Veríssimo: o escritor, o ato político e a luta

  Quem já se deliciou com alguns ou com todos os seus livros não acredita que aquele de fala mansa, quase um susurro, e tímido, seja o escritor bem-humorado de Comédias da Vida Privada, A velhinha de Taubaté, As mentiras que os homens contam e tantos outros, seja Luis Fernando Veríssimo. Mas é ele mesmo. A simplicidade é tanta que ele quase pede licença por estar ali, por ser o centro das atenções de uma livraria cheia, em plena terça-feira, num dia chuvoso e um pouquinho mais frio.
     Assim que ele chega à Realejo Livros, na cidade de Santos (SP), no dia 26 de abril, por volta das 18h, logo forma-se uma fila de leitores e fãs, já com livros à mão, esperando o tão sonhado autógrafo, uma conversa rápida e também uma foto. Luis Fernando Veríssimo, apesar da timidez, recebe a todos com um sorriso largo e acolhedor. Faz questão de pedir o nome de cada um dos leitores e de escrever uma dedicatória diferente nos livros.
     Foi com a mesma gentileza que Luis Fernando Veríssimo, nascido em Porto Alegre (RS), em 1936, filho do famoso escritor Érico Veríssimo, falou com o Boletim NPC. Por Rosângela Gil, de Santos (SP), maio de 2005.

CASA GRANDE E SENZALA
Pois é, é um problema ("o abismo que divide o Brasil em Casa Grande e Senzala"*). A gente vive num país em que 70% da população não têm praticamente vida ativa. A gente escreve para 30% e dentro desses 30% é uma minoria que lê, que tem interesse por livro. É uma realidade que está sempre presente em tudo que a gente escreve. Essa é a realidade social brasileira. De certa maneira ela determina tudo o que a gente escreve. Mesmo quando a gente escreve coisas mais leves, mais fundadas no humor, está sempre presente essa realidade social. Inescapável.
 
TELEVISÃO
Tem mais essa também. A grande luta, principalmente dos educadores, mas também dos livreiros, dos autores e das editoras, é criar o hábito da leitura nos mais jovens, que têm tantas outras atrações: a televisão e, hoje em dia, o computador. É uma luta. É uma guerra.
 
O ESCRITOR
Quem faz trabalho jornalístico, crônica, que é um tipo entre literatura e jornalismo ou jornalismo literário, não tem muito tempo para contemplação. Ele tem aquele prazo que precisa cumprir, escrever, preencher aquele espaço que ele tem. Agora o autor que não tem essa obrigação, que não tem prazo a cumprir, que pode pensar, faz outro tipo de coisa. A relação com o que ele escreve é diferente. Mas quem escreve regularmente, principalmente para jornal, para a imprensa, escreve com outro tipo de urgência.
 
ATO POLÍTICO
Escrever é sempre um ato político. Num país como o Brasil, com os problemas que nós falamos antes, tudo é político. Até a decisão de não ser político é política. Não que o que a gente faça vai interferir, intervir ou influenciar muito os acontecimentos. Mas a gente sempre deve dar o seu testemunho.

A LUTA CONTINUA
Como coloco no prefácio do livro do Nelson Werneck Sodré, A Farsa do Neoliberalismo (editora Graphia), a luta da esquerda continua. A luta da esquerda de tentar conscientizar as pessoas e lutar contra essa avalanche não só de neoliberalismo, mas também de obscurantismo, que parece que está tomando conta do mundo. Vários tipos de fundamentalismos. Eu acho que a obrigação de qualquer intelectual, de qualquer pessoa racional e que pensa é resistir a isso. É verdade que hoje em dia quando se fala de esquerda ninguém sabe muito bem do que se está falando. O socialismo real não sei se fracassou ou se não era hora dele ainda, mas, enfim, quando a gente fala de esquerda está falando de um tipo de solidariedade, uma sociedade solidária e sem tanta injustiça.

O LIVRO
Eu não tenho nenhuma ilusão que o livro pode ser um agente transformador. Eu faço o livro porque é a minha profissão. Até uma profissão que começou um pouco tarde, mas eu finalmente descobri que ela era a minha profissão. Mas não tenho muita ilusão de que ele (o livro) vá mudar muito as coisas.
 

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(*) Trecho extraído do livro "Muralhas da Linguagem", de Vito Giannotti. Leia textos do autor no Portal Literal.

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