Símbolo
da desinformação ideológica
Por
César Fonseca, maio de 2005
Miriam Leitão, a repórter da TV Globo e do jornal O Globo que maior influência exerce no noticiário econômico nacional, oráculo do capital especulativo global que domina a cena mundial, resolveu jogar pesado contra as intenções geopolíticas dos governos dos países da América do Sul em sua intenção de agirem favoravelmente à criação do oligopólio do petróleo no continente sul-americano. Analista econômica que vê o movimento da realidade capitalista do ponto de vista do consumidor, parcial, mecanicista, cindido, e não do ponto de vista das forças produtivas e das relações sociais da produção, dual, dialético, interativo, considerou exótica a idéia de criação da Petrosul, união dos países produtores de petróleo da região, Venezuela, Brasil e Argentina, que poderiam, ainda, atrair outro grande produtor na América Latina, México. Tal oligopólio se transformaria, sem dúvida, em braço cooperativo da Opep, que determina, atualmente, o volume de produção da matéria prima que movimenta o capitalismo. Washington irritou-se. Miriam, também. Como destacou Schumpeter, a falta de informação histórica é a maior praga dos economistas e dos jornalistas que escrevem as suas verdades. Os monopólios e os oligopólios são as expressões mais genuínas do desenvolvimento capitalista a partir da grande crise de 1873-1893. Ela decretou o fim do movimento liberal, clássico, que deu cores fulgurantes ao sistema capitalista no século XIX, cujo desenvolvimento sempre sinalizou deflação, no rastro da construção dos excedentes, caminho natural do capital em sua eterna caminhada à sobreacumulação, detonadora, por sua vez, de crônica insuficiência relativa de demanda global, como comprovou Marx, em O Capital. A expansão dos monopólios e dos oligopólios, assim como o processo de acumulação, representa a busca do capital pela maximização do lucro ao fugir da concorrência, que reduz a taxa de lucro em relação à taxa de juro. Na medida em que, graças à crônica insuficiência de consumo, decorrente da sobreacumulação de capital, a taxa de lucro cai, o sistema deixou de acreditar na ideologia utilitarista, inglesa, do século XIX, apoiada no ponto de vista do consumidor, visto que deixara de ser útil. “Tudo que é útil é verdadeiro. Se deixa de ser útil, deixa de ser verdade”(Keynes). Os
neoclássicos, diante dos problemas de insuficiência de
demanda, gerados pela acumulação capitalista acelerada, a
partir de 1840, perceberam, claramente, que era necessário sair
fora do ponto de vista que orientava os clássicos, adeptos da lei
do valor trabalho, sustentada na evolução natural das forças
produtivas e das relações sociais da produção.
A realidade dual, positivo-negativo, singular-plural, feio-bonito, amor-ódio
etc, dialética, interativa, tornara-se problemática para
o capital, no espaço vulnerável da economia do livre mercado.
Virara o seu azimute terrível. Na manifestação do
positivo, encontra-se, implicitamente, o negativo. Ambos se desenvolvem
em processo de negação, de modo que se analisado apenas um
lado da realidade, esta jamais é vista em sua totalidade em movimento.
Tal totalidade mostrava o capitalismo em seu movimento integral, contraditório.
Tais contradições afastavam a hipótese de firmar eventual
face social, includente, do capital. A própria organicidade dialético-capitalista
tornara-se algo a ser necessariamente obscurecido. O mundo da essência
deveria dar lugar ao da aparência.
Nascia, então, entre os neoclássicos o ponto de vista que passou a orientar a ideologia capitalista: aquele que vê o mundo do ponto de vista do consumo, e não da produção. Para tanto, eles criaram o chamado consumidor autonomizado, auto-produzido, apartado da realidade, obediente a uma lógica construída na exterioridade do real-concreto. A matemática adentrava-se à economia, apesar de Hegel já ter dito que ela era uma ciência que se desenvolve no exterior da própria realidade, sendo, portanto, incapaz de explica-la em sua totalidade. Os neoclássicos colocaram dinheiro no bolso desse consumidor autonomizado e, a priori, organizou suas receitas e despesas, de tal forma que, equilibradamente, satisfaria sua taxa de prazer ao seu bel querer. No mundo imaginário, o equilíbrio seria alcançado. Tornara-se, possível, então dar razão a Jean Baptiste Say, segundo o qual toda a oferta gera demanda correspondente. Marx ironizara Say, dizendo que ele teria razão se as mercadorias que vão ao mercado fossem vendidas sem lucro pelo preço de custo. Gastou 100, vende por 100. Qual a graça para o capitalista? A mágica de Say poderia ser tudo, menos capitalismo. Hipoteticamente, apenas, hipoteticamente, na fabricação da mercadoria, como ensina, magistralmente, Jack Londom, em “Tacão de Ferro”, no capítulo “A matemática do sonho”, interpretação literária de Marx, o capital que vale 100, entra com 50 e o trabalho com 50, para formar sua totalidade. Mas, enquanto o trabalho consome 100%, ou seja, os 50 que representa sua parte na produção da mercadoria, o capitalnão vai a tanto. Se consumisse tudo, como haveria a reprodução, nos investimentos. Além do mais o capital é disponível para poucos, enquanto o trabalho é dever de todos. Se o capital não gasta os seus 50, mas, suponha-se, 30, sobrarão 20. São esses 20 que deixarão de ser consumidos e que jogam a teoria de Baptiste Say no chão. O excedente capitalista se universaliza. Leva, portanto, historicamente, o sistema à insuficiência relativa de demanda global. Onde jogar o excedente? A saída é a exportação. Se todos produzem excedentes, todos buscam a exportação. As contradições explodem na universalização do mercado mundial e sua resolução, como destacou Marx, dá na guerra. Os neoclássicos e os neoliberais até, hoje, como ressalta Lauro Campos, em “A crise completa – a economia política do não”(Boitempo, 2002), não entenderam que a guerra está no centro da dinâmica capitalista contemporânea, depois da crise de 1929. Buscam, desesperadamente, isola-la, como se não fosse fato econômico. A guerra fez explodir o padrão ouro e introduziu a moeda inconversível, para evitar que o salário zero ou negativo fosse o resultado pratica da destruição dos salários na expressão matemática do termo, de modo a destruir o capitalismo, abrindo espaço ao socialismo. No limite da insuficiência relativa de demanda, sob o padrão ouro, todas as moedas capitalistas entrariam em colapso, como previu Lênin. Keynes concordou com a mente sutil do líder soviético e deu banana para seus antigos mestres neoclássicos, como Alfred Marshall. Deixou de lado a deflação crônica e partiu para o seu oposto, a inflação, segundo ele, “a unidade das soluções”. Com uma mão, ensina pedagogicamente Lauro Campos, em “A crise da ideologia keynesiana”(1980, Campus), o governo joga dinheiro na circulação, para puxar a demanda global. Busca criar consumidor que gaste sem que haja aumento de produção de bens duráveis, que havia entrado em colapso em 1929. Tal consumidor, agora, é outro, mais poderoso: o governo e sua moeda fictícia. A mercadoria que consome é, na verdade, uma não-mercadoria – obras públicas, produtos bélicos e espaciais. Com a outra mão, porém, o governo joga títulos da dívida pública, para enxugar parte da oferta monetária, a fim de evitar a explosão inflacionária. A dívida pública interna, demonstra originalmente Lauro, passa a crescer no lugar da inflação. Ela é efeito reflexo da inflação. Eis a economia de guerra, expressão maior do remédio keynesiano. Afetada pelas crises deflacionárias, a produção de bens duráveis e semi-duráveis, sob padrão-ouro, deixara de ser o centro dinâmico da reprodução do capital. Substituía-na, a produção das não-mercadorias, impulsionada pela moeda estatal inconversível. O novo rearranjo capitalista pós-1929 configura estrutura produtiva e ocupacional que se tornou necessária para evitar que o capitalismo desse lugar à expansão comunista na Europa e nos Estados Unidos, depois da primeira guerra mundial. E, em sua base, estão as expansões dos monopólios e dos oligopólios. Diante dos lucros cadentes em decorrência da deflação, eles somente poderiam ser reativados, mediante novos investimentos, se houvesse o fenômeno reverso: a inflação. A única variável econômica capitalista realmente independente, segundo Keynes, torna-se a quantidade da oferta de moeda na economia. Ela produz as quatro condições indispensáveis que faz renascer os investimentos e proporciona aos empresários vislumbrarem a eficiência marginal do capital, ou seja, o lucro. São elas: 1 – aumenta os preços, 2 – diminui os salários , 3 – reduz a taxa de juros e 4 – perdoa a dívida do capitalista na compra de equipamentos a prazo. Inflação ou Deflação, a eterna dúvida? Diante da inexistência do equilíbrio, visto que o sistema marcha para o eterno desequilíbrio, dialético, a inflação aleija, mas a deflação mata. Escolha de Sofia. Impulsionada pela moeda inconversível, enquanto a dívida pública segurava, dialeticamente, a inflação, a demanda capitalista foi sustentada, keynesianamente, até final dos anos de 1970. Com ela ampliaram-se os oligopólios e os monopólios, todos, agora, dependentes, naturalmente, do dinheiro estatal, que, segundo Delfim Netto, faz chover nas cabeças do capital o lucro. Fortalece os monopólios e os oligopólios a crescente e crônica insuficiência relativa de demanda. As indústrias de bens duráveis e semi-duraveis, que se desenvolveram, no cenário global, depois da crise de 1929, o fizeram em obediência às determinações dos monopólios e dos oligopólios, enquanto as grandes indústrias de guerra, beneficiárias maiores da moeda estatal, igualmente, se ampliaram, oligopolisticamente. Num caso e outro, o fenômeno foi o mesmo com diferenciações qualitativas. Enquanto os monopólios e oligopólios que comandam os setores da produção de mercadorias se formam para minimizar os prejuízos da concorrência que leva à deflação, os monopólios e oligopólios que sustentam a produção de “não-mercadorias”, bancada pela dívida pública, impõem seu preço, necessariamente, elevado, visto que tal produção destina-se à destruição, envolvendo riscos crescentes. Mais uma
vez consumara-se a previsão de Marx, de que o capitalismo desenvolveria
ao máximo as forças produtivas, entraria em senilidade, e
passaria a desenvolver as forças destrutivas, na guerra. Keynes
percebeu a mesma coisa quando disse: “Duvido que tenhamos conhecido um
auge duradouro capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra.
Se os Estados Unidos se insensibilizarem com a grande dissipação
decorrente da preparação das armas, aprenderão a conhecer
sua força. Nem a vitória nem a derrota do New Deal, nada
significará diante dessa experiência bélica de preparação
da guerra” (“Crise, Divida, Terror e Medo No Mundo do Capital”, Lauro Campos,
Senado, 2002). Só os ingênuos ou os canalhas acreditam na
economia de mercado.
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