Coordenadora
da Missão brasileira ao Haiti fala ao Boletim do NPC
Sandra
Quintela, visitou o Haiti como membro de uma delegação de
organismos de vinte países. Nesta entrevista, ao Boletim do NPC,
Sandra nos traz informações que não chegam através
da grande mídia. Por Claudia Santiago, maio de 2005 (boletim 67)
Boletim NPC. Qual a primeira imagem que te vem à cabeça quando você pensa na viagem que fez ao Haiti. Sandra. A presença militar. Soldados nas ruas. Carros blindados. Carros caríssimos da ONU por todos os lugares. Muita gente nas ruas. Um comércio intenso. Mulheres carregando potes de água na cabeça... Boletim NPC. O Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquive disse em entrevista ao jornal Página 12 que o Haiti é "uma terra a que os olhos do mundo parecem dar as costas e que os haitianos os condenados da terra". Você concorda? Sandra.O Haiti por ter sido um pais cuja independência foi conquistada pelos escravos em 1804, sofre por isso uma espécie de 'pecado original': como pode um país negro e pobre organizar sua independência? O Haiti sofreu inúmeros golpes e ocupações militares ao longo de sua história e ao mesmo tempo é um povo que luta, resiste mostra dignidade, em um momento difícil. Poucos teriam essa capacidade. Boletim NPC. Com quem vocês se encontram no Haiti? Sandra. A missão encontrou o presidente da Republica, o primeiro ministro, o Conselho de Sábios (substituíram o Congresso Nacional, desde a queda de Aristides), ministro do Meio Ambiente, o Conselho Eleitoral Provisório, cerca de 60 organizações da sociedade civil (mulheres, sindicatos, direitos humanos, partidos, etc), Embaixadas da União Européia, Chile e Cuba, OEA, ONU e o Comando das tropas militares da ONU no Haiti, o general Heleno Ribeiro. Além disso, visitamos hospitais, escolas, o presídio central e a Zona Franca situada na fronteira com a Republica Dominicana. Boletim NPC. Como o movimento social com o qual você teve contato vê a saída de Aristides? Sandra. Aristides, em seu segundo mandato, nada tinha a ver com o Aristides que permaneceu em nossa memória, ou seja, o ex-padre, formado dentro dos princípios da Teologia da Libertação. O Aristides 2 implementou um programa radicalmente neoliberal que aprofundou ainda mais a catástrofe sócio-econômica do país. Quando de sua saída, a população estava na rua exigindo sua renúncia. Ao deixar o país, em 29 de fevereiro de 2004, havia o risco dele cair graças à força dos movimentos sociais. Ele saiu e assumiu um governo interino que está dando continuidade à mesma agenda econômica de Aristides. Ou seja, mudaram para nada mudar. O governo interino obedece à mesmíssima orientação econômica que traz fome e miséria e que fez o povo se rebelar contra Aristide. Boletim NPC. O que estes movimentos sociais almejam para o seu país? Sandra. A possibilidade de que este país, negro e pobre, e com uma capacidade enorme de luta e resistência possa encontrar seu caminho de autonomia e soberania. Querem o cancelamento de sua dívida externa contraída durante ditaduras sangrentas com as do Duvalier ou aumentada em inúmeros golpes já sofridos. Quase 90% da dívida externa do Haiti é com agências multilaterais, como o Banco Mundial e o FMI. O governo não prioriza as dívidas social, ambiental e política com o povo haitiano, mas paga a dívida financeira. E os empréstimos e "ajudas" novas condicionam sua aplicação ao pagamento da dívida. Querem a reparação da divida histórica que a França tem com o povo haitiano. A França para aceitar a independência do Haiti exigiu que aquela nascente nação pagasse uma enorme soma em dinheiro que deu origem a divida externa do Haiti. Querem a possibilidade de que uma reforma agrária ampla seja realizada. Querem os direitos das mulheres sendo respeitados. Querem a possibilidade de trabalhos dignos e não o trabalho semi-escravo nas maquiladoras... Boletim NPC. Como são vistas as tropas da ONU pelos movimentos sociais e pessoas com quem tiveram contato? Sandra. A absoluta maioria dos movimentos e organizações sociais com quem estivemos (mais de 60) é contrária à presença de tropas no país. O argumento é o de que não estão em guerra e que, portanto, não necessitam de tropas militares. Além de ser extremamente violador a presença militar estrangeira em qualquer pais do mundo, não? Boletim NPC. Que funções estão sendo cumpridas pelos Capacetes Azuis? Sandra. Em linhas gerais são três prioridades da Minustah* apoiar o governo interino no sentido de garantir o Estado de direito; garantir a realização das eleições gerais e a promoção de um processo de desarmamento. O que pudemos observar é que essas funções estão sendo cumpridas de forma muito precárias, pois, a violência tem aumentado no país e cresce o descontentamento com o governo interino. Minustah*. Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti - Destacamento civil e militar da Organização das Nações Unidas (ONU) que, desde junho de 2004, ocupa o Haiti. O comando das tropas da missão - que conta com cerca de 4 mil soldados, 1.200 do Brasil - está sob a responsabilidade do general brasileiro Augusto Heleno Pereira Ribeiro. Boletim NPC. A missão reconhece a legitimidade das tropas? Sandra. A missão condena a presença de qualquer tropa militar estrangeira em qualquer país do mundo. Defendemos a capacidade de autodeterminação e soberania dos povos. Não podemos aceitar a legitimidade dessas tropas. Ainda mais que o problema do Haiti não é militar. O problema é social, econômico e político. Boletim NPC. As eleições previstas para o ano que vem podem ser vista como uma esperança para o país? Sandra. As eleições previstas para outubro (municipais) e novembro (legislativas e presidenciais), são de suma importância para a estabilização do país. Por isso mesmo é preciso dissipar o cenário de violência no Haiti, que sofre com o alto grau de militarização. Uma das recomendações concretas da Missão foi a de que fosse formulado um plano de administração eleitoral com a participação da União Interamericana de Organismos Eleitorais, do Instituto Interamericano de Direitos Humanos e a Comissão Assessora de Promoção Eleitoral (CAPEL). Atualmente os pleitos estão sendo coordenados pela Organização dos Estados Americanos (OEA ), o que consideremos insuficiente em termos de experiência na organização de eleições. BoletimNPC . Quem é Sandra Quintela? Por que você foi escolhida para participar da Missão? Sandra. Sou alagoana, economista e carioca adotada. Fui indicada pela Rede Jubileu Sul/Campanha contra a Alca para coordenar o grupo brasileiro participante da missão. Fui também uma das coordenadoras latino-americana da missão participando de sua organização desde quando surgiu a idéia de realizá-la, em julho de 2004, durante o Fórum Social das Américas realizado no Equador. BoletimNPC
. Obrigada, Sandra Quintela. Boa sorte na atual missão de contar
para as pessoas os que vocês viram no Haiti.
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