O
Novo Sindicalismo, a estrutura
sindical e a voz dos trabalhadores O historiador e colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação, Guilherme Marques Soninho, laçou no final do ano passado o livro O Novo Sindicalismo, a Estrutura Sindical e a Voz dos Trabalhadores (foto). Leia a entrevista de Rosângela Gil e Sérgio Domingues com Soninho sobre o seu livro, em abril de 2005. Boletim do NPC. Por que nunca havia sido criada uma central sindical antes da CUT no Brasil? Guilherme Marques Soninho. Antes da CUT foram feitas várias tentativas de criação de centrais. Em 1908 foi fundada a Confederação Operária Brasileira (COB), que pode ser considerada a primeira experiência da classe trabalhadora brasileira de criação de uma central. Depois disso, diversas experiências, normalmente de curta duração, se seguiram: em 1929, em 1935, em 1946, em 1953 (fruto da “greve dos 300 mil” em São Paulo). No Rio, em 1952, em 1958 e em 1960 (como resultado da “greve da paridade”). Finalmente, em 1962, foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Em janeiro de 1964 foi criada ainda a União Sindical dos Trabalhadores (UST) que organizava os pelegos para rivalizar com o CGT. Durante a ditadura militar, logo em 1967 houve algumas tentativas de aglutinação, tipo o Movimento Anti Arrocho (MIA), mas sem nenhuma expressão. Mesmo sob forte repressão, em 68 aconteceram as greves de Osasco (SP) e Contagem (MG), que foram um marco, mas não avançaram na unificação da classe nacionalmente. A criação dessas centrais não quer dizer que elas tenham conseguido, de fato, existir e se consolidar. A maioria dessas tentativas foi abortada pela repressão. Além disso, proibidas de existir pelas leis que regulamentam os sindicatos no Brasil que chamamos de estrutura sindical - elas eram normalmente apenas formas de articulação entre sindicatos oficiais e normalmente articulações regionais. E sabemos que era proibida a sindicalização de trabalhadores rurais, de funcionários públicos etc. Por isso prefiro falar em tentativas de criação de centrais sindicais. Portanto, quando se diz que a CUT foi a primeira central de trabalhadores no Brasil, quer dizer que a CUT foi a primeira a se consolidar em todo o território nacional. Foi também a primeira a ter uma estrutura própria, não sendo apenas uma reunião de algumas federações, confederações e sindicatos. Lembremos que a estrutura sindical brasileira não prevê a existência de centrais sindicais. Elas não têm poder de contratação, de assinar acordos com os patrões. Passarão a ter apenas agora, com a reforma sindical do Governo Lula. Mas a CUT, nas suas origens, era crítica da estrutura sindical. Por isso nasceu como uma central de trabalhadores, não de sindicatos. Organizava trabalhadores do campo que não eram sindicalizados. Organizava os funcionários públicos que não eram sindicalizados. E organizava as oposições sindicais. Seus congressos tinham a participação de trabalhadores de base ao lado de diretorias oficiais. Essas são características fundamentais de uma central de trabalhadores, e diferenciavam a CUT das articulações entre sindicatos, das articulações de cúpula, tentadas por um ou outro dirigente sindical de boa vontade. Foi por isso ela conseguiu se consolidar. BNPC. O surgimento da CUT pode ser visto como resposta à estrutura sindical autoritária da ditadura militar ou à estrutura sindical corporativista de Getúlio? Soninho. Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Em primeiro lugar, é importante esclarecer que o modelo ditatorial de sindicalismo imposto pela ditadura militar, não tem contradições com a estrutura sindical varguista. A estrutura sindical é a mesma, e como é definida pelo Estado, e não pelos trabalhadores, permite que diferentes governos imponham, a partir da mesma estrutura, modelos sindicais distintos. É inegável que a CUT, no seu nascimento, se contrapunha à estrutura sindical oficial, criada por Getúlio Vargas. Organizava inclusive (como já dissemos) vários setores de trabalhadores não sindicalizados. A pergunta então hoje colocada seria se a CUT se contrapunha realmente às causas do problema (a estrutura sindical corporativa), ou apenas à sua conseqüência (o modelo ditatorial de sindicalismo dos militares). Observando a história da Central nestes mais de 20 anos após o seu surgimento, percebendo a sua adaptação à estrutura sindical, sua renúncia à luta pela liberdade e pluralidade sindical, sua aceitação da tutela da Justiça do Trabalho, sua aceitação de leis que regulam o direito de greve, etc, pode-se dizer que ela assumiu apenas a crítica ao modelo ditatorial de sindicalismo. O que não quer dizer, que na sua origem, suas críticas à estrutura sindical não fossem sinceras, e que seu nascimento não tenha sido uma resposta à estrutura sindical também. É claro que esta compreensão da necessidade de uma nova estrutura sindical totalmente desatrelada daquela oficial não era generalizada. Ela tinha um pólo propulsor em São Paulo, na Oposição Sindical, mas não era generalizada. No geral a contradição era mais com as imposições da ditadura militar. BNPC. Quais as principais correntes formadoras da Central? Soninho. Essa questão ajuda também a clarear a pergunta anterior. Foram duas as principais correntes formadoras da CUT. A primeira era representada pelo sindicato dos metalúrgicos do ABC, do Lula. Caracterizava-se por um sindicalismo combativo e massivo. Tinha grande influência da Igreja. Durante o primeiro momento a esta se juntaram os sindicatos dirigidos pelo PCB, PCdoB, MR8 e pela CONTAG. Rapidamente estas duas vertentes se separaram. A segunda corrente era representada pala Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM-SP). Caracterizava-se também pela combatividade. Mas caracterizava-se fundamentalmente pelo trabalho de base, era organizada a partir dos conselhos ou comissões de fábrica, onde participavam todos os trabalhadores, sindicalizados ou não. A crítica (na teoria e na prática) à estrutura sindical era marcante na OSM-SP. Era influenciada por vários grupos da esquerda marxista e revolucionária e ao mesmo tempo pela visão basista dos militantes oriundos das pastorais da Igreja católica. Nos anos finais da década de 1970 e nos primeiros da de 1980, muitos conflitos, lutas e movimentos de base (nas fábricas, no campo, nas escolas, universidades, nos bairros, favelas e mesmo na Igreja) surgiram. Pequenos grupos de cunho ideológico brotavam em todos os cantos. E nesse processo, a referência política conquistada por essas duas principais correntes conseguiu atrair os diferentes grupos e dar corpo ao projeto de criação do PT e da CUT. Mas não devemos esquecer que o grupo do Lula era integrado à estrutura sindical e, inicialmente, aliado dos PC s. E que o grupo das oposições sindicais era inimigo destes setores que eram chamados comumente de reformistas, atuava contra a estrutura sindical. Foi a aliança com as oposições que levou ao racha entre o grupo de Lula e seus aliados reformistas, assim como levou a uma crítica mais profunda da estrutura sindical. No decorrer da história, o grupo capitaneado pelos metalúrgicos do ABC se tornou hegemônico na CUT, afastou as oposições sindicais dos processos decisórios e levou a central a se adaptar à estrutura sindical. E, na CUT, entraram o PCB, o PCdoB e a CONTAG, o que é mais um sintoma da adaptação da CUT à estrutura sindical. BNPC. Quais são os momentos definidores (conjunturas, congressos, propostas) do atual perfil da CUT? Qual é o atual perfil da CUT? Faz tempo, tinha gente que dizia que a CUT tava virando uma central de sindicatos de trabalhadores classe media e de funcionários públicos e que a orientação da central, seus temas, campanhas e programas refletiam isso (além das direções, claro). Isso se mostrava também na composição dos congressos, dos sindicatos filiados, criados, etc. Tem fundamento? Como você vê isso? Soninho. Para mim o momento mais marcante da história da CUT foi a greve geral de 14 e 15 de março de 1989. Foi o auge da CUT e uma demonstração de força dos trabalhadores nunca vista antes no Brasil. Quanto aos momentos marcantes para a compreensão do atual perfil da CUT, acredito que o III CONCUT, em 1988, em que foram aprovadas diversas mudanças estatutárias (que acabaram com a participação de base nos congressos nacionais, que praticamente extinguiu a representação das oposições sindicais, e que privilegiou a representação dos sindicatos, excluindo de fato movimentos não sindicais como o MST) foi fundamental. A quase eleição do Lula em 1989 também. Pois fortaleceu a visão de que seria fácil mudar a sociedade brasileira. Afinal, mudar a sociedade a partir da organização dos trabalhadores é muito mais difícil do que ganhar uma eleição a cada 4 anos. Acho que a greve dos petroleiros de 1995, quando a CUT não organizou uma greve geral para fazer frente ao projeto neoliberal, foi outro marco. Nesse período, a CUT já vinha demarcando o seu perfil como uma central de negociação. Nestes anos, a CUT se afirmava como a central das câmaras setoriais, da negociação da reforma da previdência, etc. A autonomia sindical, a transformação social por obra exclusiva dos trabalhadores, o socialismo e a luta pela derrubada do Estado burguês, deram lugar a perspectiva de participação neste Estado e de reformar o capitalismo. Quanto ao atual perfil da CUT ser de trabalhadores de classe média e de funcionários públicos, em parte é verdade. A chamada reestruturação produtiva, com as privatizações, terceirizações, demissões em massa, precarização e informalização do trabalho, foram fundamentais. Afinal, trabalhador com carteira, sindicalizado, hoje é em grande parte de classe média. Além disso, o ataque do governo FHC aos servidores públicos foi muito forte. Eles foram culpados pela crise do capital. Oito anos sem aumentos, perdas de direitos, sucateamento dos serviços públicos, nenhum concurso... Por isso, nos anos 1990, os servidores públicos foram a parcela dos trabalhadores que mais se mobilizou, que mais fez greves, que mais esteve nas ruas. Além deles, só o MST e os outros grupos menores de luta pela terra, com suas ocupações e marchas... BNPC. Como fica a representação dos setores excluídos do mercado de trabalho formal? Soninho. No mercado informal não existe acordo formal para ser negociado. Se uma central quer organizar os trabalhadores e disputar hegemonia na sociedade, para lutar, revolucionar, se existe contratação formal ou não, não faz diferença. Veja o exemplo do MST, para eles o que interessa é organizar os trabalhadores para lutar... Se toda sua política e sua prática giram em torno da negociação, dos acordos com os patrões, para que organizar os trabalhadores informais? Essa é a situação que envolve a CUT e os trabalhadores informais. BNPC. Balanço e perspectivas da Central diante de um governo eleito com seu apoio. Soninho. A CUT não mudou por causa do governo Lula. Já havia mudado. No meu livro eu analiso o Novo Sindicalismo até 1995 e já víamos estas mudanças. A central, mesmo antes da eleição do Lula, já não lutava contra o governo e os patrões, lutava pelo governo e, algumas vezes, junto com os patrões. Há vários anos as intervenções da CUT vêm no sentido de melhorar as condições de acumulação do capital. Defende a redução de impostos para o setor produtivo, a redução de juros, banco de horas, etc. Só que agora, com o governo Lula, a CUT não é mais oposição, é governo. Agora estas políticas ficam mais escancaradas, é mais visível, as pessoas comentam. Hoje mesmo (07/04/2005) no O Globo tem uma matéria com o Luis Marinho (presidente da CUT), sobre a possibilidade do fechamento de uma fábrica em Juiz de Fora MG. Esta empresa para se instalar lá, recebeu uma série de benefícios : a doação de um terreno de 2,6 milhões de metros quadrados, isenção de impostos municipais e estaduais por 10 anos, além de um generoso empréstimo de 180 milhões de dólares do BNDES. Agora, a empresa ameaça fechar. A CUT não luta sistematicamente contra estes benefícios para o capital. Pelo contrário, muitas vezes os defende. Ao mesmo tempo, não exige do seu governo, benefícios equivalentes para os trabalhadores sem teto ou sem terra. A questão colocada é: em conflitos do governo com os trabalhadores, do lado de quem fica ou ficará a CUT? A atuação da CUT na greve dos bancários em 2004, e durante a luta contra a reforma da previdência foi, para dizer o mínimo, ambígua. Se a CUT não ficou formalmente ao lado do governo, com certeza também não encampou a luta dos trabalhadores. BNPC. Perspectivas diante da aprovação da Reforma Sindical proposta pelo governo. Soninho. Eu não tenho acompanhado de perto esta discussão. No momento estou concluindo minha dissertação de mestrado, sobre o que a imprensa sindical carioca diz da cidade e dos conflitos urbanos. Portanto, vou dar apenas algumas impressões, correndo o risco de não ser preciso ou justo. Em minha opinião, não se pode analisar a reforma sindical fora de seu contexto, ou seja, de sua ligação com a reforma trabalhista. Ao que parece, a reforma sindical do governo fortalece as centrais sindicais, inclusive financeiramente, em detrimento dos sindicatos de base. Fortalece o poder de negociação das centrais, que passam a fazer parte da estrutura sindical, tendo o poder de assinar acordos, poder de contratação. A reforma como encaminhada ao Congresso, passa longe do que a CUT defendia: fim da unicidade e dos impostos sindicais. Passa longe da liberdade e pluralismo sindical. Mantém o poder do Estado para, por exemplo, julgar uma greve como abusiva, o que permite as multas e até mesmo a intervenção nos sindicatos. Como ponto positivo, formaliza as organizações por local de trabalho, com estabilidade para os representantes eleitos dos trabalhadores nas empresas. Porém, nesse ponto não existiu consenso com os empresários, e sua definição se dará no Congresso do Severino. Este é um ponto pendurado no ar, pois toda a reforma afasta as bases, burocratiza, centraliza e substitui o trabalhador pela máquina e burocracia sindical. Parece mais um enfeite para fazer achar o bolo saudável, quando no fundo é totalmente envenenado. No geral, podemos dizer que a reforma fortalece a CUT e a sua atual parceira Força Sindical na capacidade de negociação. É aí que entra a relação com a reforma trabalhista. Esta teria como fundamento a possibilidade do negociado prevalecer sobre o legislado. Isso quer dizer que os direitos trabalhistas poderiam ser negociados. Isso é um problema. Pois mesmo que algumas poucas, grandes e fortes categorias possam ter força para manter os seus direitos e ainda negociarem outras vantagens (o que já acontece hoje), a tendência é que a grande maioria dos trabalhadores acabe obrigada a fazer acordos prejudiciais. Seja forçada a abrir mão de direitos conquistados ao custo de muita luta, sangue e mesmo morte em 100 anos de lutas da classe trabalhadora brasileira. Uma ainda maior precarização do trabalho pode ser esperada se esse rumo não for mudado. E é exatamente isso que o FMI quer. Isso que o Consenso de Washington já exigia no final da década de 1980. BNPC. E as propostas de criação de uma nova central sindical por setores que saíram da CUT? Soninho. Em primeiro lugar eu gostaria de dizer que acho justo que os sindicatos descontentes com os rumos da central se desfiliem. Achar justo, porém, não quer dizer que eu ache que este é o melhor caminho no momento. Na verdade - e agora estou falando como militante - acho que é muito ruim que não exista uma oposição de esquerda ao governo Lula, ou que essa oposição seja muito pequena. Acho que é ruim inclusive para o governo, que perde o argumento da ameaça dos radicais para fazer a sua política de alianças e sua política social compensatória e focalizada. Desta forma, acho que para aqueles que defendem uma profunda transformação social, uma grande luta contra o neoliberalismo, e que sonham com o socialismo, a prioridade política deveria ser organizar uma grande frente, um grande movimento de luta que se posicione a esquerda do governo. E acho que para essa frente ter capacidade de mobilização, ter visibilidade, deve contar com setores que saíram da CUT e com os descontentes que ficaram, e acho fundamental também, atrair outros grupos políticos como os movimentos de sem terra, de sem teto, de favelas e de estudantes. A saída da CUT e a perspectiva de formação de uma nova central sindical com todo o trabalho, reflexão e tempo que isso demanda, pode então se transformar em um empecilho para a formação de uma frente como essa? Pode fomentar o sectarismo entre aqueles que acreditam na primazia da luta sobre a conciliação? Essas são questões importantes, que devem ser discutidas de forma fraterna. Mas será que a disputa interna da CUT também não pode desdobrar nos mesmos dilemas? Isto também deve ser discutido de forma fraterna. Além disso, acredito que o processo de ruptura com a CUT, para aqueles que apostam nesta idéia, deve ser feito com muito cuidado. A realidade é que uma decisão burocrática, tomada em pequenos círculos de diretores sindicais, e aprovada em assembléias esvaziadas, não representará, na prática, grandes rupturas. Afinal, o que está em disputa é a hegemonia entre os trabalhadores ou a máquina sindical? Para que a ruptura com a CUT represente uma verdadeira disputa de hegemonia é necessário disputar a base. É necessário convencer os trabalhadores da necessidade da luta, ganhá-los para isso, e aí sim demonstrar que esse não é mais o interesse da CUT. Por essas razões, acho justo romper com a CUT. É uma opção que os sindicatos no exercício de sua autonomia, têm todo o direito de fazer. Mas se for para ter só um programa de esquerda escrito num papel, acho que pouco adianta e ainda pode prejudicar. O problema do sindicalismo brasileiro não é o que está escrito num papel e guardado dentro de uma gaveta, mas a falta de organizações de base, a falta de projetos unitários de disputa de hegemonia, a burocratização. E sair da CUT não quer dizer que esses problemas serão resolvidos. Para concluir,
gostaria apenas de levantar mais uma reflexão. O velho Marx já
dizia que com o desenvolvimento dos meios de comunicação
(ele falava das ferrovias, do telex, etc...) existiriam uma tendência
a um aceleramento dos processos históricos. Se ele estava correto,
e eu acho que estava, a tendência é que hoje algumas instituições,
como centrais sindicais ou partidos políticos, nasçam e envelheçam
mais rápido. Se compararmos o processo de envelhecimento de alguns
partidos de esquerda europeus com o do PT, isso fica claro. Devemos lembrar
também que nossa “fidelidade” deve ser à classe trabalhadora
e não a alguns de seus instrumentos. De qualquer jeito esta é
uma discussão que está começando, e muita água
ainda passará em baixo desta ponte...
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