TV
digital: um debate que precisa de audiência
Por
CRIS Brasil, FNDC, Congresso Brasileiro de Cinema, Campanha quem financia
Baixaria é Contra a Cidadania e Associação Brasileira
de Canais Comunitários - 23 de setembro de 2005.
A TV está
passando por uma grande transformação. Há grandes
investimentos em pesquisas para promover a migração do padrão
analógico para o digital. Isso implicará mudanças
profundas neste que já se consolidou como o meio de comunicação
mais influente das nossas sociedades.
Nas poucas
reportagens em que aborda o tema, a mídia brasileira trata desta
mudança de maneira limitada, como se ela representasse apenas uma
melhoria da qualidade da imagem (a chamada alta definição).
A mesma imprensa também procura reduzir o tema a uma escolha entre
três padrões já existentes: o norte-americano (ATSC),
o europeu (DVB) e o japonês (ISDB) – o que, na realidade, oculta
o debate político em torno desta mudança.
A chegada
da TV digital é muito mais do que a escolha de um dos padrões
já implementados no mundo: é um debate que precisa ser acompanhado
de perto pela sociedade civil, pois as decisões tomadas num futuro
próximo produzirão forte impacto no modo como assistimos
televisão, podem alterar o cenário de concentração
dos meios, contribuir para as políticas de inclusão digital
e permitir uma apropriação do público sobre o privado.
Portanto,
o debate sobre a TV digital deve se tornar público imediatamente,
sob o risco de todos nós, cidadãos e cidadãs do Brasil,
desperdiçarmos uma rara oportunidade de caminharmos rumo à
democratização das comunicações e, conseqüentemente,
do país.
A falsa polêmica
entre importar um padrão e desenvolver um sistema nacional
O debate
sobre o desenvolvimento da TV digital no Brasil tem sido reduzido a duas
possibilidades extremas: ou se importa o sistema completo (padrão
japonês, europeu ou norte-americano), ou se produz tudo localmente.
Na verdade, as pesquisas em andamento no país revelam que o sistema
brasileiro ideal deveria reunir elementos já “consagrados” em outros
países e outros que precisam ser desenvolvidos nacionalmente.
Não
há interesse em inventar a roda. Se todos os sistemas usam, por
exemplo, um padrão de multiplexação de vídeo
(processo de junção de diferentes sinais de vídeo
em um só feixe de transporte), não há necessidade
de criar algo específico para o país. Por outro lado, mesmo
que escolhamos um sistema já existente, será necessário
fazer adaptações para a realidade brasileira (por exemplo,
quanto à recepção do sinal, dada a nossa topografia
específica).
Considerando
que um sistema seria uma “colagem” de diversas tecnologias usadas para
diferentes finalidades – antenas inteligentes, som, modulação
e codificação do sinal, set top box (aquela caixinha acoplada
que já usamos para a TV paga), softwares, entre outras coisas –
podemos concluir que a questão central neste debate não está
entre importar um padrão ou desenvolver um padrão exclusivo
brasileiro, mas em encontrar o melhor sistema para o país.
As perguntas
que devemos fazer são: quais são as vantagens de produzir
nacionalmente elementos do sistema de TV digital a ser adotado no Brasil?
Por que os empresários do setor defendem a simples adoção
de um “padrão” já existente? Por que o governo hesita diante
deste debate? Por que a sociedade não está sendo envolvida
neste processo?
Em primeiro
lugar, a produção local tem o objetivo de fortalecer a pesquisa
brasileira (estimulando nossas universidades e centros de pesquisa e gerando
empregos qualificados), diminuir nossa dependência externa de produtos
de alta tecnologia e criar uma indústria nacional, iniciativas fundamentais
para que o país não perpetue sua dependência tecnológica
e industrial em relação aos países desenvolvidos.
Em segundo
lugar, somente um modelo desenvolvido a partir das realidades do país
pode responder ao desafio de ser um instrumento que impulsione nosso desenvolvimento
social, cultural, político e econômico. Basta dizer, neste
caso, que uma TV digital brasileira pode ser um importante instrumento
de inclusão digital, o que não é uma necessidade para
um país como os Estados Unidos, cujo padrão prioriza a alta
definição ao invés da interatividade. No Brasil, menos
de 20% da população usa computador e Internet em casa, mas
mais de 90% têm TV. E a TV digital permite que a TV seja interativa.
Sendo assim, por que não usar esta TV interativa para fazer inclusão
digital? Tal exemplo é um dos que evidenciam a necessidade de desenvolvermos
uma tecnologia nacional.
Interatividade a
serviço da sociedade
As “maravilhas”
da TV digital apresentadas pela imprensa são novidades vinculadas
à criação de serviços comerciais, como venda
interativa, jogos, consultas personalizadas (previsão do tempo,
resultado de jogos), pay-per-view, etc. Ou seja, novidades que certamente
incrementariam os lucros dos detentores das emissoras de televisão.
A TV
digital, entretanto, pode cumprir um importante papel na afirmação
da cidadania. Com o uso da interatividade, por exemplo, a TV pode disponibilizar
nas casas dos brasileiros serviços interativos de educação
(que respondem às demandas específicas de cada usuário),
de governo eletrônico (declaração de imposto de renda,
pagamento de taxas, extrato de fundo de garantia, boletim escolar dos filhos,
etc.), uso de correio eletrônico (cada brasileiro com uma conta de
e-mail) e, no limite, acesso à toda a Internet.
Outro
grande impacto da TV digital que deve ser urgentemente discutido pela sociedade
é a possibilidade de inserção de mais canais de TV,
a chamada multi-programação. No mesmo espaço onde
hoje se transmite um único canal, a TV digital permite a recepção
de quatro novas programações (desde que não seja adotada
a alta definição). Se levarmos em conta que a TV digital
irá ocupar (ao final do período de transição)
o espaço que vai do canal 7 do VHF ao 69 do UHF, veremos que se
torna perfeitamente possível a ampliação dos emissores
de programação e, assim, a ampliação significativa
dos produtores de conteúdo televisivo. Assim, além dos operadores
privados e estatais, também sindicatos, associações,
ONGs, movimentos sociais e emissoras geridas coletivamente poderiam ter
seus canais.
Mas o
interesse do empresariado de comunicação evidentemente não
é discutir a possibilidade de outros sujeitos ocuparem novos canais
em um espaço que historicamente foi monopolizado por ele. As associações
que o representa possuem um forte lobby junto aos poderes da União
(Executivo, Legislativo e Judiciário), que dificulta quaisquer mudanças
que apontem para uma maior democratização da radiodifusão.
Em relação
à TV digital, os empresários têm demonstrado grande
resistência em aceitar o desenvolvimento de tecnologia nacional.
Primeiro,
porque, ao invés de uma política industrial brasileira, eles
preferem fazer acordos comerciais com as multinacionais que representam
os sistemas já existentes (Sony, Phillips, Nokia, Siemens, Motorola,
etc).
Segundo,
porque preferem usar o potencial da TV digital para a criação
de serviços comerciais e não para governo eletrônico
ou educação à distância, por exemplo.
Terceiro,
porque temem que serviços interativos possam atrair para a TV digital
as empresas de telecomunicações, que, em geral, são
estrangeiras e possuem muito mais recursos financeiros do que as emissoras
de televisão do Brasil.
Por fim,
as emissoras querem reproduzir com a TV digital o atual cenário
de concentração e negar a possibilidade de participação
de novos atores neste espaço. A defesa da alta definição,
propagandeada para os modelos norte-americano e japonês, mais do
que uma estratégia comercial para atrair o consumidor pela melhoria
da qualidade da imagem, significa impedir o surgimento de novas programações
e, portanto, de novos “concorrentes”, sejam eles públicos ou privados.
Governo Lula: postura
dúbia que favorece o retrocesso
O governo
FHC previa a escolha entre os três sistemas existentes. No governo
Lula, o debate avançou para a possibilidade de se criar um Sistema
Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Ainda em 2003, foi criado um fórum
governamental (Grupo Gestor) para definir as políticas da TV digital,
assessorado por um Conselho Consultivo com representantes da sociedade
civil. Em paralelo, o governo divulgou 22 editais de pesquisa para que
consórcios formados por universidades, centros de pesquisa e empresas
pudessem desenvolver as peças que, juntas, formariam o SBTVD.
Apesar
destes avanços que apontavam para o desenvolvimento de tecnologia
nacional para um SBTVD, o atual ministro das Comunicações,
Helio Costa (PMDB-MG), ignorou todo este acúmulo e anunciou que
o desenvolvimento de uma pesquisa nacional era secundário diante
da necessidade de se começar logo as transmissões digitais,
praticamente descartando quaisquer mudanças no cenário atual.
Ainda que não seja o único interessado no tema da TV digital
no interior do governo Lula, a opinião do ministro deverá
ser considerada nas decisões políticas a serem tomadas em
breve pelo governo.
É
importante lembrar que, ao todo, foram previstos R$ 80 milhões para
o desenvolvimento do SBTVD. Destes, somente R$ 38 milhões foram
liberados. Mesmo com poucos recursos, os pesquisadores já demonstraram
que a inteligência nacional é perfeitamente capaz de construir
um sistema bastante complexo do ponto de vista técnico. Por isso,
não é possível tolerar argumentos vindos do próprio
governo que defendem que o país não possui condições
de desenvolver o SBTVD.
Sociedade civil
pela democracia nas comunicações
Diante
da postura do titular da pasta das Comunicações, que coloca
em xeque o desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital, é
preciso reafirmar com convicção que somente um sistema desenvolvido
nacionalmente será capaz de dar respostas satisfatórias às
necessidades do país. Mais do que desenvolver um sistema, porém,
é fundamental que as decisões sobre a TV digital – que são
políticas, não técnicas – sejam fruto de um amplo
debate público, não exclusivo do Executivo federal e dos
empresários do setor.
Para
que o interesse público prevaleça, a sociedade civil deve,
com urgência, se tornar protagonista dos debates que envolvem a TV
digital, tanto pela valorização do Comitê Consultivo
como pela introdução de mecanismos que possibilitem a participação
da sociedade civil nas principais decisões relativas à digitalização
da televisão brasileira.
Ao mesmo
tempo, é preciso garantir transparência nos processos decisórios
do governo federal para que os lobbies empresariais não sejam os
únicos a exercerem influência sobre aqueles que têm
o poder de decidir sobre os rumos do SBTVD. Sem transparência, não
há como fazer prevalecer o interesse público.
Por isso
– e por acreditar que a TV digital é uma grande chance para que
o país caminhe rumo à democratização das comunicações,
além de uma oportunidade de elevar para um patamar político
o debate sobre o direito à comunicação no Brasil –
convocamos todos a se engajarem na luta para que o país faça
uma opção por um sistema de televisão digital nacional,
que atenda aos reais interesses da Nação.
______________
Saiba mais: www.crisbrasil.org.br
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
—
Voltar
|