"Guerra nas Estrelas" despreza a política... e o povo

"A vingança dos Sith" é o último filme da fantasia espacial criada por George Lucas. Neste episódio fica mais claro o desprezo de Lucas pela política. Combinado com a ausência do povo, pode ser uma posição perigosa porque leva facilmente ao conservadorismo. Por Sérgio Domingues, junho de 2005
 

"Guerra nas Estrelas" chega ao final 28 anos depois de seu primeiro episódio. Foram 6 filmes cheios de efeitos especiais muito bem feitos. Este último filme é na verdade o 3º episódio da série. O 4º episódio é mostrado no primeiro filme, lançado em 1977 e chamado "Uma nova esperança". Ou seja a saga começou pelo meio da história. E recomeçou em 1999, pelo 1º episódio, "A Ameaça-Fantasma" até chegar a este, que completa a história.

"A vingança dos Sith" mostra aquele que seria o momento mais importante da saga. De um lado, a República Galáctica transforma-se em um Império. De outro surge o terrível Darth Vader. Mas o que mais chama a atenção neste último episódio é o modo como a política é tratada. Para se tornar um ditador o então primeiro-ministro fica alongando seu mandato à frente do Senado. Pede poderes especiais porque há planetas em guerras separatistas com a República. Enquanto isso, os cavaleiros Jedi são mostrados como os guardiões da República. Desconfiam dos planos do chanceler Palpatine (Ian McDiarmid ) para se tornar um ditador.

Existe um parlamento é claro. Mas em sua forma mais conservadora. Tal como na Roma Antiga, os senadores são pessoas de posses e bem sucedidos comerciantes. Hoje em dia, não é muito diferente. Em geral, os senados são casas legislativas consideradas superiores às Câmaras de Deputados. Têm mandato maiores, quando não são vitalícios.

A ameaça sobre esse parlamento elitista vem de um chanceler com sonhos de poder total. Aqueles que resistem aos planos do ditador são os Jedi. Cavaleiros que usam a violência a partir de um código de honra. Espécie de samurais esclarecidos. Uma elite de guerreiros puros de coração. Sua maior aliada é a princesa Amídala (Natalie Portman). Ou seja, o jogo da política é todo jogado por gente da elite.

Mas não é só isso. A política é mostrada como muita conversa e pouca ação. Coisa para demagogos e corruptos. Isso não chega a ser afirmado, mas há uma cena em que Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) e Anakin (Hayden Christensen) voltam vitoriosos de uma batalha. Os políticos do senado querem cumprimentar os dois. Kenobi recusa-se a acompanhar os senadores. Delega a missão para Anakin, como se isso fosse um castigo.

Ditadura como simplicidade, agilidade, ação

Claro que a política tal como a conhecemos estraga o apetite de qualquer pessoa com alguma dignidade. No entanto, há várias maneiras de fazer a crítica da política. Algumas delas levam para o conservadorismo. Outras, apontam soluções democráticas. Em primeiro lugar, é preciso diferenciar a política institucional da luta política travada nas lutas sociais. Na primeira, infelizmente o que prevalece são as jogadas, a demagogia ou a corrupção pura e simples. A crítica conservadora fala que a política é tudo isso, mas prega soluções ainda piores. No filme de Lucas, Anakin chega a justificar as pretensões ditatoriais de Palpatine. Diz que dar-lhe mais poderes deixaria as coisas menos burocráticas. Ou seja, ditadura é sinônimo de simplicidade, agilidade, ação. Na verdade, é o mesmo que autoritarismo, repressão, censura, tortura e morte dos que discordam do poder.

A alternativa não é negar da política ou fugir dela. Ao contrário, quanto maior a participação política da população, menos espaço para os corruptos e aproveitadores. O problema é que o máximo de participação popular que a burguesia tolera é o voto direto a cada 4 anos. Mais do que isso, seria baderna, subversão, desordem etc. 

O que os socialistas vêm defendendo há séculos é outra coisa. É o que aconteceu durante a Comuna de Paris, em 1871. Durante 2 meses, um só parlamento existia. E era parlamento e governo, ao mesmo tempo. E todos os adultos votavam, independente de sexo e classe social. Os eleitos podiam ser substituídos a qualquer momento, se deixassem de fazer aquilo para o que foram eleitos. Além disso, os salários dos parlamentares não podiam ser maiores do que o de operários qualificados. 

A isso chama-se democracia direta. Ela não é o contrário da democracia representativa. É seu complemento e radicalização. Claro que uma democracia assim pisou nos calos dos poderosos da época. Havia uma guerra entre franceses e alemães. Mas os governos da Alemanha e da França não tiveram dúvidas. Ao ver a Comuna aparecendo, fizeram as pazes e se uniram para esmagá-la. Mais de 35 mil mulheres e homens foram mortos. O recado era claro. Política é só para alguns. Onde já se viu gente comum governando a si própria? Desde então, foram poucas as experiências parecidas com a da Comuna. 

O início da Revolução Russa é um exemplo. Os famosos sovietes não eram mais do que conselhos populares, com grande participação popular. E, tal como a Comuna, eles também foram esmagados. Os exércitos da França, Inglaterra, Estados Unidos e Japão invadiram a Rússia e cercaram a Revolução. O esmagamento dessa experiência deixou campo livre para que o stalinismo transformasse a Rússia comunista em um Estado autoritário e explorador de operários e camponeses.

Opções políticas viram opções pelo Mal

A imagem que "Guerra nas Estrelas" passa da política é o contrário da dessas experiências. O auditório do senado, por exemplo, é formado por um amontoado de sacadas luminosas que parecem vazias e decorativas. O chanceler fala de um lugar elevado, todo poderoso. Ninguém abre a boca para enfrentá-lo. Tudo isso sugere que o que vai valer mesmo, na hora H serão os canhões, as espadas de luz, as enormes naves encouraçadas ou os velozes caças espaciais. Todos pilotados, é claro, pela elite social das galáxias. 

O povo? Não aparece nem para morrer nas batalhas. Os soldados são robotizados. Seus rostos não servem nem para fazer as costumeiras caretas antes de morrerem entre os mocinhos e bandidos em luta. E falando em caretas, o chanceler transforma-se em ditador ao mesmo tempo em que seu rosto se desfigura numa luta com um dos cavaleiros Jedi (Samuel L. Jackson). Anakin se bandeia para o lado do mal, mas o rosto do jovem ator Hayden Christensen não vai sobreviver muito tempo à escolha de seu personagem. Numa luta com seu mestre Kenobi, Anakin leva a pior e fica todo mutilado. Ganha um corpo biônico e esconde seu rosto desfigurado atrás de um elmo. É a famosa armadura negra em que aparece como Darth Vader. 

Ou seja, as opções políticas são transformadas em simples opções pelo mal. É como se ditadores fossem encarnações do demônio e não representantes ultraconservadores das classes dominantes. Afinal, Hitler podia ser meio louco, mas usou seu poder para favorecer os capitalistas alemães. A fábrica de armamentos Krupp, a Telefunken e a Siemens são algumas que fizeram excelentes negócios graças ao ditador. Mas não só. O livro "IBM e o holocausto", de Edwin Black, mostra como a IBM ajudou a aperfeiçoar os famosos ataques-relâmpago (os "blitzkrieg") alemães. Diz também que a empresa de informática norte-americana criou máquinas de calcular para ajudar na classificação de judeus para deportação. A General Motors fez ótimos negócios também, junto com a Ford que forneceu muito equipamento bélico ao exército alemão. Nada mal para o capitalismo. Hitler passou e muitas dessas empresas estão por aí.

O primeiro filme da série inspirou o projeto "Guerra nas Estrelas" de Ronald Reagan. O objetivo era espalhar canhões de mísseis pela órbita terrestre. A idéia ficou em suspenso durante os governos Clinton. "A vingança dos Sith" foi lançado em meio a notícias de que Bush Jr. prepara a volta do projeto de Reagan. Darth Vader aparece em nova encarnação. Mas, não adianta esperar que os "cavaleiros Jedi" da classe dominante venham a enfrentá-lo. Somente as forças populares anticapitalistas podem dar conta dessa tarefa.
 

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Sério Domingues integra a equipe do NPC e escreve para as páginas Mídia Vigiada e Revolutas


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