reportagem
BRILHO NA PRAÇA, ÓLEO NA ROÇA Cinco anos depois do acidente ambiental no povoado São Raimundo do Gapara, os agricultores ainda estão impossibilitados de cultivar. O dano foi provocado pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), que indenizou a coletividade com a reforma da praça Gonçalves Dias, onde gastou “mais de R$ 1 milhão”.
O Ibama multou a Vale em R$ 3 milhões, mas a penalidade foi reduzida para R$ 100 mil e está suspensa devido a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado com o Ministério Público, através da Promotoria de Meio Ambiente. Segundo o promotor Fernando Barreto, a Vale teria por obrigação realizar uma obra que se aproximasse dos interesses difusos, ou seja, aqueles que afetam a sociedade como um todo. Através de um aditivo ao TAC, foi designada a reforma da praça Gonçalves Dias como compensação pelo dano ambiental, além da indenização dos agricultores enquanto a área estiver contaminada. Na inauguração da obra, o fato passou a ser exaustivamente difundido pela mídia como resultado de uma parceria entre a Vale e a Prefeitura de São Luís. À época, somente o Colunão, semanário editado pelo jornalista Walter Rodrigues, encartado aos domingos no Jornal Pequeno, alertou que o brilho na praça era oriundo do acidente que derramou óleo na roça dos agricultores de São Raimundo do Gapara e não uma parceria entre a empresa e a administração municipal. A superintendente do Ibama no Maranhão, Marluze Pastor, afirma que há um dano ambiental e social efetivamente comprovado. “O Ibama autuou a Vale e está na legislação o direito de defesa, inclusive formas de reduzir a multa ou compensar. Nesse sentido houve um acordo em que a Vale iria fazer a compensação para a comunidade, no imediato e no longo prazo”, esclarece Pastor. Desde maio de 2000 os agricultores estão impossibilitados de cultivar a área atingida pelo óleo, onde ainda há resquícios de material tóxico. O impacto só não foi maior devido à intervenção da bióloga Flávia Mochel. Alguns dias após o acidente, com suporte da Vale e auxílio dos moradores, Mochel conseguiu localizar a extensão da mancha, utilizando barreiras de contenção para evitar que o óleo atingisse o rio Maracanã e a Barragem do Bacanga, através do igarapé Bacanguinha, que corta a área da Vale e o Gapara. “Chovia muito e a situação era dramática. Os peões entravam na lagoa para embeber os macacões e tirar o óleo. O odor era fortíssimo e dava dor de cabeça. Tivemos que passar pasta de silicone no corpo”, relata. Monitoramento e reincidência O Ministério Público também exigiu da Vale que fizesse o monitoramento do local. Professora da UFMA com doutorado em Geociências, Flavia Mochel foi contratada pela mineradora para efetuar o trabalho. Uma equipe multidisciplinar - reunindo pesquisadores de manguezal, geoquímica, fitoplancton e agronomia, com o apoio de bolsistas – investigou a dimensão do desastre e registrou os levantamentos em relatórios sobre os danos agudos e crônicos no ambiente, concluindo que o local está impedido de ser cultivado até hoje e que há a necessidade de prorrogar o trabalho. “A área continua contaminada, não está liberada até baixarem os níveis de contaminação e o monitoramento deve acompanhar”, recomenda Mochel. Novo vazamento em 2004: a Vale nega.. Mesmo com todas as precauções, os moradores não deixam de temer. “A Vale, como é uma firma rica e pode, era para ela fazer um reservatório bom. Se fizer pode tirar o óleo da nossa área. Nós fica no escoador dela”, alerta Raimundo Madeira, 71 anos, pequeno produtor rural e criador de peixes em açude. Madeira não conhece a Gonçalves Dias, só ouviu falar pela televisão que tinham “construído” a praça. Em 2004 o óleo escoou pelos bueiros que passam por baixo da muralha de cerca de 3 metros de altura, reforçada com touceiras de arame farpado no cume, que circunda toda a área da Vale desde o Porto do Itaqui. “A elevação do bueiro não foi boa”, reclama a bióloga Flavia Mochel. Ela relata ainda o desgaste gerado entre a Vale e a equipe de pesquisadores após o vazamento de agosto de 2004, em que sequer foram avisados. Para dar continuidade ao monitoramento, a equipe teve de custear um adicional de R$ 8.000,00 (oito mil reais) porque a Vale recusou cobrir o acréscimo. O adicional, explica Mochel, decorria de análises rigorosas de laboratório indexadas ao dólar. Indenização Desde 2000 a Vale indeniza os trabalhadores com arroz equivalente à safra anual e valores referentes à cultura de banana e capim. Segundo a Assessoria de Comunicação, a indenização continuará até a entrega da área para plantio. “A CVRD também indenizou os danos extra-patrimoniais coletivos, através da reforma da praça Gonçalves Dias, que custou ‘mais de R$ 1 milhão’. A Vale fez além do que determinava o Ministério Público”, justifica a empresa, referindo-se aos detalhes das benfeitorias no logradouro: pavimentação, piso, luminárias, arborização, irrigação dos canteiros, recuperação da estátua do poeta e do coreto. O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de São Luís questiona os investimentos feitos na praça, em detrimento da área contaminada. “O Gapara se sente prejudicado porque foi aqui que aconteceu o acidente e esses recursos na nossa avaliação deviam ser voltados para obras sociais aqui na região. A gente não tem nada contra que a praça fique bonita, recuperada e tudo mais, mas na verdade ficou essa carência aqui no setor. As pessoas que na verdade foram prejudicadas não foram beneficiadas”, reclama o secretário geral da entidade, Segisnando Rodrigues Lima, o Sizir. Para o sindicalista, as indenizações podem provocar um ciclo vicioso, estimulando o comodismo e a dependência dos agricultores. “A gente tem a preocupação de que esses trabalhadores fiquem recebendo indenização e percam um pouco o convívio com a agricultura. A gente quer que eles tenham qualidade de vida sem perder suas raízes”, explica. Segundo o sindicato, 52 famílias recebem indenização da Vale. O derramamento de óleo provocou mudanças de hábitos na comunidade, a ponto de os próprios moradores cortarem, a facão, as barreiras de contenção postas pela Vale para evitar a expansão da mancha. “Quem rasgava era a própria população que queria ter acesso à indenização”, constatou a bióloga Flavia Mochel, durante o acompanhamento do acidente. Cinco anos após o vazamento, com as atividades agrícolas suspensas, o sindicato defende um projeto de geração de renda na comunidade, mas ainda não obteve o apoio da Vale. O agricultor Eulálio Teixeira, 43 anos, estava trabalhando na roça no dia do acidente e até hoje reclama providências. “O peixe e a batata que a gente colhia não pode mais porque está interditada. A caça silvestre não tem mais hoje. Ela (a Vale) disse que ia arcar com as conseqüências...”, cobra. A mineradora implantou na área Itaqui-Bacanga o projeto Educação para Limpeza Urbana (ELU), voltado para a conscientização ambiental na seleção, coleta, transporte e destino do lixo. Representantes do Gapara participam, mas em São Raimundo do Gapara não existe nenhum projeto social ou ambiental da Vale. Apesar do prejuízo causado pelo derramamento de óleo, tanto os moradores quanto o sindicato afirmam que o relacionamento com a Vale é bom. Poderia
ser melhor. A companhia é a maior produtora mundial de minério
de ferro e registrou em 2004 um lucro líquido de R$ 6,460 bilhões
(43,3% a mais que o lucro de R$ 4,509 bilhões em 2003), segundo
as estatísticas oficiais. Com este lucro recorde, que catapultou
a Vale à condição de maior empresa privada da América
Latina, terceira maior mineradora do mundo, seria razoável fazer
um investimento que recuperasse a capacidade produtiva dos agricultores
de São Raimundo do Gapara. Por enquanto, eles estão vivendo
de indenizações, esperando os níveis de toxidade baixarem
para retomar o trabalho na roça devastada pelo óleo.
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