“A mídia demoniza alguns setores para que outros apareçam como positivos”
Entrevista com Gilberto Maringoni a Nestor Cozetti, no Boletim 79 (nov/2005)


Maringoni cartunista, jornalista, arquiteto e doutorando em História. Nasceu em 1958 em São Paulo, capital. No início de novembro esteve no Rio de Janeiro onde participou de curso ministrado pelo NPC a convite do Sindicato dos Funcionários do Banco Central. Na ocasião, concedeu a Nestor Cozetti com exclusividade esta entrevista para o Boletim do NPC.

Boletim do NPC. A mídia constrói percepções da realidade manipulando as consciências?

Gilberto Maringoni. A mídia faz parte do aparato de dominação de classe, ideológico, em qualquer país. Assim como existem vários instrumentos de dominação: o Estado, o sistema financeiro, as Forças Armadas, a mídia faz parte, é um deles. E talvez seja ela hoje não sei se o mais importante, mas um dos mais importantes. Para exercer esta dominação de classe ela precisa mentir, manipular, direcionar o pensamento e a opinião da grande maioria das pessoas. Como é que você conseguiria conviver com uma situação em que é natural que o orçamento do país seja ano a ano cortado, seja diminuído para pagar taxa de juros para banqueiros? Como é que você constrói uma realidade, uma opinião pública que se mostre favorável a isto? Você começa a dizer que se não houver superávit primário, ou seja, superávit já é um nome pomposo, de coisa positiva. E depois começa a repetir que isto é um instrumento fundamental, que é a estabilidade de um país. E aí se constrói uma justificativa permanente para a injustiça, para a violência, para esta situação que a gente vive. E no Brasil hoje a manipulação enfoca principalmente alguns setores da sociedade. Tem-se que demonizar alguns setores para que outros apareçam como positivos. Demonizar especialmente aqueles setores que querem a transformação social no Brasil. Tem-se que demonizar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, como quadrilha de bandidos que atentam contra a propriedade privada. Demonizar a Venezuela, que é onde este tipo de modelo está sendo colocado em xeque. E Cuba também, porque é o exemplo de se alçar contra os principais agentes de dominação, e tem que ser posta de lado.  Então, demoniza-se alguns, exalta-se outros e se constrói uma realidade virtual que é a que a gente vive hoje.

Boletim do NPC. Você participou da organização de um material sobre a revista Veja. Ela é um caso a parte na imprensa brasileira?

Maringoni. Sim, participei e escrevi a respeito. A Veja é o caso mais extremado desta manipulação. Hoje ela não é uma revista, não é imprensa, é um panfleto da extrema-direita brasileira. É a revista de maior circulação no Brasil. E expressa o ponto de vista mais reacionário, seja por seus repórteres formados lá dentro, ou por seus colunistas que são geralmente escritores fracassados, ou gente do mercado financeiro, que dão sempre a opinião mais a direita possível no país. A Veja é um caso extremo. Um panfleto fascista da extrema-direita brasileira. Suas capas são sempre uma ficção montada, como foi esta questão dos dólares de Cuba. O caso não tem a menor consistência jornalística, a única testemunha possível é um morto. 

Boletim do NPC. Ela é um caso isolado?

Maringoni. Não, é apenas um caso mais extremado. Se você pega a Folha de São Paulo, a Rede Globo, o Estado de São Paulo, o Zero Hora, a diferença é de tom. De ênfase. Eles trabalham quase que como um partido único. São sete ou oito grupos que controlam a opinião de brasileiros.

Boletim do NPC.  Você vê semelhanças com outros órgãos da imprensa na história do Brasil?

Maringoni. Claro, se você pega um jornal brasileiro no ano da crise no governo do Getúlio em 1954, a Tribuna da Imprensa, os Diários Associados. Ou na época do Golpe Militar pega o Estado de São Paulo, o Globo, tem um fio de continuidade e a revista Veja é herdeira desses grupos. 
 


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