Dono de jornal manda prender jornalista

Por Alberto Dines, 3/5/2005, no Observatório da Imprensa
 

O único jornal que registrou devidamente a condenação do jornalista Jorge Kajuru a 18 meses de detenção foi a Folha de S.Paulo (sexta 29/4, primeira página). Ao que consta é a primeira prisão de um jornalista no Brasil desde o fim da ditadura.

A Associação Nacional dos Jornais terá mais um motivo para acionar suas poderosas baterias e repudiar a nova violência cometida contra a liberdade de expressão no Brasil junto à mídia e entidades internacionais. 

Dificilmente o fará. Simplesmente porque a ANJ não irá condenar um dos seus mais eminentes associados, autor da ação contra Kajuru. Trata-se de Jaime Câmara Jr., presidente das Organizações Jaime Câmara, grupo empresarial que edita um dos mais importantes diários da região central – O Popular, de Goiânia, com larga penetração em Brasília –, e controla um poderoso conglomerado de jornais, rádios e emissoras de TV nos estados de Goiás e Tocantins.

Esta patética ambigüidade da entidade máxima da indústria da comunicação impressa amorteceu a repercussão da sentença proferida pelo tribunal goiano. A Folha furou a cortina de silêncio graças à manobra de classificar a autora da ação contra Kajuru como "afiliada da Globo", e assim conseguiu evitar um confronto contra uma associação empresarial que tanto prestigia. Ocorre que as Organizações Jaime Câmara, antes de fazerem parte da Rede Globo, são proprietárias desde 1938 do Popular, um dos mais importantes diários regionais do país.

Cúmplice silenciosa

Tudo indica que o empresariado da mídia brasileira engolirá esta violência contra um jornalista da mesma forma plácida com que engoliu outras violações que favorecem os seus interesses. Exemplo recente: o virtual desmantelamento do Conselho de Comunicação Social, com a imposição do nome do "imortal" lobista Arnaldo Niskier para presidi-lo, passou em brancas nuvens porque desde a Constituinte o empresariado não mede esforços para emascular este órgão auxiliar do Congresso, considerado como alavanca do processo de regulamentação dos meios de comunicação social.

Jorge Kajuru – que a Folha insiste em designar como radialista embora seja colaborador habitual da sua editoria de Esportes – é o bode expiatório de uma imprensa formalmente corajosa, fingidamente independente e evidentemente cúmplice daqueles que querem dominá-la.

Em plena vigência do regime democrático, na qualidade de impassível testemunha e silenciosa cúmplice, a mídia brasileira assiste à incrível proeza de um dono de jornal que manda prender um jornalista.

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Em tempo: Durante o IV Encontro Regional sobre Liberdade de Imprensa, iniciativa da ANJ e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), realizado na segunda-feira (2/5), no Rio, para promover a Rede de Defesa da Liberdade de Imprensa, a entidade patronal divulgou uma nota "em defesa da liberdade de imprensa na Venezuela" [ver remissão abaixo]. Embora ocorrido sob seus olhos, o episódio Kajuru não mereceu mínima menção dos paladinos da "liberdade de imprensa". Como era de se esperar.
 


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