Nas
últimas semanas, a mídia mundial e tupiniquim tem feito enorme gritaria contra
decisões da Justiça de Cuba. Num primeiro julgamento, ocorrido entre 3 e 7 de
abril, 75 “dissidentes” foram condenados a penas de seis a 28 anos de prisão,
acusados de conspiração. Logo na seqüência, três seqüestradores de uma
embarcação foram penalizados com a execução sumária por “crimes de
terrorismo”. As implacáveis sentenças judiciais, amplificadas de maneira
tendenciosa pela mídia, geraram inúmeras reações contrárias ao governo
presidido por Fidel Castro. “Ditador sanguinário” foi o adjetivo mais usado
pelos noticiários!
O
clima de tensão atingiu altas temperaturas. A ultradireita hidrófoba dos EUA
aproveitou o episódio para exigir uma “rápida intervenção” em Cuba,
animada com a invasão do Iraque. Reforçou assim a promessa de Jeb Bush, irmão
do presidente e governador da Flórida, para quem “está chegando a hora de
Cuba”. O governo Bush ainda tentou aprovar resolução na OEA condenando Cuba,
visando isolá-la no continente. Também incluiu o país na lista dos
“protetores do terrorismo mundial”. Além disso, exilados cubanos e grupos
de direita do mundo inteiro, inclusive do Brasil, realizaram atos em apoio aos
“presos políticos”.
Esta
virulenta ofensiva ideológica inclusive gerou confusão em círculos da
esquerda mundial. Conhecidos “amigos de Cuba”, como o escritor português
José Saramago, precipitaram-se no coro contra o regime da ilha. Argumentaram em
“defesa da democracia e dos direitos humanos”, como se estes conceitos
abstratos pudessem ser validados fora do contexto histórico e da realidade nua
e crua. Numa aparente amnésia, eles parecem ter esquecido que esta pequena nação
do Caribe, a apenas 90 milhas dos EUA, há 44 anos resiste heroicamente ao cruel
bloqueio econômico e as constantes e agressivas provocações do “império do
mal”.
Além
disso, parecem ter esquecido que em nome da “democracia e dos direitos
humanos” são cometidos os crimes mais bárbaros contra a humanidade. Sob este
pretexto, os EUA desencadearam uma agressão unilateral e covarde contra o
Iraque. Sob este manto hipócrita, este país é um dos recordistas mundiais na
aplicação da pena de morte – nos últimos anos foram executadas mais de 700
pessoas, 248 delas no Texas quando era governado pelo atual presidente Bush.
Este nação também é hoje o maior presídio do planeta, com mais de 2 milhões
de detentos; encarcerou de forma arbitrária 2 mil “suspeitos” desde os
atentados de setembro 2001; e mantêm isolados e sob tortura cerca de 600 afegãos
na base militar de Guantanamo.
Mas,
como diz o ditado, “é nas horas difíceis que conhecemos os verdadeiros
amigos”. E, felizmente, a maioria dos setores progressistas do planeta reagiu
de imediato às manipulações ideológicas e em favor da revolução cubana. O
manifesto “À consciência do mundo” conseguiu as adesões de escritores e
artistas de todos os continentes, como de Rigoberta Menchú, Pérez Esquivel e
Garcia Márquez, todos ganhadores do Prêmio Nobel. O próprio José Saramago,
como que arrependido, declarou dias depois que “a minha solidariedade ao povo
cubano se mantém intacta e não penso em entrar no grupo de inimigos de
Cuba”.
CONSPIRAÇÃO
EM WASHINGTON
Mas,
afinal, o que gerou tamanha tensão? Quais os verdadeiros motivos do aparente
“endurecimento” do regime cubano? Por que o governo adotou a pena de morte,
que estava proscrita há três anos, sabendo da sua repercussão negativa em
setores progressistas do mundo inteiro? Por que decidiu ordenar a prisão dos
minguados “dissidentes” que atuavam abertamente na ilha há tempos? As
respostas a estas perguntas, que reforçaram a convicção dos “amigos de
Cuba”, têm sido dadas pelo governo de Cuba. Mas a mídia venal, que faz
alarde das duras decisões judiciais, mantém o seu silêncio criminoso contra a
revolução cubana.
Agora
fica evidente que os EUA, embalados na sua prepotência imperial, orquestraram
um plano golpista para desestabilizar e derrubar o governo cubano e para
restaurar o capitalismo na ilha. A conspiração teve início antes mesmo da
“vitória” imperialista no Iraque. Ela tinha quatro objetivos. Visava criar
um clima de tumulto na sociedade cubana, instigando fluxos migratórios ilegais;
isolar a ilha nas relações externas; estimular ações terroristas; e
organizar uma “oposição democrática” no país. A resultante seria a
explosão de conflitos em Cuba, que justificariam uma intervenção instantânea
dos EUA com o aval da ONU.
Há
fortes indícios de que este plano foi orquestrado nos sinistros laboratórios
da Casa Branca, que hoje reúne os setores mais fascistóides dos EUA. O
carrasco Bush conta na sua assessoria com cerca de 20 exilados cubanos, todos
ligados à famigerada “máfia de Miami”. O mais famoso deles é Otto Reich,
que se projetou na “era Reagan” ao participar de ações terroristas na
Nicarágua e no escândalo Irã-Contras. Anos depois ele voltou às manchetes de
jornais por seu envolvimento com o terrorista Orlando Bosch, mentor do atentado
contra um avião cubano em Barbados, que resultou em 76 mortes. Em fevereiro de
2002, ele teve um novo momento de fama ao articular a tentativa frustrada de
golpe na Venezuela.
Otto
Reich, que despacha diretamente da Casa Branca, já é tratado como “pró-cônsul”
de Cuba, tendo a missão de restaurar o capitalismo na ilha no caso da derrota
da revolução. Desde 1993, dirige o Conselho de Negócios EUA-Cuba, composto
por várias multinacionais – Coca-Cola, Bacardi, Ford, GM, Texaco e o Miami
Herald –, acalentando este sonho. Ele também assessorou os congressistas na
elaboração da Lei Helms-Burton, que reforça o bloqueio a Cuba. Entre outros
itens, a lei só permite o retorno de inversões na ilha quando as empresas
confiscadas forem indenizadas e devolvidas aos antigos donos. Na hipótese de
uma invasão ou mesmo da “transição democrática”, Reich seria o mais provável
interventor em Cuba!
Este
agente provocador e os demais cubanos que integram a assessoria especial de Bush
não escondem os seus vínculos com a “máfia de Miami”, formada por uma
milionária casta de exilados cujo maior objetivo é derrubar Fidel Castro para
promover “lucrativos negócios” na ilha. Alguns destes anticastristas
fizeram parte do núcleo de poder do ditador Fulgêncio Batista, deposto pela
revolução em janeiro de 1959; outros tiveram suas propriedades e negócios
desapropriados pelo estado cubano em função das suas atividades
contra-revolucionárias. Esta “máfia” goza de enorme prestígio na Casa
Branca. Ela teve papel decisivo na vitória fraudulenta de Bush no último
pleito presidencial e no êxito de Jeb Bush no governo da Flórida.
Tamanho
prestígio garante imunidade e apoio às práticas terroristas que este grupo
implementa em Cuba a partir dos EUA. Através de inúmeras associações, como a
Fundação Nacional Cubana-Americana, está máfia dá treinamento militar para
mercenários incumbidos de “missões” na ilha. O escritor guatemalteco Percy
Godoy, que durante anos participou da FNCA, conhece bem a ação deste
“grupelho criminoso”. Ele comprovou com fitas de vídeo, fichas criminais de
67 terroristas e vários documentos o envolvimento desta fundação nos
atentados contra instalações turísticas em Cuba no final dos anos 90. Antes
desta onda criminosa, os mercenários da FNCA já haviam participado dos
atentados a bomba em Havana contra o consulado do México (1981), ao escritório
da Ibéria Airlines (1983) e ao Museu de Arte e Cultura (1988).
Segundo
Percy Godoy, que testemunhou as ações secretas deste grupo no livro
“Confesiones de Fraile”, a FNCA foi criada por Ronald Reagan através do
decreto 501-C. Ela sempre recebeu volumosos subsídios da CIA e muitos dos seus
integrantes fazem parte da folha de pagamento da “agência”. Para ele, a
FNCA tem o “triste mérito de organizar em seu interior os milionários
cubano-americanos, de pactuar com os terroristas e de aportar ao Partido
Republicano uma ampla base eleitoral no Estado da Flórida”. O estatuto da
fundação inclusive explicita estes objetivos: “A FNCA respalda sem ambigüidades
os enfrentamentos e atos de rebeldia interna que contribuam para a expulsão de
Fidel e Raúl Castro do poder”.
Nos
últimos anos, com a chegada de Bush à presidência, a “máfia de Miami”
ficou ainda mais assanhada. Atualmente ela nem sequer esconde suas práticas
criminosas, ilícitas. Na edição de 6 de abril passado, o jornal Sun-Sentinel
noticiou que “ao sul do condado de Miami, um grupo de pessoas com uniformes de
camuflagem usa armas de grande potência e treina para uma possível invasão a
Cuba”. Esta organização paramilitar, denominada Comandos F-4, é liderada
por Rodolfo Frómela e “não é incomodada pelo FBI”. Já o Wall
Street Journal informou que Frómela e o capitão golpista venezuelano Luis
Garcia criaram, em abril, “uma aliança cívico-militar com o objetivo de
derrubar os presidentes Fidel Castro e Hugo Chávez”.
OPERAÇÃO
TERRORISTA
Como
explica Ricardo Alarcón, presidente da Assembléia Nacional do Poder Popular,
“a agressão contra Cuba começou em 1959 e não acabou com o fim da ‘guerra
fria’. Não só existe, mas se incrementa dia-a-dia. Ela tem uma dimensão
clandestina, dirigida pela CIA, e uma outra dimensão pública, descaradamente
aberta”. Já foram mais de 600 ações de sabotagem e terrorismo e US$ 70 bilhões
de prejuízos devido ao bloqueio econômico. Mas esta escalada piorou com o
governo Bush. “Com a instalação em Washington de uma administração ligada
estreitamente à máfia anexionista de Miami, que lhe permitiu se apoderar da
Casa Branca mediante escandalosa fraude eleitoral, a agressão ganhou caráter
mais desavergonhado”.
Alarcón
relata que “em 20 de maio do ano passado, George W. Bush se reuniu em Miami
com alguns dos terroristas mais destacados e proclamou sua decisão de acirrar o
bloqueio econômico e de incrementar os seus projetos subversivos na ilha. O
novo diretor da Usaid para América Latina, personagem desta máfia, já
reiterou em vários discursos que o objetivo final é fazer retornar Cuba ao
passado e devolver as terras, casas e demais propriedades a seus antigos donos,
à espera na Flórida”. É neste clima beligerante que se montou o atual plano
de desestabilização de Cuba, que combina o estímulo às migrações ilegais,
atos de terrorismo, apoio ostensivo aos “grupos dissidentes” e ofensiva
ideológica para isolar a ilha.
O
primeiro ato foi o rompimento unilateral de um acordo de migração que vigorava
desde 1994, assinado pelos presidentes Bill Clinton e Fidel Castro. Ele permitia
a transferência anual de 20 mil cubanos para os EUA. Atualmente, apesar de toda
manipulação da mídia, Cuba é o sexto país do continente em migrações para
este território; muitos latino-americanos se deslocam para lá por razões
familiares e, principalmente, por motivos econômicos – em busca do ilusório
“paraíso do consumo”. O acordo firmado restabeleceu as relações normais
de migração, pondo fim à crise gerada pelas perigosas cenas de
“balseiros” nos anos 90.
O
comunicado conjunto de 9 de setembro de 1994 fixou que “ambos países se
comprometem a cooperar para tomar ações oportunas e efetivas para impedir o
transporte ilícito de pessoas com destino aos EUA”. Também definiu que “os
governos tomarão medidas efetivas para se opor e impedir o uso de violência
por parte de todas as pessoas que intentem chegar aos EUA desde Cuba mediante o
desvio forçado de aeronaves e embarcações”. Estas normas regularizaram a
emigração, que aumentou de ano a ano. Em 2001, por exemplo, cerca de 27 mil
cubanos se mudaram para o poderoso país vizinho.
A
partir do ano passado, entretanto, o governo Bush rompeu arbitrariamente com
este acordo. De outubro a abril deste ano foram concedidos apenas 505 vistos –
2,5% do montante de autorizações para as viagens previstas no acordo. O
governo cubano encarou esta atitude como uma nítida ação provocadora. Como
explica o ministro de Relações Exteriores de Cuba, Felipe Pérez Roque, ela
comprova “a execução de um plano premeditado para estimular a emigração
ilegal, para não deixar outra opção aos que queiram deixar Cuba – e que nós
queremos que seja de maneira legal e ordenada – que o seqüestro de barcos e
aviões”.
Em
24 de março passado, a Oficina de Controle Estrangeiro dos EUA emitiu nova
regulamentação que confirma a provocação. Ela praticamente elimina a permissão
para viagens cientificas e acadêmicas de norte-americanos a Cuba; proíbe
intercâmbios educacionais que estavam em curso; veda a participação de
estudantes e intelectuais estadunidenses convidados para participar de seminários
e outras atividades em Cuba; e anula os acordos de cooperação na área de
esportes. O cerco se fechou ainda mais!
Simultaneamente
e de forma orquestrada, aumentaram as ações terroristas em Cuba. Só nos últimos
sete meses ocorreram cinco seqüestros de embarcações e dois seqüestros de
aviões na ilha. O último deles, em 2 de abril, foi o mais dramático. Seqüestradores
armados com granadas e pistolas tomaram a lancha Baraguá, no interior da baia
de Havana, ameaçando matar todos os passageiros, entre eles várias mulheres e
crianças. A ausência de combustível não permitiu a viagem em alto-mar para
os EUA; o barco foi resgatado; e os três mercenários foram condenados
sumariamente pelo Tribunal de Justiça à pena morte.
Segundo
Ricardo Alarcón, a decisão da justiça foi necessária. O serviço de
espionagem tinha informações seguras de que outros 29 terroristas planejavam
realizar novos seqüestros na ilha. “Qual foi o resultado? Não houve mais seqüestros
desde esse dia”, afirma. É visível que estas ações são estimuladas
diretamente pelos EUA. A draconiana Lei de Ajuste Cubano garante privilégios
aos envolvidos em migrações ilegais. Os seqüestradores têm status de
“perseguidos políticos”, recebem permissão de residência permanente nos
EUA e ganham tratamento vip
do governo Bush. Segundo a própria imprensa ianque, os autores das ações
terroristas são recebidos como heróis na Flórida; circulam em liberdade pelas
ruas. Além de reter os dois aviões seqüestrados neste ano, o governo Bush
sequer abriu processo penal contra os sequestradores.
Esta
postura provocadora, arrogante e imperial gera forte repulsa nos cubanos. Fidel
Castro expressa bem esta indignação. “Como é possível que um país como os
EUA, que tem declarado guerra ao terrorismo, estimule e receba terroristas. Como
é possível que eles esqueçam que homens com facas no pescoço dos pilotos
foram os que fizeram colidir os aviões de passageiros contra o Pentágono e as
Torres Gêmeas”. Não é para menos que a população apóia as duras medidas
contra os “mercenários dos EUA”, como ficou demonstrado na manifestação
do 1o de Maio, que reuniu mais de 1 milhão de pessoas em Havana.
Na próxima edição, o apoio dos EUA aos “dissidentes” e o julgamento que desmascarou a farsa.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e organizador do livro “Para entender e combater a Alca”. Correio eletrônico: aaborges1@uol.com.br. Topo da página