interesses do Estado. E da mesma forma que
trataram Canudos estão tratando o MST.
Sem
questionamento
Isso
indica que a imprensa brasileira nada evoluiu nos últimos 100 anos. Reportagens
de grandes jornais como Folha de S. Paulo ou Estadão revelam a falsa imagem do
MST que esses veículos passam. A Folha publicou que os integrantes do MST não
são mais que baderneiros. O Estado classificou-os de terroristas. Mas nenhum
desses jornais fala que os sem-terra ganharam um prêmio da Unesco por
alfabetizar seus assentados utilizando o método Paulo Freire. Que as crianças
hoje educadas nos assentamentos não serão trombadinhas nem prostitutas, amanhã.
O MST chega a exportar parte de sua produção. Isso a grande imprensa nunca vai
mostrar. Mas é claro, afinal, esse é um movimento que precisa ser combatido,
aniquilado – assim como Canudos.
Pior
foi a atitude da revista Veja. Ela já lançou na capa a foto do líder do MST
de pistola na mão, acusando-o de corrupção de menores, tráfico e outros
crimes. Quando processada, a revista não conseguiu provar nada do que tinha
publicado. Foi condenada em primeira instância. Passando essa imagem distorcida
do MST, a revista provou quais suas verdadeiras intenções, dona não de um
jornalismo conservador, mas de um jornalismo calhorda, covarde e vergonhoso. A
Rede Globo não é citada nesse artigo porque merece análise exclusiva da
abordagem que faz do MST (que é muito pior do que a dos jornais impressos e das
revistas).
Esses
exemplos servem para ilustrar como a nossa imprensa, que tanto se gaba da
imparcialidade, transmite a realidade (completamente distorcida). O MST é um
movimento das massas, de forma organizada, e não baderneira como querem que
pensemos. O povo está unido, marchando por um direito fundamental: a terra.
Muitos conhecem o MST apenas através dos meios de comunicação, o que é um erro. Só visitando um assentamento ou conversando com um sem-terra se pode entender a dura realidade em que vivem. É fácil ficar em casa lendo o que sai nos jornais e aceitando como verdade absoluta. É justamente o que querem que façamos. Vamos continuar com essa mesma atitude, de nada fazer, nada questionar? Eu não vou!
(*)
Estudante de jornalismo da PUC-Campinas. Volta para o topo da
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