Ken Loach: um cineasta que fala dos pobres

“Os filmes permitem desenvolver perguntas, suscitar inquietudes, entretanto as mudanças têm origem nos movimentos políticos organizados.” Por Chema Castillo, para Página Abierta, 28/05/2005 
 

No passado mês de janeiro “El Ateneo Obrero de Gijón” teve a felicidade de realizar uma retrospectiva sobre a obra do diretor britânico Ken Loach. Em uma cidade submetida a um processo de privatização radical de sua estrutura produtiva, a visita de Ken Loach não é como a de um estranho: seus filmes têm trazido elementos de reflexão a partir de outras realidades similares. Sua presença na cidade nos permitiu esta entrevista.

Página Abierta. Seus filmes são sempre um fragmento da vida amarga. É a realidade tão dura?

Ken Loach. Meus filmes são um reflexo da vida onde se dá tanto a comédia quanto a tragédia.  Seria pouco realista eliminar algum destes componentes. A comédia, por outro lado, poder ser a melhor forma de resistência social. Por exemplo, rodamos “Navigators” no momento em que se privatizava as estradas de ferro britânicas. Algumas das coisas que ocorreram resultaram boas e estúpidas: Destruíram-se algumas das melhores máquinas para que não se competisse com elas. Operários que haviam sido companheiros de trabalho durantes muitos anos eram convidados a abandonar a reunião para evitar que soubesse de algum segredo industrial.  Gente que se dedicava a consertar as vias de trem se transformava, do dia para a noite, em James Bond com segredos industriais nas mãos  e vigilantes do perigo de espionagem. A parte séria pe que após o processo de privatização as linhas ferroviárias deixaram de ser tão seguras e pessoas que antes tinham trabalho fixo, agora se tornaram temporários. Assim a privatização provocava tanto o riso quanto o choro.

Página Abierta. Esta cidade e Astúrias vivem uma situação muito semelhante à experimentada pela classe operaria da Grã-Bretanha. As privatizações e o fechamento de empresas foram uma constante nas ultimas décadas. Seus filmes têm levantado motivos de reflexão...

Ken Loach. Como se mostra em “Sweet sixteen” rodado em uma cidade da Escócia que vivia dos estaleiros, as privatizações e fechamentos fizeram com que três gerações de trabalhadores não conheçam a experiência do trabalho. A economia de mercado deixa atrás de si um deserto. Atualmente, a maior indústria existente nessa cidade é a de venda de drogas... e as termas.  A ironia é que nessa cidade as pessoas são brancas como leite; um quarto de população tem agora uma pele morena espetacular. A parte séria do assunto que é a destruição dos estaleiros é a destruição do trabalho e a destruição da comunidade.

Página Abierta. Seu cinema é um cinema muito apegado à realidade e aos problemas das pessoas simples. Que impacto crê que têm?

Ken Loach. Têm um impacto limitado. Sou realista. Nunca me prendo a ilusões sobre a capacidade do cinema de mudar as coisas. Os filmes permitem desenvolver perguntas, suscitar inquietudes, mas as mudanças só as fazem os movimentos políticos organizados. Quando esses movimentos crescem, a cultura pode crescer com eles. Isso espero conseguir com meus filmes. Os filmes não mudam o mundo, mas podem sim, gerar inquietudes... e seria suficiente.

Página Abierta.  Seu cinema tem o compromisso de enfrentar cada vez mais uma indústria que aposta na criação de sonhos e do entretenimento. Que futuro nos espera?

Ken Loach. Não sei a resposta. Bom, na Europa há uma tradição cinematográfica que é importante conservar. Nos Estados Unidos há uma tradição comercial baseada na indústria de Hollywood onde o negócio é o centro. Se não pertencesse a essa industria, estaria perdido. Na Europa existe uma tradição diferente, mais vinculada a fenômenos nacionais e assuntos do coração e da mente. Há um cinema diferente francês, italiano, espanhol... e não importa o dinheiro. Do meu ponto de vista, enquanto houver filmes, mesmo que com um orçamento limitado e uma pequena ganância, teremos espaço para seguir trabalhando.

Por outro lado, esta é uma questão política. Devemos retratar nossas reivindicações aos políticos europeus para que a cultura cinematográfica européia, encarnação de sua diversidade cultural, tenha uma defesa nesse campo. Nas negociações e tratados entre Europa e Estados unidos estes sempre tentam a eliminação dos subsídios ao cinema. E devemos ir na direção oposta: defendemos contra as pretensões da indústria estadunidense. O orçamento no marketing de uma grande produção norte-americana é três vezes maior que o orçamento total de um filme rodado na Europa. Não se está julgando com as mesmas regras.

Página Abierta. Está estreando na Espanha “Um solo beso”, seu último filme, baseado nas relações amorosas de um paquistanês e uma católica. Falemos dele.

Ken Loach. “Um solo beso” aborda as relações inter-culturais de um ângulo familiar. É um problema da segunda geração. Como qualquer comunidade de imigrantes em qualquer país, tem uma tendência a manter a identidade e as raízes do lugar de procedência. A religião é um dos  traços próprios que se tornam símbolos aglutinantes e de unidade da comunidade e sua identidade.  Entretanto, os filhos vivem em outra sociedade, tem amigos brancos, católicos, protestantes... e não tem esses laços com a cultura anterior. Não é um filme sobre o racismo e sim sobre a situação dinâmica, de mudança, dos descendentes dos imigrantes de ontem. O conflito entre a atualidade e a tradição, protagonizado por dois jovens de procedências diferentes.

Página Abierta. Não parece este um bom momento para as relações inter-étnicas e especialmente a respeito das pessoas de tradição islâmica.   

Ken Loach.  A experiência, na Grã-Bretanha, mostra que as pessoas têm uma tendência natural a viver juntas, a ser tolerantes e a colaborar. Por exemplo, o bairro onde se rodou este filme, em Glasgow, a maioria das pessoas é de origem paquistanesa, chegadas há 30 ou 40 anos. Quando chegaram eram pessoas pobres, sem trabalho, realizaram atividades menos remuneradas, como o transporte e a limpeza. Contribuíram, de maneira muito importante, para sociedade e, sendo que no principio sofreram discriminação, gradualmente, com os anos, o receio  foi se eliminando. Desde o 11 de setembro, uma comunidade estabelecida que era respeitada, experimentou os ataques por ter seus membros considerados terroristas potenciais. Inclusive os “Shijs”, que não são mulçumanos, foram atacados por seus traços faciais e suas roupas. Tudo que se conseguiu através de anos de convivências experimentou um retrocesso após os ataques às Torres gêmeas. Conversei com uma menina que havia sido atacado em público, tiraram-lhe o xale violentamente, para humilhá-la.

A convivência pode ter problemas pelo empenho dos Estados Unidos e do Reino Unido em fomentar guerras ilegais geralmente contra países mulçumanos. Esse tipo de ação tem conseqüências. Recebemos constantemente informações sobre o fundamentalismo islâmico, o terrorismo islâmico, o extremismo islâmico e os meio de comunicação estabelecem um vinculo entre esses extremismos e as forças de resistência no Iraque. Nas notícias passa-se a impressão de que estamos combatendo o islamismo. A distorção pode ser grave. Se há circunstancias de suspensão de trabalho e pobreza, a direita vai culpar aos que têm diferentes crenças ou traços físicos. Estes fatores podem atrapalhas a convivência normal.   Em que pese estes fatores, creio que as pessoas tendam a viver em paz.
 


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