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cumplicidade da mídia atrasou um ano a verdade
Por Argemiro Ferreira. Fonte: Tribuna da Imprensa, 4/11/2005
Como escrevi antes, são os crimes que levaram um presidente (Richard Nixon) à renúncia, para evitar o processo de impeachment, e outro (Bill Clinton) a um impeachment, que culminou em absolvição no julgamento pelo Senado dos EUA. E por que Libby, um advogado, disse as mentiras que disse, ao FBI e ao tribunal? Por que graças a elas seus chefes Bush e Cheney puderam se safar. Num artigo divulgado ontem, o advogado e assistente legislativo Dennis Kelleher explicou que a chave para se entender esse caso está numa frase dita pelo promotor especial Patrick Fitzgerald na entrevista dada depois do indiciamento. Não fosse pelas mentiras de Libby, explicou ele, o indiciamento teria ocorrido em outubro de 2004, a semanas da eleição. Ou seja, Bush e Cheney não estariam hoje no cargo. Mentindo para salvar o chefe Para que a mídia entendesse, o promotor comparou o caso a um relato de crime comum. Quatro pessoas conversam num beco escuro e três concordam em praticar um crime. O terceiro discorda e permanece no local. Depois os três voltam, correndo, e entram num beco. A polícia chega e pergunta ao quarto se viu três homens correndo. Ele responde. "Vi. Fugiram por ali". E indica a direção oposta, o que permite a fuga. Foi o que Libby fez. Mas Kelleher destaca um detalhe crítico, o papel da mídia - e dos notórios jornalistas Judith Miller, Marc Cooper e Bob Novak - na defesa irracional das fontes anônimas como se fosse uma causa da liberdade de imprensa. A trama de Libby só funcionou graças à cumplicidade dos jornalistas e da mídia, conforme o promotor Fitzgerald deixou claro em sua recente entrevista coletiva. Se os repórteres tivessem testemunhado em agosto de 2004, quando receberam as intimações do promotor, "esta entrevista que estou dando agora (em outubro de 2005) teria ocorrido há um ano, em outubro de 2004", explicou Fitzgerald. O que significaria, acrescento eu, derrota certa para a chapa Bush-Cheney, tal o impacto no eleitorado americano do indiciamento de Libby e outros. Isso explica porque alguém como o advogado Libby, com todo o seu inegável conhecimento jurídico, tenha decidido, conscientemente, fazer algo que sabia ser ilegal. O que ele disse ao FBI e ao tribunal foi que soube da identidade da agente Valerie Plame Wilson, do FBI, através de repórteres. Mas a informação chegou a ele pelo vice-presidente Cheney e outras altas autoridades do governo Bush. A mídia contra a verdade? Só a duras penas os jornalistas intimados concordariam em dizer a verdade - entre eles, a falsa heroína Judith Miller, do "New York Times", que chegou ao requinte de cumprir quase três meses de prisão, à espera de "autorização" do próprio Libby. Os outros foram Marc Cooper, da revista "Time", Bob Novak, colunista sindicalizado e comentarista da CNN, e até Tim Russert (da NBC), citado nominalmente por Libby. Ao inventar sua versão, a intenção de Libby foi proteger o vice-presidente Cheney, que falara a ele sobre a agente Valerie Plame. Então a pergunta para a imprensa em geral, hoje, tinha de ser: deve um jornalista ser cúmplice de um crime, negando-se a testemunhar? Pior ainda: deve ser cúmplice de um crime de altas autoridades do governo, que "plantam" informações em operações de vingança da cúpula do poder? É fácil imaginar o que teria acontecido em outubro de 2004, a um par de semanas da eleição, se os intimados não tivessem recorrido à bobagem da proteção de fontes. Tais fontes não eram "whistle blowers" e sim a própria cúpula do poder a manipular a mídia. Às vésperas da eleição americana, a questão do Iraque era tema-chave, juntamente com as inexistentes armas proibidas de Saddam - motivo da vingança contra Valerie Plame. Criminoso, omisso, incompetente O promotor
Fitzgerald, assim, levou mais um ano para chegar à verdade. Por
ironia, a própria mídia - que sabe ser sua missão
fundamental dizer a verdade ao público, sempre que possível
fazendo reportagens de investigação para revelar o que os
poderosos tentam esconder - foi o instrumento usado para retardar a verdade,
que naquele momento poderia até ter
Fitzgerald teve de ir à Justiça e lutar um ano, até na Suprema Corte. No fim, venceu - forçou a mídia a reconhecer a verdade em vez de escondê-la para proteger fontes. A verdade teria efeito explosivo em outubro de 2004. Cairia por terra a negativa categórica da Casa Branca de que Libby e Karl Rove "não estavam envolvidos" no vazamento. Às vésperas da votação, a pergunta seria: "O que o presidente sabia e desde quando o sabia?" Haveria
outras. Se Bush o sabia, era por estar no coração da trama
para violar a lei, expondo a identidade da agente. E se não sabia
que seu próprio vice-presidente e outros altos assessores da Casa
Branca estavam atolados até o pescoço na operação,
apenas confirmava os piores temores de muita gente - de que era um governante
despreparado e perigosamente omisso nas questões mais sensíveis
do governo.
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